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Manifestações populares desafiam poder autoritário na Bielorrússia

Manifestantes anti-Lukachenko no Obelisco de Minsk

A imagem parece um festival de música, mas são manifestantes anti-Lukachenko no Obelisco de Minsk, que celebra a vitória da Bielorrússia sobre os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Créditos: Piotr Markielau

Aleksandr Lukashenko em fotografia oficial do governo bielorrusso. Créditos: Reprodução Wikipedia.

Desde o dia 9 de agosto de 2020, milhares de bielorrussos ocupam a capital Minsk e saem às ruas em manifestações populares para protestar contra o governo de Alexandre Lukashenko, Presidente que foi eleito pela primeira vez em 1994 e, desde então, ocupa o cargo de líder do país.

Após mais uma vitória do candidato, com 80% de votos, ser considerada por muitos como fraude eleitoral, os cidadãos foram às ruas manifestar, sendo recebidos com forte repressão pelo Estado, o que aumentou ainda mais a força da oposição.

O pequeno país europeu tem quase 10 milhões de habitantes, menos cidadãos do que a capital do Estado de São Paulo, e passa por um processo histórico em sua política, tendo o poder autoritário do governo ameaçado por um movimento popular.

Protestos não são novidade

Pavel Katharzeuksi. Créditos: Acervo pessoal.

Protestos sempre foram uma realidade no país, mas nunca tão grandes a ponto de ganhar relevância – inclusive midiática – em todo o mundo.

Pavel Katarzheuski, mestre em ciência política de 24 anos e membro do partido marxista anti-Lukachenko “Mundo Justo” apontou, em entrevista feita após contato em seu perfil no Instagram, diversos  motivos para o aumento das manifestações, dentre eles, o próprio desenvolvimento da sociedade civil.

“Temos na Bielorrússia uma autocracia que está em crise, e toda ditadura tem seu limite. Chegamos em um momento em que a sociedade civil se desenvolveu o suficiente para conseguir derrubá-la e o que estamos vendo é um efeito desse desenvolvimento em um modelo de governo ultrapassado”, comenta o ativista. 

Outro motivo para o aumento das mobilizações, segundo Katarzheuski, é a situação trabalhista no país. Com sindicatos proibidos e grande parte da economia estatal, era raro ver trabalhadores contra o Estado. Porém, nos últimos anos, reformas trabalhistas diminuíram ainda mais os direitos dos funcionários públicos, que criaram sindicatos independentes e começaram agir contra o governo, aponta o jovem cientista político.

Manifestantes na Bielorrússia, carregam as cores vermelho e branco para representar a bandeira da Bielorrússia independente. Créditos: Piotr Markielau

“A ideologia principal é a luta pela democracia”

Piotr Markielau. Créditos: Acervo pessoal.

As principais reivindicações do movimento, que está nas ruas desde agosto, são novas eleições, uma nova constituição democrática, liberação dos presos políticos e punição aos responsáveis por torturar presos políticos e atacar a população.

Piotr Markielau, ativista antiautoritário de 25 anos, líder da organização Students For Liberty (Estudantes pela Liberdade, em tradução livre) na Bielorrússia, descreveu o movimento como uma força unificada.

“Não vejo diferentes ideologias nos protestos. Claramente elas existem, porém, a ideologia principal é a luta pela democracia”.

Piotr Markielau

O ativista aponta que os protestos são pacíficos, com poucos registros de vandalismo, e mesmo assim, tiveram resposta muita agressiva da polícia, que prende, ataca e tortura manifestantes – ele mesmo já foi preso quatro vezes.

Segundo Markielau, que também conversou com a reportagem após contato via mídias sociais, a única ação do Estado que pode ser considerada positiva foi a ida de Lukashenko aos presídios para conversar com os presos políticos sobre a criação de uma nova constituição.

Mas Piotr Markielau não acredita nesta promessa: “Na minha opinião, isso é uma estratégia para diminuir os protestos, prometendo a nova constituição para a população achar que as coisas estão mudando, deixar de lutar e, no final, nada ser feito e ele continuar no poder”.

A resposta internacional às manifestações populares

Em função dos acontecimentos políticos e das manifestações populares, a União Europeia impôs sanções à Bielorrússia e os países membros retiraram seus embaixadores da região. As medidas, no entanto, parecem ter tido apenas efeito simbólico, visto que países do oeste europeu não são parceiros comerciais de peso na Bielorrússia.

Já a Rússia, seu principal aliado político, prometeu apoio ao governo e uma possível ação em caso de interferência do ocidente. Com 1/5 de seu gás e ¼ de seu petróleo exportados passando pela Bielorrússia, a mobilização russa é necessária para manutenção de boas relações geopolíticas, que podem ser dificultadas caso um novo governante entre em cena.

Barreira da polícia no Obelisco de Minsk, Bielorrússia. Créditos: Piotr Markielau

Mas nem Katarzheuski, nem Markielau acreditam que uma ação russa no país seja efetiva. O primeiro aponta crises internas como motivo, dentre elas, perdas financeiras para a Criméia e Chechênia, a baixa do petróleo e a pandemia da covid-19.

Já Markielau apoia-se na visão da população bielorrussa: o país fazia parte do Império Russo e, um ano após conseguir sua independência, em 1918, foi anexado pela União Soviética, na qual permaneceu até 1991. Em 1994, com a eleição de Lukashenko, a bandeira do país foi modificada para ser a mesma da era soviética e o russo passou a ser a segunda língua oficial do país – atualmente, é o idioma mais falado na Bielorrússia.

Tais fatores fazem com que os bielorrussos vejam a Rússia como sinônimo de imperialismo, o que dificultaria uma interferência russa no país: “Nenhum bielorrusso civilizado quer ser russo” conclui Piotr Markielau.

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