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Produtora de cinema lamenta a situação do audiovisual no Brasil

Ao centro da foto, uma mulher negra que está sorrindo. Ela tem cabelos brancos e veste uma camiseta regata de cor laranja com estampas de flores e plantas. Ela usa óculos e brincos. A mulher está sentada em uma cadeira de madeira com almofadas pretas. Atrás dela, ao fundo da foto, há cortinas no tom marrom e vários vasos de plantas no chão, além de um quadro de pintura na parede.

/Arquivo pessoal

Com quase 30 anos de cinema, Solange Moraes, formada em Cinema pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), aprendeu ao longo do tempo, a difícil tarefa de captação de recursos, convênios, submissão de projetos, captação de verbas para o audiovisual, além da importância de fazer contatos com o Parlamento, na cidade de Lençóis, no interior da Bahia. Essa experiência foi fundamental para o início dos trabalhos na Truq Produtora de Filmes e Vídeos, uma das maiores da região nordeste.

“Meu primeiro longa foi Estranhos, dirigido por Paulo Alcântara, e Carlos Guimarães assina o roteiro”, contou Solange em entrevista para a nossa equipe de reportagem. A cineasta está com três filmes em andamento, já nas fases finais: Pele Morta, Nina e Longe do Paraíso. Ela contou ao Colab sobre sua relação com o audiovisual, os desafios da captação de recursos e a crise na Ancine.

Confira:

As leis de incentivo à cultura e a consolidação da Ancine

A Agência Nacional de Cinema (Ancine), foi criada em 2001, no final do governo Fernando Henrique, para ser responsável pela implementação de políticas públicas voltadas ao setor audiovisual. Solange Moraes lembra como foi a história do audiovisual no país: “Durante os oito anos de Governo Lula e seis do Governo Dilma, tivemos anos em que houve uma política estratégica para o audiovisual no Brasil. Conquistamos a criação do Fundo Setorial do Audiovisual e, com essa nova política, a Ancine passou a ser motivo de pesquisa e estudos, inclusive entre os países da América Latina, para entender esse modelo que deu certo”.

Dentro da Ancine, surge a Lei do Audiovisual, que é específica  para o incentivo e fomento do cinema e do audiovisual no Brasil. Junto a essa nova Lei, Solange Moraes explica que, além da Lei Rouanet, agora reformulada, incluem-se cinco novos artigos responsáveis pela captação de recursos das Leis de Incentivo e do capital estrangeiro. Além de ter, também, um artigo que trabalha com as televisões e repetidoras de outros países. 

Com a criação desse Fundo Setorial do Audiovisual, iniciou-se a regionalização com cotas para cada região do Brasil a fim de viabilizar mais recursos de captação. Contudo, essa realidade não durou muito tempo: “Depois da queda do governo, do Golpe, teve a paralisação do Fundo Setorial da Ancine e a paralisação das captações de recursos. Enquanto criado e ativo, o Fundo Setorial foi de fundamental importância para o deslanche e para a organização do setor”. Ela destaca também a importância das cotas para o fortalecimento do setor na região nordeste.

Solange Moraes fala sobre a crise na Ancine que afeta o setor do audiovisual:

O cenário político e o futuro da cultura

Em 2019, quando assumiu a presidência, Jair Bolsonaro cortou 43% do Fundo Setorial do Audiovisual para 2020, o que representou o menor valor desde 2012. O projeto também reduziu a captação de recursos por meio de empresas e projetos, de 650 milhões para 300 milhões. Em setembro deste ano, Bolsonaro propôs excluir a Condecine, principal meio para o financiamento das atividades cinematográficas no país, do plano orçamentário em 2023.

A respeito do cenário político atual, Solange afirma que o momento é de “angústia e esperança”. A produtora lembra, mais uma vez, do crescimento cultural que o país já registrou anos atrás no governo Lula. Durante esse governo e com Gilberto Gil como Ministro da Cultura, ela lembra de um trabalho antropológico com a cara do Brasil. Foi uma década em que, segundo ela, “a gente renasceu com toda a nossa identidade cultural brasileira, onde o orgulho brasileiro também é massageado. As culturas, desde o Bumba Meu Boi até o cinema passam a ser valorizadas”.

Solange Moraes, atualmente, possui sua própria produtora de audiovisual, a Araçá Filmes. Durante a entrevista, deixou clara a sua paixão pela sétima arte e pelas histórias de cada povo. Lutou a favor das cotas de captação de recursos; lutou a favor da regionalização; lutou a favor da arte, da cultura, da identidade cultural de cada região do Brasil. Mas, cada luta é reflexo também de um cenário político que, ora facilita, apoia, ora trava, bloqueia e impede as ações públicas de incentivo.

“Marte Um” e o cinema brasileiro no Oscar

O Brasil tem buscado sua representação em festivais e premiações pelo mundo. O Festival de Cannes deste ano homenageou o Cinema Brasileiro com a reexibição de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) de Glauber Rocha, versão restaurada em 4K. Mesmo num cenário de cortes de verbas e falta de apoio à produção audiovisual e do cinema,  a cultura do país permanece viva. Solange Moraes contou ainda, da experiência de poder, como associada à Academia Brasileira de Cinema, ajudar a selecionar o trabalho do diretor Gabriel Martins com o filme Marte Um.

A obra pode representar o país na próxima edição do Oscar na Categoria dos Melhores Filmes Estrangeiros. O filme é de uma produtora mineira e foi produzido a partir de um edital afirmativo para cineastas negros, que foi lançado ainda em 2016. O audiovisual, segundo Solange, apreende no tempo-espaço todas as linguagens: da música, da literatura, da dança, teatro, rompendo fronteiras levando para o mundo a fora, “o Brasil adentro”, com a nossa cultura e nossa identidade. “Viva o Cinema Brasileiro! Viva todos os brasileiros que escreveram a história desse país! Viva!”, completou Solange, repetindo a fala de Corisco, personagem de Othon Bastos, no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Confira também o podcasr O raio acertou sobre o cinema brasileiro:

Reportagem produzida por Bruno Avila, Dione Rodrigues, Lucas Krautz, Matheus Câmara, Ralph Assé e Yagho do Nascimento para o trabalho interdisciplinar das disciplinas de Jornalismo Cultural e Produção em Jornalismo Digital, sob a supervisão das professoras Júnia Miranda e Verônica Soares da Costa.
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