Caminhos para a universidade: rotas que levam a um único destino

Histórias reais dos estudantes que se deslocam para a PUC Minas Coração Eucarístico todos os dias

O movimento ao redor do campus Coração Eucarístico na PUC Minas é constante. De 7 às 22:30, são centenas de alunos chegando, indo embora e se deslocando para outras unidades. São várias realidades e rotinas diferentes que levam as pessoas a um único lugar. Muitos enfrentam o trânsito caótico de Belo Horizonte, enquanto outros apenas atravessam a rua para chegar à universidade. Mas todos já tem um caminho traçado.

Às vezes, é nesse caminho que etapas importantes da vida dos estudantes são cumpridas. Afinal, o trajeto pode ser longo e quem mora longe sabe bem disso.

Uma pesquisa feita pelo SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) para o Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) detectou que o brasileiro passa, em média, duas horas e vinte e oito minutos por dia no trânsito para se deslocar, de casa para o trabalho, para médicos, lazer e paras as compras nas capitais. Ao multiplicar a média diária pelos dias do ano, o tempo de deslocamento equivale a trinta e sete dias e meio. Ou seja, mais de um mês inteiro passados no carro, ônibus, metrô, moto, bicicleta ou a pé. Já em Minas Gerais, segundo a empresa norte-americana INRIX, que analisa o trânsito e a mobilidade urbana nas principais capitais do mundo, o belo-horizontino ficou 202 horas, ou pouco mais de 8 dias, parado no tráfego em 2018. Afinal, o que o estudante faz nesse tempo? Quais são os caminhos para a PUC?  Queremos conhecer o percurso de diversos alunos diferentes até ao mesmo local de encontro: A universidade. O quanto eles vivem nesse caminho até chegar aqui? Vamos contar a história que ninguém conta: aquela que ninguém nem repara que existe. Aquela que vivemos tentando chegar ao nosso destino final.

BRUNA

Bruna Oliveira não deixa o cansaço a impedir de estudar

O trajeto de Bruna Oliveira é provavelmente um exemplo de que o desejo de estudar é capaz de fazer as pessoas quebrarem barreiras. Com chuva ou sol, inverno e verão, Bruna Oliveira estuda na PUC Minas há quatro anos. Nunca desanimou, mesmo com um percurso longo na BR-262 para se enfrentar.

Bruna é uma pessoa leve, sorridente e bem-humorada. A estudante, que optou pelo Jornalismo, forma na graduação no final do ano e percorreu uma longa estrada. Ela, mora em Florestal, uma distância de mais de cinquenta quilômetros da PUC do Coração Eucarístico. Para chegar no campus, pega um ônibus que para na estação Eldorado e, para completar o percurso, continua de metrô até a Gameleira. Bruna diz que gosta muito de ler e tenta estudar durante o trajeto, mas fica tão cansada que não consegue: “Durante o caminho, eu acabo dormindo no ônibus e não consigo reservar esse tempo para estudar”.

Ela começou a cursar Jornalismo na unidade São Gabriel, mas, estava inviável, devido ao deslocamento até a sua casa: “Quando eu estudava no São Gabriel, chegava mais de meia-noite em casa”. Não só o deslocamento é um empecilho para Bruna. As aulas de Jornalismo da unidade São Gabriel só estão disponíveis na parte da noite e, para enfrentar o longo deslocamento sozinha, é também um risco para a sua vida, afinal, ela mora no país em que uma mulher é morta a cada duas horas.

Bruna é forte. Precisa ignorar os medos, passa por transtornos de um transporte público mal estruturado, tudo isso para realizar o seu desejo de se formar. O caminho de Bruna é mais que asfalto e terra, é um trajeto de vida, pensando no futuro, vivendo o seu presente da melhor forma, como ressalta o grande poeta Guimarães Rosa: viver é obrigação imediata. E Bruna percorre esse caminho para viver o agora.

Nada a abalou durante esses anos, inclusive, ela continua com um sorriso estampado em seu rosto. Ela é um exemplo de que as dificuldades da vida são superáveis. Mesmo pegando o ônibus das 5:30, caindo de sono, ela está ali, na sala de aula às sete horas da manhã pronta para aprender todos os dias, um pouco mais.

MATHEUS

Assim como Bruna, muitos estudantes acabam tendo as horas livres e o horário de sono comprometido. Matheus Nascimento tem 22 anos e está matriculado no 8ª e último período do curso de jornalismo, na PUC Minas, Campus Coração Eucarístico. A manhã começa cedo para Matheus. Morando no bairro Minaslândia, Zona Norte de Belo Horizonte, o estudante precisa pegar pelo menos duas conduções para chegar à faculdade a tempo do primeiro horário.

Quando as aulas começam às 7h, precisa acordar entre 4h30 e 5h, para pegar um ônibus em destino à Estação Valdomiro Lobo. Lá, ele se aperta no metrô em uma das horas mais abarrotadas do dia e torce para chegar à Estação Gameleira a tempo de completar seu percurso. No metrô, Matheus comemora quando há algum lugar vazio disponível. É um dos pontos altos de seu dia. Infelizmente, a quantidade de gente que também torce para um lugar é enorme. Caso não consiga encontrar um lugar para sentar, ele tem que percorrer todo o percurso dos trens em pé, esbarrando nas pessoas e fazendo de tudo para não se atrasar para as primeiras aulas do dia.

Chegando à Estação Gameleira, ele ainda tem que percorrer um caminho que pode levar entre 15 e 20 minutos. Quando encontra um amigo de carro na rua, também subindo para a faculdade, ele agradece e entra no carro, aliviado pela ajuda inesperada, que faz muita diferença em sua rotina. “Poderia ser pior, eu poderia morar em alguma cidade fora de BH, então já estou bem acostumado com o percurso. Já o faço há pelo menos 4 anos, então não é novidade para mim. Mas que cansa, cansa”, afirma, sem perder o bom humor.

Contando com a ida e com a volta, Matheus gasta de 4 a 6 horas por dia no transporte público de Belo Horizonte, isso quando não encontra engarrafamento no ônibus ou atraso no metrô. No entanto, Matheus não desanima. Para ele, a melhor maneira de passar o tempo durante a condução é ouvir música nos fones de ouvido ou checar as redes sociais.

“Cheguei até a criar uma thread no Twitter para registrar todas as vezes que consigo ir sentado no metrô.  Foi uma ideia que tive dentro do próprio metrô e se tornou uma tradição entre os meus amigos. Ela é atualizada todos os dias. Por enquanto, estou indo mais em pé do que sentado”, conta o estudante. No último ano da faculdade, Matheus não deixa o enorme percurso o desanimar. Ele continua indo às aulas, faça chuva, faça sol. Sentado ou em pé.

TADEU

Tadeu Henrique Camargos vive o cotidiano clássico do jovem universitário: a correria, as refeições rápidas, e o cansaço. Cursando o 7° período de engenharia mecânica durante a noite, o estudante enfrenta ainda o desafio de conciliar os estudos com o estágio na Fiat. Para ir ao estágio e à universidade, Tadeu pega o ônibus que a empresa disponibiliza para transporte dos funcionários.

Acorda às 06h, no tempo certo para tomar um banho rápido e pegar o ônibus, que passa na rua de cima de sua casa no bairro Castelo. O café-da-manhã fica apenas para as manhãs tranquilas e folgadas dos finais de semana. O trajeto até a Fiat, que fica em Betim, demora cerca de uma hora e meia. Ele sai do estágio às 15:00 e pega o ônibus novamente; dessa vez, indo para a faculdade. No percurso, ele costuma aproveitar para dormir, já que seu tempo de sono noturno encurtou bastante. “Às vezes, nem vejo o tempo passar. Saio da Fiat, sento no ônibus e quando vejo, estou na PUC”. Ao chegar, ele estuda ou descansa no DCE, até sua aula começar.

A correria tem uma vantagem: os ônibus são bastante confortáveis, com cadeiras macias, cortina e ar condicionado. “Vou bem tranquilo. Mas com certeza, gostaria de demorar menos tempo para chegar, fico imaginando o que eu poderia estar fazendo nas horas que perco dentro do ônibus”.

No fim do semestre, o cenário já muda: Tadeu provavelmente vai estar com o celular em mãos lendo algum artigo, com o caderno lendo anotações ou discutindo problemas de cálculo com os colegas de ônibus, também cursando engenharia. Com o início do período de provas, a correria aumenta mais ainda. E o caminho para a PUC que antes parecia sereno, já conta com adrenalina.“Já fiz trabalhos inteiros pelo celular, dentro do ônibus. Sei que não é o ideal, mas às vezes realmente não dá tempo.”

Vista do ônibus que Tadeu pega todos os dias para ir à Fiat

Tadeu tem carro, mas o deixa na garagem ao longo da semana para economizar o combustível. Como o trajeto até a Fiat é longo, ao colocar na ponta do papel o quanto gastaria com gasolina, achou melhor usar o transporte da empresa. Ele lembra com saudade do início do curso, quando não trabalhava, ia tranquilamente para a PUC e tinha tempo de sobra para fazer todas as atividades. Mas isso é passado: seu melhor amigo agora é o relógio.

FELIPE

Nem sempre o caminho é tão longo e complicado. Por isso, é fácil ajudar os amigos e dar uma carona. É o caso de Felipe Tadeu, estudante de engenharia mecatrônica na PUC Minas. “Pra mim, a melhor parte de dirigir é você entrar no carro, colocar sua música preferida e sair dirigindo por aí, seguindo o seu rumo”, relata. Ele utiliza o carro como meio de transporte para ir de sua casa, que fica no bairro São Lucas, até a universidade. Porém, nem sempre essa foi sua realidade.

Inicialmente, Felipe usava o serviço de transporte de van para poder ir e voltar para sua casa. Esse método funcionou por quase dois anos, mas como a mensalidade estava cara, o estudante e sua família precisaram pensar em uma alternativa mais barata. “Quem deu a sugestão do carro foi o meu pai. Como ele trabalha no Padre Eustáquio, que fica perto do Coração Eucarístico, eu poderia usar o carro para ir pra faculdade e também poderia levar e deixar o meu pai no trabalho. Isso iria economizar um bom dinheiro.”

Normalmente, de sua casa até a faculdade o percurso costuma durar cerca de 30 minutos; depende do trânsito, se não está muito engarrafado ou da rota que ele pega. “Às vezes, eu dou carona para os meus amigos. Não vejo nenhum problema nisso, na realidade, eu até gosto de ficar dirigindo e de ajudar as pessoas”, conta. Para ele, dirigir é uma atividade prazerosa e que faz com que ele se esqueça dos problemas da vida.

Felipe não adquiriu muitas manias desde que começou a dirigir com mais frequência, a única coisa que não pode faltar, em sua concepção, é uma boa música tocando no rádio. Como seu gosto é eclético, o estilo de música que toca em seu carro sempre está mudando. Já teve a época do rap, do funk e, agora, o estudante está escutando mais eletrônica. “Música é algo que não pode faltar, independente do estilo.”

PEDRO

Quando o assunto é se locomover, Pedro Carvalho tem muita experiência para compartilhar. O estudante de Nutrição da PUC Minas, está no 6º período e enfrenta uma rotina cheia e com muitos trajetos para percorrer, já que além do curso na Pontifícia, também estuda Letras na UFMG a noite e faz estágio no período da tarde.

Para estar nos três lugares diariamente, ao longo dos 5 dias da semana em que estuda e trabalha, Pedro alterna os meios de locomoção: para chegar à PUC, de manhã, pega uma carona com seus pais, que saem para trabalhar no mesmo horário e passam pela Universidade em seu trajeto.

Na hora do almoço, precisa sair do bairro Coração Eucarístico e ir para a Savassi, onde está localizado seu estágio, utilizando o transporte público. Para chegar no último destino do dia, o estudante optou por contratar um serviço de Van, para ir do estágio até a UFMG e de lá até sua casa, já que seus pais não poderiam te dar uma carona e se escolhesse pelo transporte público não chegaria a tempo para as aulas.

O tempo é o principal inimigo de Pedro. Com tantos compromissos, o universitário lamenta as horas perdidas no trânsito: “Acredito que o que mais me incomoda na minha rotina é o tempo que gasto indo da faculdade para o estágio! Demoro mais de uma hora no caminho e muitas vezes não consigo aproveitar esse tempo para resolver algumas pendências das faculdades ou até pessoais mesmo!”.

Apesar das dificuldades passados ao longo do dia, Pedro faz questão de lembrar das pequenas alegrias, como conseguir ler um pouco no ônibus e encontrar seus amigos da van, no período da noite “Como não tenho tempo sobrando para diversão, já que saio de casa às seis e só retorno depois das onze da noite, me permito ler um livro, escutar umas músicas até chegar no estágio e principalmente conversar com meus amigos da van”, ainda afirma que apesar do cansaço, da correria e de algumas críticas que recebe por suas escolhas, tudo valerá a pena no futuro. “Tenho que aproveitar enquanto estou novo e aguento o tranco, para correr atrás das minhas conquistas”.

GIOVANNA

Para Giovanna, um caminho curto pode ser bastante longo. E, muitas vezes, seu percurso pode ser mais significativo que seu destino final. Durante muito tempo da sua vida, passou mais tempo tentando chegar aos lugares do que de fato estando neles. Por isso, ela acredita que viver o caminho é sempre chegar a algum lugar.

Nascida e criada em Sete Lagoas, no interior de Minas Gerais, Giovanna mudou para Belo Horizonte em 2015 para estudar Fisioterapia. Ela percorreu 60 km para chegar até a PUC pela primeira vez. Agora é uma vitória: Só percorre 120 km por semana. Já que só volta para casa no sábado e retorna do domingo.

Cansada de percorrer grandes caminhos, Giovanna optou por morar no Coração Eucarístico em um apartamento que fica a 10 min de distância da universidade. Apesar da grande mudança, seu percurso não se encurtou como esperava. A estudante passou a trabalhar no turno da manhã na Savassi, destino que, para ela, é sinônimo de puro engarrafamento e cansaço. “Já acordo cansada e nem saí da cama. Só de imaginar o trânsito que enfrento todos os dias me dar dor de cabeça.”

Seu percurso do estágio para universidade é marcado por muitas sinaleiras, pedintes e calor. Giovanna pode trazer seu carro de Sete Lagoas, mas raramente usa o ar condicionado. Seu retorno envolve muitas olhadas no relógio e um almoço super corrido quando chega em casa. Quando da tempo, ela se permite estudar um pouquinho.

Às 13 horas, Giovanna desce do sexto andar de elevador até a portaria do prédio. Cronometra o tempo exato de 10 min para chegar até a universidade. No caminho, não gosta de ouvir música, nem de ter certas distrações, anda atenta, sempre fora da calçada e longe de becos, com medo de alguma violência ou assalto. “Como sou mulher não me permito andar na rua distraída. O Coração Eucaristico é conhecido por ser um bairro meio perigoso, principalmente, por conta da quantidade abundante de estudantes. Eu ando olhando para todos os lados.”

Devido ao medo constante, Giovanna diz que 10 min acabam se transformam em horas.  Ela relata que quando se tem medo, mais o tempo passa devagar e mais ela leva as constantes do caminho que percorre para fora dele. “Acredito que o maior problema é que acabo pensando sobre o caminho que vou traçar antes de fazê-lo e depois. É um ciclo sem fim. Penso sobre o que tenho que fazer antes mesmo de começar.”  

Enquanto caminha, Giovanna também se deixar pensar sobre suas aulas na faculdade e seus pacientes na Clínica da PUC Minas: “Uso esse tempo para também ter ideias sobre coisas que eu quero falar com eles, ou movimentos que acho interessantes aplicar em determinados pacientes. Sei que meu tempo é precioso. Por isso quero também me dar liberdade de aproveitá-lo.” Chegando na universidade,  Giovanna sempre respira de alívio e pensa na sorte que teve. Ela chegou. Está lá e, agora, como qualquer outro dia, pode ser seu momento.

No fim, a PUC Minas, entre idas e vindas, trancos e barrancos, transportes e usuários, caronas e motoristas, acabou se tornando uma constante na vida desses jovens, que pouco tinham em comum, a não ser seu destino final. Mas, segundo Giovanna, a PUC tem potencial para ser bem mais do que um simples fim para todos eles: “Ela, para mim, é só o começo”.

Produção e redação: Alexandre Guglielmelli, Bárbara Lima, Bruna Curi, Giulia Staar, Sylvia Amorim e Vitória Costa.

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