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Foto: Filipe Castilhos/Sul21

30 anos do Plano Real, a troca de moeda que mudou os rumos da economia do Brasil

A implantação da moeda que substituiu o Cruzeiro, visava, dentre outras metas, o controle da alta taxa de inflação das décadas de 1980 e 1990

Preços altos e que variam todos os dias, moeda desvalorizada que não assegurava o poder de compra do brasileiro e seis planos econômicos frustrados. Esse era o cenário até o dia 1º de julho de 1994, quando o Brasil começou a deixar para trás um passado complicado com relação à hiperinflação. Isto porque, um dia antes, no dia 30 de junho, o Governo Itamar Franco editou a Medida Provisória 542, que instituiu no país uma moeda denominada como Real, cuja importância seria representada até hoje pelo símbolo ‘R$’ e substituiria o Cruzeiro (Cr$), lançado no governo de José Sarney em 1987, sete anos antes da nova fase.

À esquerda, duas moedas de 20 cruzeiros em um fundo amarelo, que circulavam em 1981. À direita, duas moedas de 1 real, que passaram a circular a partir de 1994.
 Fotos: Banco Central do Brasil/Divulgação

O plano completou 30 anos em 2024, e tinha como objetivos principais equilibrar as contas públicas, desindexar a economia, isto é, acabar com o reajuste diário do preço dos produtos e acabar com a hiperinflação, reflexo do período da ditadura militar e do governo de Juscelino Kubitschek, como explica o historiador William Fernandes Boteri: “No plano de metas do Juscelino, os ‘50 anos em 5’, ele começa a fazer um trabalho pelo desenvolvimento do país, só que se gasta muito. O endividamento do país começou mais forte ali. A ditadura também participou muito, porque teve um gasto muito grande, no ‘milagre econômico’ [do Governo] Médici, que foi meio “falseado”, o Brasil teve um falso enriquecimento nessa época”.

Segundo dados do Banco Central do Brasil, às vésperas da reforma, a inflação atingiu 4922% no acumulado de 12 meses, dados contestados pelo economista e professor da PUC Minas, Robson dos Santos Marques, que afirma que a inflação acumulada até às vésperas da criação do novo pagamento não passou de 3000%. No final daquele ano, a inflação fechou em 916% e, em 1995, alcançou 22%. A concepção do Plano Real, no entanto, foi complexa, tendo seu planejamento iniciado ainda em 1993, pela equipe econômica montada pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e foi dividida em três etapas.

As três fases do Plano

O Ajuste Fiscal Emergencial (AFE) foi a primeira etapa do Plano Real. A medida, no entanto, visava a flexibilização da gestão orçamentária e aumentar a arrecadação tributária do Governo Federal em 1994 e 1995, que destinava 15% da arrecadação de impostos para programas sociais.

O segundo passo foi a criação da Unidade Real de Valor, a URV, em março daquele ano. Ela servia como moeda transitória do Cruzeiro para o Real e era vinculada ao dólar americano. Esse período de preparação de uma moeda para outra foi fundamental no processo, como destaca Robson: “Você cria uma moeda não inflacionada e transita com todos os preços e salários para ela primeiro, sem congelar. Você vai ajustando e passando tudo para URV. Não usa o mecanismo de congelamento e nem expõe a ideia de uma moeda nova sem fazer a transição de todos os contratos para ela. Porque quando você passa (de uma moeda para outra) sem ajustar os contratos e salários é um erro, você acaba por quebrar contratos sociais e a população boicota”, explica o economista.

Imagem mostra que, em 1 de março de 1994, 1 URV valia 647,50 cruzeiros. Em 2 de março, 1 URV valia 857,50 cruzeiros. Em 30 de junho, 1 URV valia 2750 cruzeiros. No dia do lançamento do Real, em 1 de julho de 1994, 1 URV valia oficialmente 1 real.
No dia de lançamento do Real, CR$647,50 equivaliam oficialmente a R$1. Reprodução SBT News

A última parte da implantação do Real foi a resolução de questões logísticas, com uma rapidez inédita, para fazer a moeda entrar em circulação no país. De acordo com dados oficiais do BC, 940 milhões de cédulas e 688 milhões de moedas foram produzidas até 30 de junho, o que indicava ‘terreno pronto’ para a chegada do novo meio de pagamento.

Os planos anteriores e por que fracassaram

O Brasil teve, ao todo, seis planos econômicos que antecederam o Real, a começar pelos planos Cruzado I e II, que foram lançados em 1986. A primeira medida tomada pelo governo foi o congelamento de salários e da taxa de câmbio. Na sequência, a equipe econômica de Itamar Franco instituiu o chamado “gatilho salarial”, que era uma correção do salário toda vez que a inflação atingia 20% ao mês.

No início, o Plano foi bem sucedido, com numeroso apoio popular e reduziu a inflação de 12,72% em fevereiro para 0,78% em abril. Para os produtores, no entanto, iniciou-se um desequilíbrio financeiro, o que resultou em prejuízos para a categoria e esvaziou as gôndolas dos supermercados, principalmente de alimentos.

Com a segunda versão do Cruzado, os salários foram descongelados, mas, por outro lado, o governo aumentou os impostos na tentativa de reequilibrar as contas públicas prejudicadas no Cruzado I. Em fevereiro de 1987, foi declarado o adiamento do pagamento da dívida externa e a suspensão do pagamento da dívida externa. O ano se encerra com inflação alta novamente, na casa de 14,15% ao mês.

Em junho de 1987, sob o comando do ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, o Brasil congela os preços novamente e o gatilho salarial é extinto. Com a medida anterior da moratória da dívida, o câmbio foi desvalorizado para promover o crescimento das reservas internacionais, que entraram em crise durante o ano anterior.

Para Robson Marques, os governos anteriores ao de Itamar pecaram nesses congelamentos: “Essa metodologia não se mostra eficaz numa economia capitalista, só funcionaria se você estivesse trabalhando numa economia fechada. Mas numa economia de mercado (como a nossa) os salários e os preços têm que ser livres. Então, você passa a ser livre nessas negociações”.

Na visão do historiador William Boteri, os planos anteriores também não tiveram sucesso. Ele cita o exemplo do Governo José Sarney: “Os planos anteriores foram implantados sem muita organização, colocando fiscais de preço, porque quando você aumentava uma coisa e estava tudo congelado, as pessoas ficavam de olho e, de repente, os produtos começavam a faltar. Mas ali, faltou a união de todos, principalmente da população. Então, eles começam a cobrar o ágio para que os produtos aparecessem novamente [ágio é uma espécie de preço adicional das mercadorias]. Para mim, o grande erro da população foi aceitar o ágio. E a gente falava: ‘não compra não, deixe a mercadoria estragar. Eles vão ter que abaixar os preços’. A ânsia fazia com que as pessoas pagassem . E por isso os planos da época não deram certo”, pontua.

A vida antes e depois da nova moeda

O impacto de uma moeda altamente problemática e desvalorizada pôde ser percebido no cotidiano da população. A instabilidade nos preços era tamanha a ponto de preocupar os cidadãos. Em entrevista ao Colab, o agente de saneamento Lúcio Fonseca, 47, cita as dificuldades do período: “Bom, antes do real entrar, tinha o URV. Eu me lembro que essa época foi muito difícil. Eu ainda era pequeno, né? E eu me lembro que a minha mãe fazia compra e comprava hoje por um preço, no outro dia, ia lá para pagar, era outro valor que tinha que pagar. Porque a moeda subia todo dia, até que depois ela acabou se estabelecendo. E, com isso, começou a melhorar. Mas enquanto isso, muitas pessoas aproveitavam também para poder ganhar dinheiro. Comprava um carro por um valor ‘x’ e acabava vendendo por outro né?”, relembra.

A professora de anos iniciais Silvânia Brito Ribeiro, 52, também destaca o grande impacto do plano para a economia e para o dia-a-dia dela, com ressalvas: “Foi um divisor de águas para a economia na época. A gente ganhou com a implantação desse plano, porque tinha um momento em que você comprava alguma coisa e recebia um dinheiro de volta. Enfim, era uma coisa muito louca. Na época foi muito positivo, mas, ao longo do tempo, com algumas reformas, ao meu ver, o Real foi piorando”, opina a professora.

A economia brasileira 30 anos depois

30 anos depois da implantação do novo meio circulante, o cenário econômico do Brasil é melhor, no entanto, a questão inflacionária continua sendo uma preocupação para a população e economistas. No momento da redação desta reportagem, o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) indica a inflação em 4,24% no acumulado de 12 meses, mais de mil vezes menos do que na época de implantação do Real. No entanto, o indicativo de estar dentro da meta é uma questão de aparência.

“Nós estamos com uma inflação atual aparentemente dentro da meta, mas é importante que se diga que não é. Vamos dizer assim: o centro da meta é 3,5%, com perspectiva de você ir um e meio para menos, um e meio para mais. Nós estamos, na realidade, no topo, nos últimos 12 meses, se você pegar o IPCA, ele vai dar uns 4,5%. Eu não vejo uma necessidade muito grande de você ficar, vamos dizer assim, ortodoxamente, centrado na meta por causa do problema do consumo, porque eu acho que é excessiva a preocupação do Banco Central do ponto de vista da questão da demanda. Essa não é apenas uma preocupação central do nosso Bacen, é uma preocupação central dos bancos centrais no mundo inteiro. Todos eles, de alguma forma, têm esse componente monetarista”, esclarece o professor Robson.

Outro aspecto que perdura até os dias de hoje é a alta taxa de juros. Seis meses decorridos da implantação do Plano, em janeiro de 1995, esse índice era de 0%, chegando à marca de 4,02% ao completar seu primeiro ano de vigência. Até o momento da publicação desta reportagem, após reunião do Conselho de Política Monetária (COPOM) do Banco Central em setembro deste ano, a taxa Selic foi elevada em 10,75%, o que, desde então, tem sido motivos para reclamações do presidente Lula e sua equipe econômica, que alega que o atual presidente do BC, Roberto de Oliveira Campos Neto, quer interferir de forma a prejudicar a economia e seu crescimento. Segundo projeções do Ministério da Fazenda, o Brasil deve atingir 3% de evolução do PIB no ano.

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Lucas Parreiras

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