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Entre polêmicas e paixões: a Pampulha e a Stock Car em 2024

Palco da Stock Car em Belo Horizonte

Organização do evento, que deve acontecer a partir de 2024, pretende integrar corrida à tradicional cultura automobilística do Mineirão

Para os belorizontinos, o ano de 2024 começou imerso em polêmicas relacionadas à realização da Stock Car na capital mineira, envolvendo o corte de árvores no entorno do estádio Mineirão e a proximidade do circuito com a escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O assunto rendeu ampla cobertura por parte da mídia local, e parte da população se voltou contra a corrida, levantando dúvidas sobre sua viabilidade e o melhor local para sua realização.

Apesar das críticas, a realização da 45ª edição da Stock Car está prevista para os arredores do Mineirão, na região da Pampulha. A reta principal do trajeto ocupará a avenida Coronel Oscar Paschoal, entre o Centro Esportivo Universitário (CEU) e o Hall de entrada do estádio Mineirão. Os carros partirão em direção à avenida Antônio Abrahão Caram e continuarão rumo à avenida Rei Pelé.

A definição da rota levou em consideração a relação que o local possui com o automobilismo, já que a Pampulha já abrigou provas históricas com pilotos famosos, como o Grand Prix de Automobilismo de 1937 e algumas corridas de treino da Fórmula 1 disputadas por Emerson Fittipaldi e seu irmão Wilson Fittipaldi. Também pesou na escolha da sede da edição de 2024 da Stock Car o fato de a Pampulha abrigar patrimônios históricos e culturais da capital mineira. Espera-se que a tradição esportiva do Mineirão e sua localização central proporcionem infraestrutura e fácil acesso para os espectadores.

Antes do anúncio do local-sede, porém, os organizadores do evento cogitaram outras duas opções em Belo Horizonte: a região do Aeroporto Carlos Prates e a Cidade Administrativa. No entanto, questões políticas e logísticas inviabilizaram essas opções. 

O Aeroporto Carlos Prates, com administração recentemente transferida para a Prefeitura de Belo Horizonte, já tem destino definido, o que não permite a interrupção de obras por cinco anos, período do contrato da corrida com a cidade. O local dará espaço a um parque público, e a obra será feita em três etapas: a primeira inclui a limpeza e revitalização do campo de futebol, quadra, vestiário e banheiro, além da instalação de jardins, pontos de água e bebedouros. Em seguida, serão construídas a área com pista de skate, quadras, teatro de arena, parquinho e parque de calistenia. Já a terceira etapa se concentrará na revitalização da pista de caminhada e áreas verdes. 

No caso da Cidade Administrativa, o traçado da corrida coincidiria com a MG-010, principal via de entrada e saída da região. Bloquear a estrada para o evento seria impraticável devido ao impacto negativo gerado na mobilidade urbana. 

Diante dos impedimentos, os arredores do Mineirão foram escolhidos como alternativa viável para a realização do evento, que, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, busca valorizar a tradição automobilística da cidade. Em 13 de dezembro de 2023, o prefeito Fuad Noman, ao assinar o Termo de Apoio à realização da Stock Car, declarou: “Isso é o casamento perfeito. A alegria da população, a paixão que todos nós temos pela corrida e, junto com isso, o grande retorno que vamos ter na economia de Belo Horizonte. Para nós é uma honra receber esse evento. Quero que a cidade se consolide como sede da Stock Car”.

Apaixonados por carros

A construção do hoje conhecido Estádio Mineirão, que integra o complexo arquitetônico da Pampulha, foi uma conquista histórica para a população mineira. O estádio foi proposto por estudantes de engenharia da UFMG e construído estrategicamente na região da Pampulha, com o objetivo de povoar uma área vista como distante do centro da cidade. Inaugurado em 5 de setembro de 1965, o Estádio Governador Magalhães Pinto tem sido palco de diversos eventos, que incluem atividades esportivas e culturais.

Imagem da Feira no Mineirão – Reprodução: Perfil do FaceBook da Feira no Mineirão

Era o caso da exposição de automóveis conhecida como Feira de Carros do Mineirão, que teve início em 1989. Realizada todos os domingos, o evento era organizado pela Administração de Estádios de Minas Gerais (Ademg) e atraía apaixonados por carros de todo o estado. Durante a feira, aconteciam exposições e negociação de veículos. Com o surgimento da Feira do Mineirão, os belorizontinos encontraram um novo espaço para a venda e troca de seus automóveis, criando uma verdadeira comunidade de entusiastas.

Além de ser um ponto de encontro para vendedores e compradores de carros, a feira se tornou um espaço de convivência social, onde os participantes podiam compartilhar suas paixões, trocar experiências e discutir as últimas novidades do mercado automotivo. O evento ajudou a fomentar a cultura automotiva em Belo Horizonte e contribuiu para o desenvolvimento econômico da região da Pampulha.

A satisfação com a Feira se refletia na população, que via no evento de automobilismo um bom local para se relacionar e empreender no comércio de carros. É o caso de Helbert Jorge, frequentador da feira, que afirma: “Tinha uma enorme variedade de veículos e a gente fazia assim, era um passeio das manhãs de domingo. Era um entretenimento para quem gostava de carro. Tinha uma variedade de veículos, motos e caminhões também. E esses carros ficavam expostos em volta do estacionamento do Mineirão. E ali naquele espaço, além de fazer as visitas, as vendas, você conseguia também trocar o carro. E ali rolava até a tabela FIP que tem hoje.”

Em 26 de dezembro de 2013, a Feira do Mineirão foi interrompida devido às obras necessárias para a preparação do estádio para a Copa do Mundo de 2014. Os amantes de carros de Belo Horizonte passaram, então, a realizar seus encontros em outros locais, até que, após quase uma década de hiato, o evento foi retomado em 2023. Realizada todos os domingos, a Feira continua a reunir grande número de apaixonados por carros, revivendo a tradição e fortalecendo os laços entre esse público e a região da Pampulha.

A volta da Feira do Mineirão trouxe novas oportunidades e desafios, adaptando-se às mudanças tecnológicas e ao novo cenário econômico. Hoje, além da exposição e venda de carros, o evento conta com a participação de clubes de automóveis, apresentações de carros antigos e customizados, além de atividades voltadas para toda a família, como food trucks e música ao vivo. A Feira do Mineirão continua a ser um marco importante para a cultura automotiva de Belo Horizonte, simbolizando a paixão dos mineiros por carros e a relevância histórica e social da Pampulha.

Áudio de Helbert Jorge, frequentador da Feira no Mineirão:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2024/07/Audio-Helbert-.oga

Grandes impactos

Assim como a retomada da Feira no Mineirão, a realização da Stock Car também representa desafios para o Estado e a população, apesar da promessa de vantagens tanto econômicas como culturais para a cidade. Segundo a Câmara Municipal de Belo Horizonte, o evento contará com um público de cerca de 80 mil pessoas, trazendo um fluxo superior à normalidade na região.

Em entrevista coletiva concedida ao canal no Youtube “98 Live”, Sergio Sette Câmara, CEO de uma das empresas responsáveis pela realização da Stock Car na capital de Minas, afirma que devem ser injetados ao menos R$ 200 milhões na economia da cidade durante os 5 anos de evento, que também deverá gerar empregos de forma direta e indireta. 

A respeito dos impactos que um evento de grande porte pode ocasionar, a arquiteta e urbanista Caren Julianne explica: “Eventos esportivos, por natureza, atraem grande público e investimento, impactando diretamente o planejamento urbano. É necessário redesenhar toda a estrutura urbana para acomodar esse tipo de evento, como estamos vendo atualmente com reformas para melhorar o asfalto e a infraestrutura circundante, para minimizar esses impactos”.

Além disso, os organizadores da corrida propuseram, para a Prefeitura da capital, a realização de contrapartidas com o objetivo de minimizar os impactos negativos da realização do evento na cidade. As principais contrapartidas envolvem a recuperação das árvores retiradas do entorno do Mineirão, totalizando 700 novos brotos plantados pela cidade, e o isolamento acústico, visando diminuir os incômodos gerados para a Escola de Veterinária da UFMG. A ideia é que essas ações tenham efeitos duradouros, viabilizando a realização futura de novos eventos do mesmo porte na Pampulha. 

Para Caren Julianne, a realização do evento é positiva para a cidade, mas os responsáveis devem levar em conta todos os possíveis impactos aos moradores e frequentadores da região: “É como quando um cliente me pede para realizar uma construção que pode afetar negativamente os vizinhos. Precisamos considerar todos os parâmetros para alcançar o melhor resultado possível. Não adianta trazer um ótimo resultado para o cliente se isso impactar negativamente não apenas um, mas vários vizinhos”.

Caren também afirma que “para fazer um planejamento eficaz, é crucial ouvir todas as partes envolvidas, tanto interessadas quanto impactadas”. Pensando nisso, a reportagem buscou conversar com pessoas que, por morarem na região da Pampulha, são diretamente afetadas pelos eventos que acontecem nos arredores do Mineirão.

É o caso de Vitor Xavier, que mora na região desde 2015 e frequenta alguns eventos que ocorrem no entorno do estádio. Para ele, os eventos não interferem negativamente na vida dos moradores. “Só percebo um pouco de trânsito na saída dos eventos, geralmente à noite, mas não interfere muito”, afirma. O morador considera a corrida como uma oportunidade para quem mora na região e gosta de automobilismo: “Normalmente esses eventos acontecem longe de Belo Horizonte, então é uma oportunidade legal de ver uma corrida de perto, bem próximo de casa”.

Áudio de Caren Julianne, arquiteta e urbanista:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2024/07/Audio-Caren.oga

A Stock Car

Conhecida por suas corridas emocionantes e alto nível de competitividade, a Stock Car é uma das principais categorias do automobilismo brasileiro. Fundada em 1979, costuma ser comparada à NASCAR dos Estados Unidos devido ao formato de seus carros e à natureza das competições. Os veículos utilizados são carros de turismo modificados, que combinam tecnologia avançada e design aerodinâmico para atingir altas velocidades e proporcionar disputas acirradas nas pistas. Ao longo dos anos, a categoria ganhou prestígio e atraiu pilotos renomados, como Ingo Hoffmann, Raul Boesel, Felipe Massa, Nelson Piquet Junior e Rubinho Barrichello – todos corredores também da Fórmula 1.

Os maiores vencedores da história da Stock Car

A cada temporada, a Stock Car contempla várias etapas. Na primeira (Q1), entram dois grupos de 16 carros separadamente em pista. Em cada um, são classificados os 10 mais rápidos para compor a segunda fase (Q2). Nela, são classificados os 8 melhores, que passam para a fase Q3 – que definirá o pole position para a corrida principal. 

A categoria já teve corridas realizadas em circuitos espalhados pelo país, em autódromos como os de Interlagos, em São Paulo, e Tarumã, no Rio Grande do Sul, com corridas realizadas em diversos tipos de trajetos, tanto de rua quanto em pistas permanentes. No caso dos circuitos de rua, são utilizadas ruas e avenidas de uma cidade. Essas pistas exigem o fechamento temporário das ruas ao tráfego regular e a instalação de barreiras de proteção, arquibancadas e áreas de escape improvisadas. Alguns exemplos no Brasil incluem o Circuito de Salvador, o Circuito de Ribeirão Preto e, em 2024, o de Belo Horizonte. 

Essas estruturas variam em layout, com curvas de alta e baixa velocidade, retas longas e curtas e diferentes elevações. A extensão dos circuitos da Stock Car geralmente varia entre 3 a 4 km nos autódromos permanentes, enquanto os circuitos de rua tendem a ser mais curtos e técnicos devido ao espaço limitado e às características urbanas.

  A segurança é garantida por meio de barreiras de proteção e de concreto, além de pneus empilhados para proteger pilotos e espectadores. Também há zonas de escape onde os carros podem parar em segurança se saírem da pista, além de comissários e equipamentos de resgate.

As corridas começam com uma sessão de qualificação em que os pilotos competem para garantir suas posições de largada e os carros são ajustados para maximizar desempenho e aderência, dependendo do circuito.

A infraestrutura de suporte inclui boxes, onde as equipes realizam reparos e ajustes nos carros. As equipes utilizam sistemas avançados de telemetria para monitorar o desempenho do carro em tempo real e ajustar estratégias durante a corrida. No caso da corrida em Belo Horizonte, não haverá boxes, e a área de pit stop será próxima ao local da largada. O esquema de paradas será semelhante ao realizado em corridas nos Estados Unidos. Haverá apenas um muro para demarcar o local determinado para os carros. Os mecânicos sairão da mureta para realizar troca de pneus e abastecimento.

Cacá Bueno – Foto: Duda Bairros/Stock Car

Além do espetáculo esportivo, a Stock Car contribui para o desenvolvimento tecnológico e a promoção do automobilismo no Brasil. O evento funciona como um laboratório de testes para novas tecnologias automotivas, permitindo que equipes desenvolvam e aprimorem componentes como motores, sistemas de suspensão, freios e aerodinâmica. As inovações testadas nas pistas muitas vezes encontram aplicação em veículos de produção, o que melhora a segurança e eficiência dos carros de rua. Além disso, a utilização de sistemas avançados para coleta remota de informações sobre veículos na Stock Car permite a análise de dados em tempo real.

No contexto do automobilismo, a Stock Car oferece um ambiente competitivo de alto nível em que pilotos brasileiros aprimoram suas habilidades e ganham visibilidade. Isso facilita a ascensão dos mesmos, em competições internacionais, o que eleva o perfil do automobilismo nacional.

Um destaque brasileiro é Cacá Bueno, filho do narrador esportivo Galvão Bueno. Em quase 30 anos de participação na Stock Car, Cacá soma cinco títulos da categoria e é o segundo piloto com mais conquistas, perdendo somente para Ingo Hoffmann, com 12 títulos. Ao todo, Cacá Bueno tem 231 corridas, 36 vitórias, 79 pódios e 37 poles. 

Áudio Vitor Xavier, morador da região da Pampulha:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2024/07/Audio-Vitor.oga

Veja o percurso da corrida:

Reportagem desenvolvida por Felipe Basílio, Henrique Faria, Luiz Fernando, Marcos Santos e Renan Fonseca para a disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2024/1 sob a supervisão da profª Nara Lya Cabral Scabin.
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