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Paulo Motoryn: a metamorfose de um jornalista independente 

Pai de uma criança de 3 anos e palmeirense: é assim que Paulo Motoryn, 33, se apresenta. A profissão, que ocupa a maior parte do tempo, não é tudo para o jornalista e editor do The Intercept Brasil. Motoryn divide a paixão com a filha e o time. Nascido em São Paulo, o repórter especializado em jornalismo político independente teve passagens por diversos veículos de mídia alternativa, como Poder360 e Brasil de Fato, mas também atuou em grupos tradicionais, como Lance!, e até no Governo federal, revelando as diferentes experiências que culminaram na sua metamorfose. 

A entrevista que “abriu os olhos”

Formado pela PUC-SP, Motoryn escolheu o jornalismo esportivo quando percebeu que a carreira como atleta profissional de futebol não seria possível. No meio do caminho, um evento mudou a trajetória da beira do gramado para os bastidores da política nacional. No terceiro dia como estagiário contratado pelo jornal Lance!, dedicado à editoria de esportes, Motoryn recebeu a “missão” de se dirigir ao Hospital Albert Einstein em São Paulo para cobrir a primeira internação grave de Sócrates, o ex-jogador e ídolo do Corinthians. 

A partir da cobertura da internação, Motoryn conseguiu uma entrevista na casa do ex-jogador. A conversa feita entre a primeira e a segunda internação alteraria a trajetória do jornalista palmeirense. 

“Me sinto muito orgulhoso de dizer que o Sócrates ajudou a transformar a minha vida.”

Paulo Motoryn, jornalista

Na época, Motoryn já tinha feito colaborações voluntárias para sites de esporte, como Premier League Brasil, que cobria o campeonato inglês, e para sites da torcida do Palmeiras. Mas a primeira experiência entrevistando em 2011 “o homem que foi tudo que eu gostaria de ser, craque, inteligente e revolucionário” trouxe debates sobre política e não só futebol, a três anos da Copa do Mundo de 2014. “Então a gente debateu muito a preparação para a Copa. A questão geopolítica envolvendo o governo Dilma”, lembra Motoryn. 

A entrevista com Sócrates, publicada no final de 2011, “abriu os olhos” de Motoryn para uma série de assuntos com os quais o futebol podia se relacionar, além de ampliar os campos de interesse do jornalista. “Ao mesmo tempo que foi a minha primeira experiência no jornalismo esportivo, foi o que me tirou do jornalismo esportivo.” Ali começava outra metamorfose.

Paulo entrevista com o ex-jogador de futebol Sócrates
Entrevista com Sócrates, publicada no jornal Lance! / Foto: Artigo Pessoal

Jornadas de junho

Em meados de 2012, o então universitário saiu do Lance! e se envolveu em um projeto de jornalismo independente na faculdade. Nessa época, passou a ter contato com uma linha editorial diferente da que estava acostumado, desconectado do jornalismo esportivo, passando a formar seu pensamento político. O projeto denominado Vaidapé, que era organizado e coordenado pelos próprios alunos, reuniu jornalistas iniciantes de várias faculdades de São Paulo e ganhou visibilidade durante as Jornadas de Junho de 2013.

Motoryn passava por um processo de “politização muito acelerado” ao mesmo tempo em que o projeto independente ganhava espaço e se colocava em meio à revolução que se iniciava no jornalismo. Durante as Jornadas de Junho, um novo tipo de produção emergia. Influenciado por essas mudanças e pela vivência universitária, que envolveu ocupação da reitoria, manifestações contra a qualidade do bandejão das universidades e, mais tarde, discussão de políticas públicas que tentavam democratizar a comunicação na cidade de São Paulo.

Motoryn vivia naquele momento um pouco de cada universo: o jornalismo convencional da redação comercial e a produção independente que engatinhava a partir dos protestos daquele ano. Mas foi assumindo o papel de liderança fora das redações e se relacionando com outros veículos independentes, como Mídia Ninja e a Periferia em Movimento, que o jornalista teve a oportunidade de trabalhar com a comunicação institucional.

Adaptação a novos modelos 

Com a movimentação na Câmara Municipal de São Paulo para abrir um edital de fomento a jovens comunicadores, Motoryn começou a participar das audiências públicas. Segundo ele, a pauta da democratização da comunicação é algo que deveria ser enfrentado não só pelos movimentos sociais e pelo Estado, mas também pela própria imprensa. 

Durante o tempo de liderança na Vaidapé, aproximou-se de funcionários públicos. Um deles, mais tarde, seria responsável por convidá-lo para uma vaga no Governo Dilma, já em 2015.

“A Vaidapé tinha esse duplo papel, né? De fazer jornalismo e também de propor novos modelos”, conta Motoryn.

Motoryn atuou como coordenador de Políticas Públicas para Juventude da Prefeitura de São Paulo, e acabou assumindo um cargo no Portal da Juventude, instrumento da Secretaria Nacional de Juventude, alocado na Secretaria-Geral da Presidência da República. Aceitar o convite para atuar no Portal da Juventude o levou a se mudar para Brasília e atuar em duas frentes: na comunicação institucional do órgão e interagindo com os coletivos com os quais teve contato durante a participação na Vaidapé

Paulo Motoryn durante manifestação na Avenida Paulista, em São à serviço da revista Vaidapé / Foto: Murilo Salazar

“Foi muito enriquecedor na minha formação política, na minha formação como jornalista também”, diz referindo-se ao Portal da Juventude. A mudança para Brasília permitiu ao jornalista o primeiro contato com a máquina pública, de forma diferente do que teria anos depois no Poder360, quando passou a ter a responsabilidade de ler e encontrar pautas a partir do Diário Oficial.

Reviravolta e rejeição do mercado

Em abril de 2016, desligou-se do Portal da Juventude em Brasília e retornou para São Paulo para trabalhar novamente com o jornalismo tradicional. Já sentia saudade da área, mas os veículos não pareciam desejar o retorno do mesmo modo. 

O tempo que ficou fora das redações tradicionais, o envolvimento com o governo Dilma e com os coletivos são relatados por Motoryn como possíveis causas da rejeição do mercado ao seu currículo. Durante quatro anos, entre freelas e vendas de sapatos para sobreviver, o jornalista rejeitado encontra a história que mudaria tudo a caminho de um samba. 

Nenê da Brasilândia

Entre abril de 2016 e agosto de 2020, Motoryn, já de volta à capital paulista, distanciou-se das redações, mas não do jornalismo. Ainda que tivesse uma passagem rápida como editor da Revista Brasileiros, que fecharia as portas pouco depois, foi durante uma corrida de aplicativo que tudo novamente mudaria.

No percurso rumo ao Samba da 13 de Maio, numa sexta-feira à noite, o motorista fez Motoryn encontrar os caminhos do jornalismo investigativo. Em meio à conversa, o motorista comentou sobre uma mulher que ele dizia ter sido o “Pablo Escobar da quebrada”. Motoryn não perdeu tempo, chegou no samba e pesquisou no Google: “Nenê da Brasilândia”. 

“Acho que a Nenê da Brasilândia talvez seja o grande desafio jornalístico da minha vida”

– Paulo Motoryn, jornalista

A história que conta a vida criminal, pessoal e a morte de Floripes Souza de Oliveira Alves, mais conhecida como Nenê da Brasilândia, renderia um podcast de oito episódios publicado só sete anos depois daquela corrida, pela Rádio Novelo

Em 2020, Motoryn voltou a trabalhar para o Poder360. Durante esse tempo, retomou contato com a engrenagem política e fez suas primeiras reportagens investigativas. À época também começou a entender como funcionava a “máquina pública” de um ponto de vista diferente do que teve no seu tempo de coordenador do Portal da Juventude

Também passou pelo Brasil de Fato, com participações pontuais e como redator contratado. Somente em maio de 2021, depois de tentativas falhas de vender a história de Nenê, ele e Davi Molinari, um jornalista policial que já tinha pesquisado sobre a personagem nos anos 1990, conseguiram assinar o contrato com a Rádio Novelo

Das dificuldades de reinserção ao The New York Times

Em 2023, já contratado pelo The Intercept Brasil, depois da publicação do podcast, Motoryn candidatou-se a uma vaga de freelancer como correspondente do The New York Times em Brasília e só conseguiu ser entrevistado depois que Jack Nicas, o correspondente americano que coordenava a sede no Rio de Janeiro, descobriu que o podcast que ele usava para aprender português era justamente Nenê da Brasilândia

Aquela investigação exaustiva e sem salário de início poderia ter sido só um desafio, mas também foi o que deu a oportunidade de o jornalista adicionar mais uma experiência à carreira e perceber que não havia história que o jornalismo não conseguisse produzir. Motoryn destaca a importância da narrativa sobre Nenê da Brasilândia e ainda revela que planeja uma produção audiovisual-ficcional sobre a personagem. 

Jornalismo sob censura e violência

Motoryn ficou quase dois anos se dividindo entre os dois veículos, até que, no final de 2024, recebeu a proposta de deixar o NYT e se tornar repórter integral do The Intercept Brasil, onde está até hoje. Entre conteúdos mais conhecidos estão as fotos da estadia do ex-presidente Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria, feitas em colaboração com o NYT, e reportagens investigativas – com parte da apuração na Argentina – sobre os criminosos fugitivos dos atentados do 8 de janeiro, publicadas pelo Intercept em 13 de março de 2025. 

Durante a investigação e publicação das reportagens sobre os fugitivos, Motoryn foi alvo de ataques e ameaças da extrema direita nas redes sociais. Houve ainda publicação de matérias que criticavam sua atuação, como a da Revista Oeste, que chegou a acusar o jornalista de causar a perda de emprego de fugitivos em território estrangeiro. 

“Essas reportagens atribuem a mim a perda de emprego do Josiel Gomes de Macedo, o bolsonarista que localizei na Argentina. Isso é falso. Eu apenas cumpri meu dever de informar seu paradeiro. A demissão, se ocorreu, é decisão exclusiva de seus empregadores e não teria ocorrido se ele não fosse um criminoso condenado e foragido”, explica Motoryn.

Motoryn foi alvo de mais ataques e chegou a se afastar da prática jornalística por três meses. Ao retornar, anunciou o projeto Cartas Marcadas, em que ele investiga ameaças à democracia, a ascensão da extrema direita e os bastidores da política nacional. 

Motoryn afirma que teve medo pela própria vida e principalmente da família e justifica: “a verdade é que cobrir a ascensão da extrema direita no Brasil te coloca em risco.” Cartas Marcadas é um projeto publicado semanalmente na forma de newsletters, que, de acordo com o jornalista, são o futuro do jornalismo, resgatando a credibilidade por meio da transparência dos métodos investigativos e se aproximando da audiência com uma linguagem mais informal e lúdica.  

Coincidência ou não, no dia em que fizemos a entrevista com Motoryn, ele estava sendo alvo de mais ataques após a publicação da edição 15, Exposed, da newsletter publicada em 30 de setembro de 2025, em que denunciava uma parte do empresariado brasileiro ligado ao Manifesto Galt Brasil. A edição criticava o movimento que pregava a demissão de “extremistas”, mas que se confundia com perseguição política.  

Outro caso é o da edição 11, Tempos sombrios, em que foi abordada a censura relacionada à remoção de uma reportagem do projeto publicada no site do Intercept em agosto de 2025, a reportagem censurada envolvia “pessoas que ocupam cargos como servidores públicos na elite do funcionalismo público federal”. Motoryn afirma que os episódios são preocupantes e os processos correm em varas estaduais, onde existe muita influência de setores de poder. Além disso, diz temer um efeito dominó que cause autocensura em outros veículos que não tiverem um apoio como o recebido por ele. 

A metamorfose continua 

Já ao final da entrevista, questionamos a Motoryn como o jornalismo independente faz para se manter próximo dos ideais que guiam a profissão sem romper o limiar e embarcar no ativismo político e perguntamos: “ou você acha que não existe separação?” Após uma longa justificativa, ele declarou que “não existe neutralidade possível”. Motoryn defende que o jornalismo independente tem um importante papel no combate a dois grandes “incêndios”, que, na visão dele, queimam o planeta: a crise climática e a ascensão da extrema direita. Ao criticar o jornalismo que se intitula como “neutro”, ele afirma não existir jornalismo “melhor que outro”.

“Eu acho que o jornalismo que se esconde atrás do verniz de neutralidade, num momento de emergência, ele só serve a quem está colocando fogo.”

Segundo o repórter investigativo, o que o jornalista precisa é de transparência e honestidade, de “deixar claro para os seus leitores, para sua audiência, quais são os seus valores, com o que você se preocupa”.

Motoryn, que nasceu em São Paulo e passou quase metade da vida entre a capital paulista e a capital federal, reconhece que é um repórter “posicionado”, mas diz que nunca escondeu seus valores. O jornalista considera a sinceridade e proximidade com o público frutífera, e conta que já rendeu colaborações. 

Quando a primeira edição do Cartas Marcadas foi publicada, ele recebeu uma denúncia de um dos seus leitores que gerou a edição 14, Retiro religioso, que aborda um fenômeno religioso-militarizado que promete transformar jovens em “soldados de Cristo”.

A vivência de Motoryn se mistura com o desenvolvimento do jornalismo independente e as recentes turbulências políticas no país, o que deixa a impressão de que essa metamorfose está longe de terminar.  

Conteúdo produzido por Davi Tufic, Gabriel Ramos, Marcus Vinicius, Pedro Queiroga, Rafael Martins, Victor Viana e Vitor Moraes na disciplina de Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard.

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