Ícone do site Colab

Moda: tendências em excesso podem levar à perda de autenticidade

A busca pela expressão dos anos 70/80. Foto: Ana Clara Maforte

Ao pensar em moda, a primeira palavra que vem à mente da maioria das pessoas é roupa. Muito além de peças de tecido, ela é um fenômeno cultural e artístico que reflete dinâmicas sociais, históricas e econômicas de cada época. As roupas passaram de peças funcionais que serviam para proteger os indivíduos do frio, no começo da humanidade, para formas de expressão pessoal e de identidade. A moda se tornou uma linguagem visual capaz de comunicar ideias, valores e sentimentos.

Fonte: Audaces

Ao longo da trajetória humana, a forma de se vestir passou por diversos momentos, mas foi durante as décadas de 1980 e 1990 que marcas como Gucci, Prada e Louis Vuitton começaram a se destacar como símbolos de status. Os consumidores buscavam, nessa época, produtos que representassem prestígio e identidade social. A moda tornou-se, então, uma forma de exclusividade, em que as peças de grifes atuavam como “armaduras sociais”, associando consumo de luxo à aceitação e ao sucesso.  Para se manterem relevantes, as marcas adaptaram suas estratégias, lançando linhas acessíveis e colaborações limitadas, equilibrando inovação e tradição, ampliando seu público sem perder a sofisticação.

Ao longo dos últimos anos, as tendências acabaram se perdendo e gerando como consequência a perda da identidade – a essência individual sucumbe a padrões mercadológicos. Esse movimento vem acontecendo especialmente em uma realidade em que a comunicação e a viralização de tendências se propagam em um ritmo acelerado. Entre os anos de 2000 e 2010, as plataformas digitais começaram a transformar significativamente a comunicação e o consumo de conteúdo.

Atualmente, figuras públicas, como celebridades e influenciadores digitais, inspiram diretamente as pessoas no modo como elas querem se vestir. Além de compartilhar valores e ideais através dos looks, eles são responsáveis por criar e viralizar tendências e valores que se espalham rapidamente e viram febre entre o público. Assim, a individualidade se perde em um mundo de imitações, em que a originalidade é ofuscada pela necessidade de pertencimento. 

“Na moda, se você for seguir as tendências, vai sempre se vestir igual a todo mundo, porque é o que vende, é comercial”, comenta a estudante de moda Helena Brande. Ela alerta sobre a forma como a indústria da moda é guiada pelo aspecto comercial, se tornando uma busca pelo consumo do que está nos holofotes, o que acaba uniformizando as pessoas e apagando a expressão pessoal de cada um. 

Em paralelo ao movimento de massas na realidade digital, as fast fashions aproveitaram o interesse do povo pelas roupas em alta para comercializar peças mais baratas e que se assemelham ao que é visto vestindo as celebridades, suprindo o desejo das massas de alcançar um status dinâmico inalcançável. Em consequência disso, a descartabilidade do vestuário torna a moda popular passageira e cada vez mais padronizada, uma vez que, em grande parte, são seguidos padrões e estilos “predefinidos” que não permitem um espaço verdadeiro para a criação e a brincadeira com a própria identidade. O sociólogo Euclides Guimarães Neto, professor da PUC Minas, acredita que o julgamento parte de padrões estabelecidos e que dificultam a originalidade: “As pessoas têm medo de serem diferentes, ao mesmo tempo que querem ser diferentes”.

Em contrapartida, apesar da intensa repressão social em torno daqueles que buscam externalizar sua essência interior, foram surgindo movimentos fashion, ainda que pequenos,  que destoam do padrão tido como aceitável. Exemplos disso são o street style”, “Y2K” e muitos outros que permitem que cada cultura e indivíduo se expresse com estilo, autenticidade e individualidade, contando suas próprias histórias através dos seus looks

Pra mim, você se expressar dentro da moda e dentro das tendências é utilizar o que faz parte do seu estilo, e não se lotar de tendências. É pegar referências e fazer aquilo se tornar tão meu tanto o que já era meu, do meu estilo.” (Helena Brande, estudante de moda)

O sociólogo Euclides Guimarães pondera, no entanto, que a contemporaneidade também oferece muitas oportunidades para que as pessoas expressem suas identidades: “Todas as culturas têm essa padronização de roupa no que diz respeito à moda. A sociedade contemporânea rompeu com essa questão; em nenhuma outra época as pessoas estão em condições de escolher o que vão vestir”. 

Maria Paula Maforte – Personalidades e sentimentos

Moda como identidade ativista

As grandes marcas dominam o mercado e estabelecem padrões que são seguidos em todo o mundo, fazendo com que culturas locais sejam apagadas em prol de tendências universais. Por outro lado, essa padronização incomoda alguns consumidores e criadores que optam por marcas que valorizam peças feitas a mão e que resgatam o individual, provendo roupas que contam histórias, falam sobre política e refletem a identidade cultural. 

Um exemplo de ação que busca por autenticidade e valoriza o trabalho a mão é a “Marias Lavrandeiras”. A marca foi fundada em 2011 pelas irmãs gêmeas Paula e Pâmela Grassi, e tem uma representação identitária e bastante original. O nome “Marias” é uma homenagem à mãe e está no plural para representar as mulheres, e “lavrandeiras” significa “mulher que faz bordado, costureira”. As irmãs buscam transmitir a essência latino-americana por meio de referências culturais e simbologias. As peças são feitas em stencil de forma artesanal e sustentável e suas frases e estampas representam construções éticas e sociais, espalhando identidade e transformação.

“Não usamos algo politicamente muito específico, mas a nossa ideia é que essas frases e simbologias causem impacto nas pessoas e que possam refletir um mundo mais justo, mais humano e menos violento, como está hoje”,  destaca Paula, uma das idealizadoras da marca. 

A perda da própria identidade vem se tornando evidente na sociedade atual e a moda acabou se tornando reflexo dessa ausência de consciência individual. “A moda transmite um pouco da nossa personalidade, como a gente tá se sentindo naquele dia.  As tendências são fáceis de ser disseminadas, mas a moda continua não democrática.”, comenta a estudante de publicidade Beatriz Coimbra.

Mas, ainda sim, entre passarelas, vitrines e redes sociais, no mundo online e offline, o estilo pessoal se dissolve cada vez mais na busca incessante por validação externa. Na busca pela falsa autenticidade, estamos perdendo a oportunidade de expressar quem realmente somos. 

A moda que valoriza a identidade vai além do simples usar, ela conta histórias, enaltece a diversidade e reflete as vivências de cada pessoa, tornando o ato de se vestir algo mais profundo e autêntico. Reconhecer a si mesmo e transmitir essa percepção no próprio estilo faz total diferença no resultado final. Afinal, ao fim do dia, o que faz a moda ser realmente interessante é justamente a diversidade e autenticidade de cada um e a possibilidade de ser livre para esbanjar cores, palavras, texturas e combinações. 

Maria Lavrandeiras: roupas que contam histórias

Não é apenas uma camisa, são construções estéticas e sociais, espalhando identidade.

 ‘La tierra es de quien trabaja’. – Zapata . ‘A terra pertence a quem trabalha’.

Foto: Paula Grassi

Paula e sua irmã Pâmela, são apaixonadas em brincar do que é Espanhol e o que é ser Latino Americano.
‘Gracias a la vida que me ha’ – Graças à vida que me deu.


Foto: Pamela Cervelin Grassi

Estamparia sustentável – provocação da necessidade de se pensar num mundo mais humano e justo.

‘Defender la alegría como un derecho’
Defender a alegria como um direito.

Foto: Paula Grassi

Construções estéticas e sociais transformando o mundo afora.

‘La vida no es la fiesta que habíamos imaginado. Pero ya que estamos aqui, bailemos.’
A vida não é a festa que havíamos imaginado. Mas já que estamos aqui vamos dançar.”

Foto: Paula Grassi

Reportagem produzida por Ana Clara Maforte, Ana Luísa Campos e Bruna Coutinho na disciplina Apuração, Redação e Entrevista no curso de Jornalismo do campus Lourdes da PUC Minas, sob a supervisão do professor Vinícius Borges.

Veja também: A trajetória da moda e das classes sociais ao longo da história

Sair da versão mobile