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Táticas que marcaram épocas: entenda a evolução dos esquemas no futebol

Técnico de futebol grisalho veste casaco preto a beira de um campo de futebol

Arsene Wenger à beira do campo / Foto: Ronnie Macdonald

Marcado por diversas mudanças táticas ao longo de sua história, o futebol tem se transformado continuamente, refletindo a criatividade e inovação de técnicos e analistas. Especialistas como o auxiliar tático Eduardo Quintela, que tem experiência em clubes nacionais e estrangeiros, e o jornalista e comentarista esportivo João Victor Del Rio apontam para a importância do estudo constante e da adaptação das estratégias às características dos jogadores e das partidas.

Ao longo das décadas, o futebol testemunhou uma verdadeira revolução tática, desde os rígidos esquemas do início do século XX até as formações dinâmicas e fluidas da era contemporânea. Nos primórdios, o sistema 2-3-5 era amplamente utilizado, valorizando a ofensividade. Com o tempo, surgiram esquemas como o 4-4-2 e o 3-5-2, refletindo uma maior preocupação com o equilíbrio entre defesa e ataque. Essa evolução é resultado do aprofundamento no estudo do jogo, da análise de dados e da adaptação às novas exigências do futebol moderno.

Profissionais do futebol analisam os impactos da evolução tática no esporte

Os treinadores influenciam profundamente a evolução tática do jogo, tanto no nível de clubes quanto no nível internacional. Em entrevista ao Colab, Eduardo Quintela, então auxiliar tático do Atlético San Luis, time do México, relata acreditar que a influência dos treinadores é total e absoluta. Eles estudam constantemente o jogo, os adversários e suas próprias equipes, buscando superar desafios e melhorar o desempenho. “Os treinadores baseiam seus estudos de forma qualitativa, com os vídeos, e quantitativa, com dados, sempre contribuindo para essa constante evolução do jogo”, comenta.

Para João Victor Del Rio, analista tático e jornalista, os técnicos, auxiliares e analistas são agentes do jogo que, com diferentes táticas e modificações, podem definir o futuro de cada partida. Del Rio cita como  exemplo o esquema de Guardiola, que utiliza os alas espetados como pontas, e sempre pressiona após a perda da posse de bola. A inovação tática de Guardiola parece ser o futuro do futebol, e vem sendo adotada por muitos treinadores no mundo inteiro. Segundo o jornalista, os gramados e seus modernos sistemas de drenagem também exercem influência sobre a maneira como  o jogo é praticado, de forma a impulsionar o dinamismo marcado em estilos de jogo, como  por exemplo, o “Tiki-Taka”.

Eduardo Quintela observa que, em diferentes países, como no México, há uma tendência maior de equipes jogarem com dois centroavantes de área, algo que é menos comum no Brasil. Ele destaca a evolução nas funções dos jogadores, em que os defensores têm atribuições ofensivas e vice-versa. “O que me chama mais a atenção é esse aspecto dos jogadores que originalmente são de posições defensivas, têm muitas atribuições ofensivas e vice-versa”, comenta. 

Quando perguntado se a evolução tática está se movendo em uma direção específica, o auxiliar tático é enfático: “Acredito que o futebol está sempre em constante evolução, não acredito que tenha uma direção específica. Depende muito da filosofia de cada treinador e do clube em que ele está trabalhando no momento”. Quintela destaca os desafios enfrentados pelos treinadores ao implementar novas táticas em suas equipes. Ele acredita que o treinador é um vendedor de ideias e quanto melhor ele vender essas ideias aos jogadores, mais perto do sucesso ele estará. “A maioria da imprensa acredita que futebol é só resultado, mas eu acredito que futebol é desempenho. Quanto mais didática o treinador tiver, mais próximo do desempenho ideal ele vai chegar”, concluiu. 

Como diferentes táticas marcaram diferentes épocas no futebol

O surgimento das táticas no futebol

A história da tática no futebol é antiga, datada de 1529, na Itália, quando surgiu o primeiro estilo de jogo. Na época, o futebol apresentava um esquema de 27 atletas para cada equipe com um modelo de jogo totalmente diferente do atual. 

No ano de 1830, foram criadas as regras estabelecendo que o desporto passaria a ser jogado por 11 jogadores em cada time. A partir deste marco, novas regras foram implementadas, fazendo com que o futebol evoluísse e apresentasse grandes protagonistas fora das quatro linhas: as comissões técnicas.

Do “WM” ao Brasil de 1994: Como eram as táticas no século passado?

A partir da adoção do sistema com 11 jogadores no campo, definitivamente adotado, o esquema 2-3-5, conhecido como pirâmide, foi o mais utilizado até o ano de 1924, quando a regra de impedimento foi alterada. Agora, o atacante teria que ficar atrás de dois defensores invés de três para ser configurada uma posição irregular.

Em decorrência dessa alteração, Herbert Champman, na época, treinador do Arsenal, protagonizou uma enorme mudança tática: a criação do esquema “WM”.  Em artigo publicado pela MW Futebol, Pedro Galante, cientista dos esportes, explica que a formação era composta por três defensores, dois meio campistas recuados, dois avançados e três atacantes, compondo um desenho de um “W” no ataque e um “M” na defesa. No esquema, os zagueiros adiantavam sua linha de marcação, procurando deixar o atacante adversário em posição de impedimento.

A formação, contudo, apresentou instabilidade defensiva conforme o futebol evoluiu: os atacantes se posicionavam de forma a pressionar a “linha burra” feita pela zaga adversária, tornando o sistema obsoleto. O artigo publicado por Dyego Lima, no blog Ludopédio, trata como Nereo Rocco corrigiu tal ineficiência e, em 1948, popularizou um dos esquemas com maior capacidade defensiva já visto na história do futebol, o “Catenaccio”. A formação italiana era caracterizada pela utilização de um zagueiro líbero, que se posicionava atrás da principal linha defensiva do time, formada por três defensores. O auge da formação se deu entre os anos de 1963 a 1965, com a Internazionale tornando-se bicampeã da Champions League. A  equipe italiana atraía pressão para sua linha defensiva e punia o adversário com contra ataques em velocidade.

Nereo Rocco, técnico idealizador do Catenaccio / Foto: Domínio Público

“A morte do Catenaccio” veio no início dos anos 1970, quando a Europa presenciou um dos estilos de jogos mais ofensivos do futebol, o Carrossel Holândes. O técnico Rinus Michels apresentou sua nova formação como treinador do Ajax, tri-campeão da Champions League. O esquema foi apelidado de Carrossel por apresentar constante circulação dos jogadores que, sem posições fixas, cumpriam todas as obrigações táticas em campo. 

Após as conquistas consecutivas da Champions League, Michels foi o treinador selecionado para treinar a seleção holandesa na Copa do Mundo de 1974, quando o Carrossel Holandês se mostrou para o mundo inteiro. Orquestrado pela genialidade de Johann Cruyff, desempenhando uma função que nunca tinha sido vista no futebol, o Falso 9,  a Holanda chegou a sua primeira final de Copa na história. Apesar de ser derrotada pela Alemanha Ocidental pelo placar de 2×1, a tática holandesa marcou o futebol como poucas, e serviu de base para muitos esquemas.

Johan Cruyff, principal jogador da seleção Holandesa/ Foto: Rob Mieremet

A próxima inovação tática do futebol deu-se em 1986, pela seleção Argentina, atual campeã do mundo. O técnico Carlos Bilardo começou a perceber o jogo tático de outra maneira: ao invés de utilizar seu esquema e fazer com que os jogadores se adaptassem a ele, Bilardo criou um esquema adaptado às características de seu elenco, jogando, assim, em um 3-5-2. O esquema permitia que o craque da seleção, Diego Maradona, não tivesse que recompor defensivamente, poupando-o para as suas características arrancadas ofensivas. A ideia de adaptar seu estilo de jogo a seus craques apareceu novamente na Copa do Mundo de 1994, no tetracampeonato da Seleção Brasileira. 

No momento do torneio, o Brasil não tinha um camisa 10 de ofício em grande fase, então, Carlos Alberto Parreira pensou no jogo com uma posse de bola total, com um time que buscava constantemente o gol e variava suas formações ao longo do jogo, possibilitando, assim, uma criação de jogadas que envolvia o time todo, passando, principalmente, pelos pés de Dunga que, na ausência de um camisa 10, armava as jogadas para uma das duplas de atacantes mais letais do futebol: Bebeto e Romário.  

As táticas do século atual : a era moderna do futebol

A Seleção chegou ao seu pentacampeonato em 2002 com outra aula tática, dessa vez, comandada por Luís Felipe Scolari. O Brasil atuava em um 3-4-3, liberando os alas Cafu e Roberto Carlos a participarem do ataque. Além disso, jogava com dois volantes de marcação, Kleberson e Gilberto Silva, que, juntamente com os três zagueiros, compunham a solidez defensiva do time, tirando parte da obrigação defensiva do “triângulo mágico” brasileiro, formado por Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho. 

A partir de 2010, a tecnologia começou a ter papel fundamental no futebol. As análises táticas se tornaram mais enriquecidas graças a novos equipamentos tecnológicos, como o GPS, usado para mapear o comportamento de jogadores em campo, e o surgimento de scouts (profissionais de mercado e de táticas que junto a base de dados, promovem estratégias para diferentes jogos). 

O artigo publicado por Thalisson Lima pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) apresenta sobre como o estilo Tiki-Taka foi implementado pelo treinador Pep Guardiola no Barcelona, de 2008 a 2012, conquistando duas Champions League neste período. Guardiola trabalhava com a posse de bola extrema, com passes direcionados a todo o momento do jogo. Os seus meias de criação, Xavi, Iniesta e Busquets, pareciam não errar nenhum passe ao longo da partida. Tudo isso, alinhado a atuações de gala de Lionel Messi, o único jogador na história a conseguir atuar de maneira semelhante a Cruyff, jogando de Falso 9. 

Ainda na década de 2010, outro treinador teve destaque com sua maneira de jogar: Jurgen Klopp. Treinador de Borussia Dortmund e Liverpool, o alemão esquematiza seus times para jogar no formato “Gegen Pressing”, que consiste em uma pressão na equipe adversária desde sua construção de jogada. Para o técnico alemão, as chances que eram criadas devido a erros na saída de bola adversária eram de fácil conversão a gol, permitindo que seu time tivesse muitas chances ao longo da partida. 

Nos dias atuais, o que presenciamos é mais um show tático de Pep Guardiola, dessa vez, no comando do Manchester City, jogando em um 3-2-5. O espanhol criou o modo de jogo de “ataque posicional”, atuando com sete jogadores no campo ofensivo construindo jogadas, fazendo com que as defesas adversárias não consigam nem respirar ao longo do jogo, devido à sua pressão constante e sua linha alta. 

Pep Guardiola, treinador do Manchester City / Foto: Tsutomu Takasu

Com um estilo de jogo avassalador e uma capacidade de adaptar sua equipe às circunstâncias de cada partida, Guardiola solidifica seu legado como um dos maiores estrategistas da história do futebol, e também redefine os padrões do esporte. 

Reportagem produzida por Gabriel Arlindo e João Vitor Rangel.


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