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O caminho do Viaduto Santa Tereza para se tornar símbolo cultural de Belo Horizonte

Visão lateral do Viaduto Santa Tereza durante o dia

Créditos: Bernardo Haddad

MUNDO, mundo, vasto mundo!

Grito imperioso de brancura em mim! 

Meu carnaval sem nenhuma alegria!

De súbito, um deles sugeriu:

Vamos subir no Viaduto?

Trecho do livro “O Encontro Marcado”, de Fernando Sabino

Surgiu em Belo Horizonte, no ano de 1929, um local que viria a fazer parte da vida de centenas de pessoas anos após sua inauguração. Inicialmente planejado para ligar os bairros Floresta e Santa Tereza ao centro de uma cidade que crescia e se modernizava, o Viaduto Santa Tereza é hoje um dos principais símbolos culturais da capital mineira.

O engenheiro Emílio Baumgart poderia não imaginar, mas sua construção foi responsável não somente por possibilitar que os belorizontinos tivessem outra alternativa para atravessar o Rio Arrudas, hoje coberto pela Avenida dos Andradas, como também permitiu que grupos sociais, por vezes excluídos, fizessem dali um local de resistência.

O mesmo viaduto, histórias diferentes

Na época da construção, a obra foi vista como pioneira no estilo conhecido como Art Déco (ou pó de pedra), caracterizado por linhas simples e geométricas, utilização de novas tecnologias construtivas (como o concreto armado), decorações austeras e edificações encorpadas.

Os 390 m de extensão, 52 metros de vão, 14 metros de altura e 700 metros cúbicos de concreto tornam-se números quase inexpressivos perto das histórias que são escritas diariamente no Santê.

Na parte de cima, por onde passa a Avenida Assis Chateaubriand, estão localizados os arcos parabólicos. Arcos esses que, como conta Humberto Werneck no livro O desatino da rapaziada, já serviu como passatempo para o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Entre as décadas de 1920 e 1930 – não há consenso sobre a data exata – , Drummond se aventurou a subir em um desses arcos, quando foi surpreendido por um policial, que ameaçou prendê-lo caso não descesse dali.

Viaduto Santa Tereza no final da década de 1920. (Foto: Reprodução / Arquivo Público Mineiro)

Antes da obra de Werneck ser publicada, outro grande autor mineiro havia escrito sobre o local. Lançado em 1956, o livro O encontro marcado, de Fernando Sabino, conta a história do jovem Eduardo e sua busca pela razão da vida. Em uma das passagens da obra, o protagonista e seu grupo de amigos decide subir, assim como Drummond, nos arcos do Viaduto.

Quando se viu largado no vazio, tendo sob os pés apenas meio metro de cimento e lá embaixo, muito embaixo, os trilhos da estrada de ferro a brilhar, um trem passando exatamente naquele instante, não resistiu à vertigem. Deitou- se de bruços, agarrou-se com força, dilacerando as unhas na superfície áspera, pôs-se a chorar:

— Não desço mais. Pelo amor de Deus me tirem daqui. Chamem o Corpo de Bombeiros!

O encontro marcado, de Fernando Sabino

De cima para baixo, como nos conta o personagem, viam-se apenas trilhos da estrada de ferro. De cima para baixo, via-se muito pouco ou quase nada. O que antes era rio, deu lugar aos trilhos de trem, que brevemente (ou não muito tempo depois), foram substituídos pelo asfalto.

O começo

A Praça 7 de Setembro, localizada na Avenida Afonso Pena, coração da capital mineira, serviu como espaço para que Maurício Gomes e outros garotos dessem início à história que transformaria o Viaduto no que ele é hoje. Ali, os garotos se encontravam para andar de skate. Mas existia um problema: a prática era vista com maus olhos pela sociedade e, principalmente, pelas forças policiais, como relatam os integrantes da G7 Crew

Criado em 2003, logo no começo da expansão do skate em BH, o G7 se formou a partir da união dos jovens que andavam de skate pelo centro, principalmente na Praça 7 – daí o nome.

A Família de Rua

Em paralelo com a história do Viaduto, surge a Família de Rua (FDR). Inicialmente, o grupo se reunia na Praça da Estação. Foi onde o Duelo de MC’s, evento que contribuiu para que o Viaduto Santa Tereza se tornasse conhecido nacionalmente, deu seus primeiros passos.

A Família de Rua nasceu junto com essa história do Viaduto. Quando ela começou, era mais a galera do skate que ia nas batalhas de rap. Tanto é que a caixa de som ficava em cima dos skates. Na época, a gente usava a Praça da Estação, no lado que hoje é colado ao Centro Cultural (Centro de Referência das Juventudes). De lá o movimento foi ganhando força, teve até que mudar de local. Foi para a frente da Serraria Souza Pinto (no Viaduto Santa Tereza)”.

Maurício Gomes

Com a mudança de local, a FDR cresceu ainda mais. O fortalecimento do Duelo de MC’s contribuiu para o surgimento de um dos principais eventos do hip-hop nacional. O Duelo Nacional reúne, anualmente, desde 2012, os principais mc’s do Brasil no Viaduto Santa Tereza. Nomes como Djonga, Clara Lima, Douglas Din, Orochi, César, Emicida e tantos outros já subiram no palco do Santê.

Final do Duelo Nacional de 2017

Entretanto, foi necessária muita luta para que esses e tantos outros pudessem ocupar os espaços do Viaduto.

OP Digital – a primeira tentativa

Em meados de 2008, o skate já havia se tornado parte da cultura de BH. Foi nessa época que os meninos da G7 buscaram, pela primeira vez, um local próprio para a prática do esporte no centro da capital.

O Orçamento Participativo Digital foi um projeto da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) que permitiu a participação popular nas decisões de possíveis investimentos públicos. As votações virtuais foram enxergadas uma solução prática para engajar o público. O Viaduto, entretanto, não foi o escolhido pela votação que contou com a participação de 124 mil belorizontinos.

O projeto

Protagonista em toda essa história, Maurício Gomes vislumbrou no Viaduto Santa Tereza o espaço ideal para que o que ele e seus amigos procuravam. Como ele mesmo conta, a PBH o procurou, através da Secretaria de Juventude, a fim de encontrar uma solução para os skatistas da capital.

Então, ele sugeriu a parte de baixo do Viaduto, do lado próximo à Rua da Bahia, como espaço ideal para a construção da pista.

Isso porque, apesar de a parte localizada ao lado da Serraria Souza Pinto já estar ocupada, o outro lado do Santê ainda estava “largado”. Segundo Maurício, o projeto foi feito junto aos arquitetos contratados pela Prefeitura, mas as obras não começaram.

Reforma e ocupação

Passados vários anos, em março de 2013, sob a gestão de Márcio Lacerda (sem partido), a PBH finalmente anunciou o início das obras de revitalização do Viaduto. A reforma prometia entregar, até julho de 2014, a restauração do espaço e a instalação de um circuito de esportes radicais. Um dos patrimônios histórico da cidade receberia, enfim, a atenção que merecia, e tudo isso a tempo da realização da Copa do Mundo. No entanto, não foi bem assim que aconteceu.

O atraso para entrega das obras e a falta de transparência dos órgãos públicos quanto aos prazos, investimentos e estratégias da reforma, levantaram a desconfiança da população. Três anos depois, cansados de aguardar por uma solução do poder público, foi criado o movimento “Viaduto Ocupado”, formado por jovens da capital que decidiram ocupar, por conta própria, o Viaduto Santa Tereza.

Chamada – Ocupa Viaduto Santa Tereza

“Como o poder público não demonstra interesse de terminar a obra e entregá-la à população, mesmo depois de 3 anos, nós vamos exercer nosso direito à cidade e inaugurar a área de skate do Viaduto Santa Tereza”.

Trecho do vídeo com participantes do movimento Viaduto Ocupado

No dia 28 de janeiro de 2017, membros do Ocupa Viaduto organizaram o evento de inauguração da skate plaza do Viaduto Santa Tereza. Desde então, o local se consolidou como referência para a prática do esporte em Belo Horizonte.

O Viaduto Santa Tereza sob outro olhar

Da sacada do prédio onde trabalha, Juliana acompanha quase que diariamente a vida no viaduto. Do topo da Avenida dos Andradas, ela contempla uma paisagem que envolve desde o Santê, até a badalada Rua Sapucaí, ponto de encontro da vida boêmia em Belo Horizonte.

Durante 36 anos de idas e vindas ao local, a auxiliar odontológica percebe o contraste entre um iluminado e movimentado viaduto, com algumas memórias sombrias que o rodeiam. A vista ampla e repleta de cores remete aos eventos e manifestações no local, mas também aos acontecimentos turbulentos e marcantes.

Linha do tempo do Viaduto do Santa Tereza

“Viaduto representa liberdade”

Liberdade. Talvez essa seja a palavra que melhor defina o que é o Viaduto Santa Tereza.

Das palavras de Eduardo Sabino, passando pelos jovens do G7 e da Família de Rua, chegando aos movimentos de ocupação, o sentimento de liberdade sempre esteve presente sob as estruturas de concreto armado e decorações austeras do Santê.

Ainda que, por muitas vezes, sobreviva frente ao descaso do poder público e da população em geral, o Viaduto resiste e impacta, diariamente, a vida de diversas pessoas. É possível perceber isso através de relatos enviados à reportagem, que buscou não somente contar como um meio de ligação entre bairros de Belo Horizonte se tornou um dos principais símbolos culturais da cidade, mas também ouvir pessoas e entender a importância do Viaduto para elas.

Confira depoimentos coletados pela reportagem:

Minha ex-namorada mora no (bairro) Santa Tereza, e sempre passava no Viaduto no caminho para a casa dela. Lembro de como passar ali era um aviso de “estou chegando” e de “estou indo embora”. Pensamentos muito bons e muito ruins já passaram pela minha mente enquanto admirava a vista do Viaduto. Hoje, quando passo por lá, só sinto saudades e tenho lembranças boas e ruins”.

Relato anônimo

Acho que tenho quase que uma amizade com o Viaduto. Nos momentos de mais dificuldade que tive, problemas no relacionamento, e problemas com os meus pais em casa, me sentia sozinho, e fui com um amigo no viaduto. Foi melhor do que esperava, tinha uma imagem deturpada do lugar, sempre relacionei com drogas, moradores de rua, e marginais. Foi muito bom ver que não tinha nada disso, e o lugar começou a ser um refugio para mim. Sempre que posso estou por lá, fico até tarde.”

Relato anônimo

Eu sempre curti muito dessa cultura de rua, sabe? Então meio que encontrei no Viaduto um local que consegue unir tudo isso. Skate, rap, grafite. Lembro que a primeira vez que mandei um flip (manobra de skate) foi lá. Então é um local que vai estar sempre marcado na minha vida.”

Relato anônimo

O Viaduto remete à minha juventude, aos encontros com meus amigos e às inúmeras horas que passávamos juntos. Passar em frente ao local me traz a sensação de nostalgia, que se junta com a saudade dos bons tempos que vivi ali.”

Relato anônimo
Reportagem desenvolvida por Adriano Oliveira, Bernardo Haddad, Gabriel Ramos, João Felipe Marques, Thomaz Cruz, Vinícius Tadeu para a disciplina Lab. de Jornalismo Digital do semestre 2023/1 sob a supervisão da professora Verônica Soares.
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