Quebrando preconceitos e estigmas, Tatiana Lagôa alcançou prestígio profissional no jornal O Tempo, um dos principais e mais vendidos em Minas Gerais no segmento quality paper e no compromisso com o leitor, de acordo com o Índice de Verificação de Circulação (IVC) . No decorrer de sua trajetória, ela enfrentou desafios e dificuldades que foram superados com persistência e resiliência. Nascida em São João Del Rey, cidade localizada no Campo das Vertentes, no interior de Minas Gerais, Tatiana tem 37 anos, é casada, mãe da Taís, de oito anos, e busca por meio da profissão dar visibilidade a grupos sociais oprimidos.
“Eu tento trazer pautas que não são retratadas, relacionadas ao público menos favorecido na sociedade e à negritude, porque é um atravessamento meu, sei o quanto já sofri e sofro preconceito por ser negra.
Tatiana Lagôa, jornalista.
Raízes por trás do sucesso
Em mais de uma década de atuação na grande imprensa, atuou nos jornais Hoje em Dia e Diário do Comércio. Fez colaborações em diversas revistas e atualmente está no jornal O Tempo e na Rádio Super. É editora de Cidades do jornal O Tempo e responsável pela coluna Representatividade do jornal, onde trata de temas relacionados à negritude. Ela também faz parte da bancada do ‘Interessa’, programa da Rádio Super que apresenta a perspectiva da mulher sobre diferentes pautas.
No ano passado, mais uma vez, a jornalista integrou o ranking dos jornalistas mais premiados do Brasil, no Prêmio da Câmara de Dirigentes Lojistas de BH de Jornalismo (CDL/BH).
A profissional tem em seu currículo uma coleção de reportagens premiadas. Entre elas, destacam-se: 3° lugar no Prêmio Sebrae de jornalismo com a série de reportagens ‘Ninguém solta a mão de ninguém’ (2023); 1° lugar no prêmio Amagis de Jornalismo com a matéria: ‘Mulheres são os principais alvos de diversos crimes e violência em Minas Gerais’ (2022); 2° lugar no prêmio do Instituto Brasileiro de Defesa com a matéria ‘Empréstimos param na Justiça’ (2019); 1° lugar na categoria web do prêmio CDL, com ‘Nunca mais, até quando’ (2019), série de reportagens sobre a tragédia de Brumadinho. Mesmo com todas as conquistas profissionais, Tatiana faz questão de relembrar as suas raízes. Ela conta que decidiu seguir a profissão desde os dez anos de idade, mas a decisão foi motivo de questionamentos dos vizinhos da cidade natal: “Toda vez que eu ganho um prêmio, eu volto lá em São João Del Rey. Meu pensamento vai para a menina de 17 anos que ouvia: ‘você não vai conseguir ser jornalista’.”
Ignorando todas as opiniões contrárias, começou a estudar para concorrer a uma bolsa de estudos. Após esforço e dedicação, veio a aprovação no vestibular para cursar Jornalismo na PUC Minas. Segundo ela, a família teve um papel importante durante o processo. Emocionada, relembrou o apoio que recebeu do seu falecido irmão: “Ele era a pessoa que mais acreditava no meu potencial e me incentivava a estudar”.
A mãe, que também já morreu, foi fundamental durante sua trajetória, tendo sido imprescindível na ajuda para a manter em outra cidade, durante a graduação. De acordo com ela, a mãe precisou fazer muitas faxinas para auxiliá-la nas despesas. “Sempre que eu tenho conquistas, eu volto o pensamento para eles e vejo que estou conseguindo escrever uma história diferente para mim, com o esforço deles. Quando eu resgato isso na minha memória, eu penso que posso ser o que eu quiser. Por isso que todas as minhas conquistas são importantes, é porque eu sei o custo de todas elas.”
Vida Acadêmica
Tatiana se formou em Jornalismo pela PUC Minas em 2009 e conta que precisou se destacar com as notas para conseguir manter a bolsa de estudos. Por isso, desde o início da graduação, além de se esforçar na parte teórica, também procurou por oportunidades práticas.
A partir do segundo período, começou a ter experiências profissionais. Na universidade, ela foi monitora do jornal laboratório do curso, o Marco. Também estagiou na assessoria de imprensa da PUC Minas, na PUC-TV e no jornal O Tempo, onde permaneceu até se formar. Ela se considera uma jornalista que cavou o próprio espaço, subindo degrau por degrau no tempo.
Representatividade e racismo
Tatiana é chefe da editoria de Cidades no Tempo há cerca de dois anos e destaca que sua trajetória tem relação direta com suas origens.
Quem é preto sofre preconceito do momento que nasce até o momento que morre em um país racista. É como se te dessem um selo e te dissessem: você não pode ter oportunidades, segurança em todos os ambientes, e você vai ter que trabalhar dobrado para conseguir o mesmo que outras pessoas.
Tatiana Lagôa, jornalista.
Ela lembrou com orgulho quando o jornal abraçou sua causa devido a comentários racistas que ela vinha sofrendo em sua coluna no jornal. “Já com a minha coluna de representatividade, eu comecei a receber algumas mensagens muito racistas. E uma vez um leitor respondeu algo do tipo ‘Geração de negaiada mimizenta. Merece surra de chibata’. Nesse momento, fui na direção e falei: ‘Olha, gente, precisamos fazer alguma coisa enquanto empresa, porque eu estou sendo atacada, mas não sou eu Tatiana pessoa física, sou eu a editora daqui’. Na hora eles falaram: ‘Você está coberta de razão’. E aí a gente fez uma campanha ‘Opinião sim, ofensa não!’ que foi a primeira campanha institucional de um jornal no país para rechaçar o racismo contra profissionais da imprensa.”
Profissionais do jornal O Tempo, com blusa preta escrito: Opinião, sim, ofensa não! / redes sociais do jornal O Tempo
Tatiana Lagôa se especializou em diversidade social quando percebeu que o mercado estava tendo uma pequena abertura para a questão. Para tal, cursou uma pós-graduação na PUC Minas em Comunicação e Diversidades com o objetivo de continuar ajudando pessoas, algumas que, inclusive, se inspiraram nela e na sua jornada para serem quem quisessem ser. Seu desejo é justamente incentivar mudanças reais por meio da escrita.
A gente consegue fazer mudanças reais pela escrita. E até por isso eu gosto tanto do jornalismo, porque é uma forma de fazer a diferença. Mas eu descobri que eu posso fazer a diferença também em outras realidades, sabe? E isso está sendo muito legal. É o que tem me movido atualmente.
Tatiana Lagôa, jornalista
Representatividade em crescimento constante
A jornalista acredita fielmente que a representatividade somada à diversidade muda toda uma lógica da sociedade. Devido às várias experiências próprias, ela afirma que o racismo é uma ideia enraizada e que quanto mais outras pessoas buscarem uma maior compreensão para com o outro, há mais chances das próximas gerações não replicarem o preconceito.
Segundo Tatiana, pesquisas indicam que empresas diversas têm melhores desempenhos e certamente irão lucrar mais, por isso, essas pautas são tão relevantes e urgentes para a sociedade atual, e aquelas que hão de vir: “Várias pesquisas já indicam isso, que empresas diversas são empresas que têm melhores desempenhos. Empresas com maior diversidade nas lideranças são empresas que têm menor rotatividade, porque vai ter menos preconceito, a comunicação vai ser diferente”.
A chefe da editoria de Cidades entende que precisa trazer uma contribuição para a sociedade. “Hoje eu faço palestras, consultorias em empresas. Então, para além do jornal, eu tenho um outro trabalho: ajudo a letrar líderes para termos profissionais negros e diversos em todas as áreas e eu consigo fazer a diferença até para além das matérias”.
Emocionada, Tatiana também reforçou ser uma jornalista romântica. Ela acredita que o jornalismo pode fazer a diferença tanto na realidade de poucas quanto na de milhões de pessoas. Recentemente ela concretizou esse pensamento quando perdeu sua mãe e irmão, em um espaço de tempo de três anos, e percebeu que suas conquistas querem dizer que ela pode fazer diferente no mundo atual: “A gente pode viver 60 anos. Eu ainda terei esse mesmo sentimento de ‘será que valeu a pena tudo que a gente passou?’ Ainda mais forte agora, porque minha mãe faleceu de COVID. Morreu com 60 anos, super saudável, porque ainda não estava na leva de ser vacinada. Então eu lembro dela e penso ‘poxa eu consigo, sendo jornalista, questionar a falta de vacina para que outras pessoas não percam suas mães e não sintam a mesma dor que eu”’.
A editora segue lutando bravamente pela representatividade das minorias nas suas colunas, reportagens, redes sociais e também por meio da sua liderança e maternidade. Tatiana reconhece sua força e sabe que pode ajudar outros a fazerem o mesmo. Por esse motivo, ainda dá um conselho especial para aqueles que estão começando ou se formando agora na profissão.
A gente precisa ser humilde. Jornalismo é sobre dar voz a pessoas e grupos. Se você é humilde, você faz a pergunta idiota e ela que vai te dar a melhor matéria. (…) A gente precisa sair das nossas verdades, o jornalismo não pode ser radical, independentemente do que acredito como pessoa. Temos que ter mais dúvidas do que verdades e humildade para perguntar, se não, não conseguimos crescer nessa carreira
Tatiana Lagôa, jornalista.
Este perfil foi produzido por por Beatriz Torres, Hannah Andrade e Millena Alves sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista.
Leia também:
Ariene Susui: ativismo e protagonismo indígena no jornalismo