Anseios: raça, gênero e políticas culturais nasce de um envolvimento com a crítica cultural: hooks estudou o trabalho de críticos culturais de dentro e fora da academia e ficou bastante preocupada com a escassez de materiais escritos por mulheres afro-americanas.
A obra discute pós-modernismo, etnografia, feminismo, racismo e representação: bell hooks enfatiza que críticos culturais, principalmente negros, ao buscar contextualizar intervenções críticas ligadas a estratégias de libertação, não podem ignorar a questão da representação pois “ela determina quem nos dirige a fala”.
Anseios agrupa um conjunto de reflexões acerca de raça, gênero e políticas culturais. O livro foi lançado no Brasil pela editora Elefante, em 2019, e tem a tradução de Jamile Pinheiro Dias.
Prefácio à edição brasileira de Anseios
A versão brasileira é prefaciada pela antropóloga e Doutora em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciane Ramos-Silva, que conceitualiza a obra para nossa realidade. Em entrevista, Luciane Ramos-Silva contou ao Colab que escrever o prefácio foi uma mistura de prazer, responsabilidade e entusiasmo: “Embora eu não tenha uma trajetória acadêmica ligada ao feminismo negro, faço muitas colaborações com artistas afro-americanos e pontes acadêmicas com espaços de pesquisas daquele contexto, ligados, sobretudo, à arte e à diaspora negra. Meu trabalho acadêmico, artístico e ativista está atravessado pela atuação de mulheres negras.”
Neste quinto livro de sua carreira, bell hooks nos apresenta a ideia de que não se deve separar a política do prazer da leitura. Luciane Ramos-Silva argumenta que, de fato, política e cultura são fenômenos inseparáveis: “No caso das experiências negras no continente africano ou em suas diásporas, esses fenômenos se entrelaçam. Ao pensarmos, por exemplo, em algumas expressões da cultura como a arte feita por pessoas negras, há a política entrelaçada.”
O livro traz provocações, como a questão do desenvolvimento de estudos culturais em ambientes acadêmicos, e pontua que a universidade é uma estrutura politicamente conservadora, que muitas vezes inibe o desenvolvimento de perspectivas diversas e novas ideias. Um dos principais objetivos da educação é ser ferramenta para a consciência crítica, bell hooks afirma: “é a tarefa mais importante que se põe diante de nós.”
“A escrita e a fala são dois espaços importantes para a transmissão das nossas ideias.”
– bell hooks.
Anseios reúne críticas de objetos midiáticos como Faça a Coisa Certa de Spike Lee, e Asas do Desejo, de Wim Wenders. bell hooks centraliza suas críticas no machismo, na interseccionalidade, no conservadorismo e na alteridade presentes nessas obras.
A partir da leitura, destaca-se que expandir os conceitos sobre a mídia com olhar analítico acerca das questões raciais é um exercício necessário e urgente. Apesar de a obra ser originalmente estadunidense, com a ajuda do prefácio escrito por Luciane Ramos-Silva é possível aproximar o conjunto de ensaios de um amplo questionamento da realidade brasileira. Um ótimo livro para introduzir a questão da mídia como onipresente e seus impactos nas questões raciais.
Notas partilhadas por Luciane Ramos-Silva
“Meu primeiro livro da bell hooks eu adquiri no começo dos anos 2000. Como disse no prefácio de Anseios, bell hooks chegou antes de referências fundamentais brasileiras como Lélia [Gonzalez] e Beatriz [Nascimento]. Bom… Claro que esta é minha experiência pessoal.
Escrever o prefácio me fez voltar a obras da autora e reconhecer que, apesar de terem sido escritas há décadas, continuavam muito atuais. Para além de uma figura canônica de uma geração de feministas daquelas terras, há muito do pensamento de bell hooks que podemos articular com a realidade brasileira, com o percurso dos feminismos negros nos diferentes contextos da diáspora.
Essa experiência do prefácio também me desafiou a investigar as reverberações e atualizações do pensamento da bell hooks a partir de outras gerações de feministas afro-americanas que, inclusive, são críticas a ela. Fiz o exercício também de não cometer um erro de simplesmente louvar sua obra, mas apontar suas potências e reconhecer que nossas intelectuais brasileiras estavam em consonância com muitas daquelas discussões, mas nunca tiveram a devida visibilidade.
Percebo que estamos em um momento muito rico de circulação de referências que nos impõem a necessidade de olharmos ao redor e percebermos que existe uma multiplicidade de teóricas e ativistas do que se convencionou a chamar de feminismos negros e que mostram proximidades e distanciamentos. Por exemplo, o atravessamento LGBTQI+ tem sido reivindicado há tempos pelas feministas negras lésbicas. Tem-se discutido também como as mulheres trans ficam à margem. Temos ainda feminismos que brotam na Abiayala e que, apesar de existirem há tempos, só agora têm sido discutidos no Brasil.”