Em 2020 foi registrada a segunda pior taxa de ganho real em reajustes salariais da última década, ficando a frente apenas de 2016. No primeiro ano da pandemia, apenas 38,5% das categorias profissionais conseguiram reajustes acima da inflação. Enquanto em 2016, o índice foi de 19%. Os números são de um levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Luís Ribeiro, técnico do Dieese
A pandemia do coronavírus, que trouxe uma crise financeira, além da sanitária, é o principal fator para os números desanimadores registrados por 2020. Apesar desse fator, a economia brasileira já vinha instável, pois não se recuperou totalmente da recessão dos anos 2014, 15 e 16. Logo, a pandemia atuou como um agravador para que os reajustes salariais analisados pelo Dieese resultassem no segundo pior dado da década.
Para efeito de comparação, entre 2005 e 2014 (antes da depressão econômica), o percentual de negociações com aumento real nunca foi inferior a 70%, um quadro bem diferente dos últimos anos. Se reduzirem para os anos de 2005, 2008 e 2009, nunca inferior a 86%.
Seguindo lógica, o ano passado ainda foi o que apresentou a segunda maior porcentagem de reajustes abaixo da inflação, 27,2%. Em 2016, foram 37%. A situação é ainda mais grave se analisarmos o contexto em que o Brasil se encontra. Na última semana, no dia 8 de março, a Petrobras anunciou o sexto reajuste anual do preço da gasolina e do diesel, ficando 8,8% e 5,5% mais caros, respectivamente.
O gás de cozinha também tem sofrido com constantes reajustes e pesado no bolso do consumidor. Segundo um levantamento da ANP (Agência Nacional do Petróleo), o preço médio final do botijão está em R$80,22 em Belo Horizonte (o máximo chega a R$98. Mas em João Pinheiro, no Noroeste de Minas, a 400 km da capital, o gás de cozinha custa na média de R$94,67, sendo o mais alto do estado.
Pedro Silva, jornalista e produtor de TV, categoria que não teve reajuste, explica que não passa por dificuldades, porém disse que está tendo que economizar.
Ainda bem que eu tenho meu emprego garantido, mas não tivemos reajuste no ano passado. Em contrapartida tudo tem ficado mais caro, então eu preciso analisar melhor os preços, pesquisar mais. No final das contas dá mais trabalho. E, claro, não dá mais pra ficar comprando aquela picanha todo fim de semana.
Pedro Silva
Se analisarmos o exemplo da carne citada pelo entrevistado, o preço médio da carne bovina de primeira registrou alta em todas as capitais, em 2020, de acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, feita pelo Dieese. Os motivos são diversos: intenso ritmo de exportação, principalmente para a China; baixa disponibilidade de boi gordo no pasto; elevação nos preços de importantes insumos pecuários importados; e aumento no valor dos insumos de alimentação, como o milho e o farelo de soja.
A pesquisa do departamento, no entanto, constatou que o valor da cesta básica aumentou em todas as capitais. Os maiores aumentos foram encontrados em Salvador, onde a cesta subiu 32,89%, e Aracaju, 28,75%. Em Curitiba foi observada a menor elevação, de 17,76%. Os alimentos básicos para o consumo de uma pessoa adulta mais caros são os de São Paulo. Lá a cesta custou R$631,46, em dezembro.
Com base neste número, o departamento estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$5.304,90, 5,08 vezes o mínimo atual, de R$1.045. O órgão explica que o cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, composta por dois adultos e duas crianças.
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Ainda analisando os dados do último mês do ano passado, o Dieese concluiu que o tempo médio necessário para adquirir os produtos da cesta básica para o conjunto das capitais, considerando que um trabalhador que recebe salário mínimo e trabalha 220 horas por mês, foi de 115 horas em 8 minutos. Vale ressaltar que existem outros gastos na vida de um cidadão.
Se o cenário não é um dos melhores, o futuro, por sua vez, não é muito animador. De acordo com o especialista, o primeiro semestre de 2021 já se mostra comprometido.
Se houver alguma recuperação, seria nos últimos seis meses do ano. Tudo depende, no entanto, das medidas que o governo vai adotar para estimular a economia, a possível volta do auxílio emergencial e o ritmo da vacinação contra a covid-19. Devemos ter em mente que este é um momento muito incerto, por isso é muito difícil de se prever algo.
Luís Ribeiro
O também jornalista Rayllan Oliveira precisou se atentar aos gastos para não ficar no vermelho: “neste último ano não notamos nenhum aumento ou reajuste, sequer a reposição da inflação, pois tudo que ouvimos como justificativa é que as coisas ficaram mais difíceis por causa da pandemia”, conta ele. “Dessa forma é necessário cortar mais gastos, evitar planos mais caros e conter investimentos, que muitas vezes são em educação e investimentos técnicos. É uma forma de economizar, já que o custo de vida aumenta mas o salário não acompanha” completa.
Reportagem desenvolvida por Gabriel Ribeiro, João Pedro Gruppi e Paula Nardy, do 8° período de Jornalismo do campus Coração Eucarístico, para a disciplina Produção em Jornalismo Digital.