Em seu novo álbum, Coisas Naturais, Marina Sena retoma as suas origens culturais, misturando-as a elementos novos em sua arte. O arrocha, o samba, o piseiro e MPB se juntam ao reggaeton, bossa nova, afrobeat e funk.
Este é o terceiro álbum de sua carreira (sucedendo De Primeira e Vício Inerente) e o primeiro sem a participação de Iuri Rio Branco como produtor. A ausência levou alguns fãs de Marina a duvidarem da qualidade do disco, já que os anteriores contaram também com a participação de Iuri nas composições. Agora, Marina Sena tornou maior seu protagonismo, assumindo papel de produtora junto a Janluska e João Gabriel. Coisas naturais se alia à sonoplastia de suas primeiras obras, com a Outra Banda da Lua, com o grupo Rosa Neon e, da carreira solo, o álbum De Primeira.
Apesar de diversas sonoramente, as 13 faixas do álbum seguem monotemáticas, tratando apenas da sua vida romântica e sexual. As composições são majoritariamente coletivas, com apenas quatro músicas escritas somente por Marina – Numa ilha, Anjo, Mágico e Ouro de Tolo.
Os artistas Gaia (da Itália) e Nenny (de Portugal) foram convidados para colaboração na música Tokitô; a banda Çantamarta (da Espanha), em Doçura. Junto às influências européias, o reggaeton tem destaque nas participações estrangeiras.
Liricidade
Os co-compositores entendem a persona construída e objetivada pela artista. Mesmo sendo diversos, suas presenças não desorientam a narrativa do projeto. O triunfo de Marina definitivamente é a sua autenticidade, aliada à sensualidade tratada com tanta segurança. Suas letras seguem colocando-a como dominante; ela se porta como agente de deleite e transcendência – virtude que exalta incessantemente.
A única faixa que não se apoia completamente nisso é Anjo, em que Marina demonstra alguma vulnerabilidade quanto à sua disposição para amar, mas medo de se perder para a outra pessoa. Na maioria das demais músicas, ela busca exercer um papel ativo que muitas vezes é de domínio masculino. Em Sem Lei, Marina se responsabiliza e relata: “mandei flores no jantar / mensagem no seu celular / fiz um tema pra você dançar”. Mais ainda, em Carnaval, ela se apropria integralmente das falas excessivamente repetidas por homens quando compõe funk: “quer tapa? / toma tapa”. Só que ela acrescenta outros aspectos mais criativos à sua composição sobre a energia do Carnaval.
Em acordo com o título, os cenários são compostos pela natureza. Os sentimentos e feitos sexuais são cantados metaforicamente, com elementos da cultura e geografia brasileira sendo usados para designá-las em sua perspectiva.
Esses aspectos temáticos distinguem a cantora no cenário pop brasileiro, mas ela apresenta certos vícios: mar (junto a água e rio), fogo e guia. A fala “entrar no mar” se repete nas três primeiras músicas do álbum (Coisas naturais, Numa ilha e Desmitificar).
Nas plataformas de redes sociais, ouvintes comentaram sobre a composição da música Tokitô, que realmente apresenta um aspecto meio bobo: os versos que dão nome à música (eu vou que tô que / vou que tô que / vou que tô que). Surpreendentemente, eles têm um mérito criativo, servindo de percussão pra música, em consonância com a batida rítmica que acompanha o coro de vozes nos versos anteriores.
Uma música em que o aspecto sonoro das palavras prevalece na construção da mensagem é Doçura. Não se engane, a letra tem sentido e segue um raciocínio, mas parece mais importante a cadência sonora das repetições dos termos escura, cura, chuva, dura, amargura.
A voz
As principais referências artísticas de Marina Sena voltam como um farol sólido em sua carreira. Em muitas faixas, seu canto assimila o de Gal Costa (cantora que ela orgulhosamente compartilha o aniversário e a voz soprano – o tipo mais agudo), só que com nasalização e metalização mais constantes na voz de Marina – escolhas estilísticas feitas mais moderadamente do que no seu primeiro álbum (De Primeira). Essa execução é principalmente realizada em Anjo, Sem Lei, Sensei e Mágico.
A voz de Marina é uma das mais singulares do Brasil e é aproveitada em linhas melódicas diversas, sendo melhores as músicas que se sustentam mais no canto e menos na voz falada. Neste álbum, seu uso da voz falada também é bom (diferentemente de outros projetos, que estraga), mesmo não sendo um espetáculo.
Em Sensei, faixa com influências de bossa nova, sua voz falada serve como uma introdução interessante para a potência melódica vinda a seguir. Em Carnaval, uma música totalmente funk, essa característica de fala é coerente. Desmitificar e Tokitô também combinam com esse uso da voz, mas, nelas, o mérito dessa afinidade é da produção composta por muitos elementos sonoros e do uso do autotune – principalmente em Tokitô, que aproxima a voz da cantora mais a um instrumento não vocal do que favorece como uma performance de canto.
A faixa final, Ouro de Tolo, é finalizada pela declamação de um poema, que dá mais certo do que o canto-fala das demais. Poema que, inclusive, é um final perfeito para o álbum: tem uma mensagem forte, bem disposta e bem estilizada. Uma humilhação deliciosa.
Curiosidade
A capa é uma colagem feita artesanalmente com as fotos do ensaio. O vídeo da produção está no instagram da Marina!
Os responsáveis são:
@marcelojatosz – direção geral do MS3 e diretor criativo;
@vitonoinsta – direção geral do MS3 e diretor criativo;
@jojoziller – produção executiva;
@gabriela_schmdt – fotografia;
@leandroportos – styling;
@karlasalvoni -no set e design;
@egoflui – beleza;
@brunopacine – direção e fotografia:
@rollinos – operador de câmera e processamentos analógicos;
@fernanda fiuza- direção de movimento;
@giovannacielli – designer gráfico;
@lucascobucci – designer gráfico.
Nota final: 7.5/10
Leia também: Vinil ganha novo fôlego na era digital