Neste dia 26 de outubro de 2022, Marcos Darcy Silveira Ribeiro completaria 100 anos. Mineiro, nasceu em Montes Claros, na região Norte do estado. Reconhecido como um dos principais intelectuais do país, o escritor, professor, antropólogo, sociólogo, indigenista e político foi eleito para a cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras há 30 anos, em outubro de 1992. Faleceu cinco anos depois, aos 74, em decorrência de câncer. Mas suas contribuições continuam sendo referência em diversas áreas. Como um camaleão, circulava com destreza pela antropologia, política e educação, o que desperta especial atenção ao seu legado.
Darcy Ribeiro iniciou a educação superior em 1939, na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. No entanto, em 1943, descobriu sua vocação para as ciências sociais e, assim, abandonou a medicina. Foi então que ele se matriculou na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, vinculada à Universidade de São Paulo (USP), com uma bolsa de estudos oferecida por Donald Pierson, formando-se em 1946.
Parceiro de Anísio Teixeira, foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UNB) e seu primeiro reitor. Além disso, atuou na política como chefe da Casa Civil e ministro da Educação do governo João Goulart até ter os direitos políticos cassados com o golpe civil-militar de 1964, precisando deixar o país como exilado. Tal experiência talvez tenha sido a maior inspiração para uma de suas principais lutas, a oposição à ditadura e defesa do estado democrático de direito.
“Darcy Ribeiro, com seu jeito entre rebelde ou visionário, ainda buscou na comunicação de mídia, na representação política e na escritura de romances e de livros um espaço de consciência social” – Jamil Cury, professor, professor no Instituto de Ciências Humanas da Puc Minas.
Entre suas obras, O Processo Civilizatório (1968), Teoria do Brasil (1972) e O Povo Brasileiro (1995),representam marcos do pensamento social sobre o país. Todavia, conforme especialistas, o legado de Darcy Ribeiro vai muito além do que está materializado em livros.
O Indigenista
Dedicado a estudar a causa indígena quando não havia tanta preocupação da universidade com o tema, entre 1947 e 1956 trabalhou para o Serviço de Proteção ao Índio, atual Funai. Também participou, de 1946 a 1948, de expedições indígenas, entrando em contato com os Terena, Ofaié, Guarani, Caapores e Kadiwéu. A experiência proporcionou a publicação do seu primeiro livro em 1950, intitulado “Religião e mitologia Kadiwéu”. Em 1953, foi um dos responsáveis pela criação do Museu do Índio, órgão científico-cultural ligado à Funai, com sede no Rio de Janeiro e unidades descentralizadas em outras regiões.
O Visionário da Educação
“Se hoje a universidade é um espaço que comporta pensamentos complexos, multifacetados e velozes, esta é uma herança do Darcy” – Márcia Marques.
Considerado uma referência em políticas públicas educacionais no Brasil, Darcy Ribeiro fez parte do corpo docente da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 1953, onde lecionou durante dois anos. Depois, passou a dar aulas na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Nesta mesma época, o antropólogo foi convidado a colaborar na elaboração das diretrizes educacionais do governo de Juscelino Kubitschek. Além disso, foi designado por Anísio Teixeira para dirigir a divisão de Estudos Sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), vinculado ao Ministério da Educação, onde criou a revista Educação e Ciências Sociais.
Sendo assim, Darcy foi um militante da educação brasileira em todos os sentidos. Ele partia de uma noção muito importante de construir um pensamento brasileiro, no qual defendia que a essência cultural de um povo é imprescindível para adquirir os aprendizados ao longo da vida.
A professora de Comunicação e Universidade da UNB, Márcia Marques, fala sobre a importância do antropólogo na academia até os dias atuais. “Darcy, quando ele cria a Universidade de Brasília, ele está defendendo a criação de um espaço para o desenvolvimento do pensamento brasileiro. Então, ele traz professores e pesquisadores de todas as regiões do Brasil. Essa era uma visão inovadora”, comenta.
Em 1964, com o golpe militar, foi exilado do Brasil junto com sua esposa, Berta Gleizer. Ao voltar, participou da criação dos Centros Integrados de Ensino Público (Ciep) durante o governo de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. Nesse sentido, sua proposta era aliar os estudos formais com atividades de cunho cultural.
“Darcy Ribeiro foi um grande incentivador e defensor de uma formação inicial de docentes, de caráter sólido, abrangente e conhecedor da realidade sócio-educacional do Brasil”. É o que defende o professor da Puc Minas, Jamil Cury.
Ademais, o antropólogo também foi um grande incentivador de uma escola de tempo integral na educação básica. Jamil Cury ainda comenta sobre a defesa de Darcy sobre igualdade e diversidade:
“Para ele, indígenas, escravos e caboclos foram as principais vítimas desse processo de marginalização. Então, uma das formas de resolver esse problema é uma escola pública cidadã, que busca desconstruir paradigmas preconceituosos e discriminatórios e construir uma nova cultura de igualdade e de reconhecimento da diversidade.”
O Latino-Americano
É inegável que Darcy Ribeiro foi um homem que contribuiu nas mais diversas faces sociais brasileiras. Não seria diferente na cultura original brasileira e latina.
O jornalista e doutor em comunicação, Jhonatan Mata, que produziu o artigo “A América Latina existe? Latinidades possíveis nas plataformas de streaming de música”, aborda as latinidades sob o seu percurso histórico e antropológico. Logo, Darcy Ribeiro defendia que devemos “assumir-se enquanto povo que somos”. De acordo com o jornalista, para o antropólogo, “a latinidade era tão essencial quanto respirar”.
Em suas análises, Jhonatan percebe uma América Latina percebida mundialmente baseada em estigmas. Uma ideia voltada ao ambiente doméstico, com um contato muito próximo à família, acolhimento, calor humano e salas e cozinhas sempre cheias de afeto e domesticidade, somados a muito vigor e energia.
Dessa forma, levando em consideração as análises aplicadas sobre a representação das latinidades, e os estudos de Darcy Ribeiro, Jhonatan defende que devemos promover uma maior unidade da América Latina. “Estamos entre um éden tropical e um antropofágico inferno verde. Afinal, o calor da casa latina não é algo que nos envergonha, mas não devemos ser resumidos a isso”, disse.
Darcy também se destaca por promover um maior respeito à latinidade por meio de uma bibliografia acessível até os dias atuais.
“O legado do Darcy Ribeiro destaca-se a partir de uma bibliografia que amadureceu muito bem. A partir da minha função, percebi que certos pensadores são muitos vanguardistas e humildes. Mas o Darcy não foi assim. Ou seja, ele escreve bem e de uma forma fácil. Se você quer promover com maior respeito à latinidade, você tem que ser entendido por pessoas sem estudo. Então, só isso já seria suficiente. Além disso, é importante destacar o jeito respeitoso como ele tratou os povos originários, sem colocá-los numa caixinha”, destaca o professor
Por fim, fica evidente que Darcy Ribeiro, mesmo sabendo o seu lugar de imenso privilégio na sociedade, o utilizou para responder com humildade a quem não podia, explicitando a luta e resistência dos brasileiros, tocando nas feridas abertas, de uma forma que todos conseguiam visualizar.
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