Colab

Luiz Fernando Toledo: entre planilhas, pautas e fronteiras

Correspondente da BBC Brasil, Toledo é retratado em Londres, onde atua com reportagens internacionais

“Oi! Posso sim.”
Foi essa a resposta que chegou às 6h58 da manhã, horário de Brasília, após o primeiro contato para entrevista feito no dia anterior, às 19h57. A mensagem foi enviada pelo Instagram, rede social que Toledo usa para divulgar reportagens produzidas por ele e compartilhar momentos pessoais ao lado da família e dos amigos. Do outro lado do oceano, em Londres, que adota um fuso horário diferente, já era quase meia-noite quando iniciamos o contato e fim da manhã quando ele respondeu. O contato havia chegado quase à meia-noite. No dia seguinte, antes das 11h, ele confirmou a entrevista.

Luiz Fernando Toledo nasceu em Sorocaba, cidade do interior de São Paulo com mais de 700 mil habitantes, segundo o último Censo Demográfico. Amante de videogames, escrevia suas impressões sobre os jogos da época em um caderno pessoal. Juntamente com amigos, produzia e imprimia algumas edições artesanais. “Era só um hobby, claro, mas já mostrava que eu realmente tinha interesse por escrever”, lembra.

O jornalismo de dados, que hoje marca sua atuação, ainda estava distante. Na adolescência, o plano era ser crítico de games. O destino, porém, viria com outras pautas — e com planilhas.

Do caderno para o Excel

O entusiasmo pelo jornalismo apareceu na faculdade, logo após a primeira entrevista sobre uma feira de artesanato. Ainda em Sorocaba, começou a escrever para sites e revistas locais sem remuneração. A primeira oportunidade veio como estagiário do jornal Cruzeiro do Sul. Foi ali que escreveu a reportagem que ainda hoje guarda na memória: a história de uma mulher que, mesmo com poucos recursos financeiros, adotou e contribuiu para a formação de crianças. A repercussão foi nacional. “Continuei conversando com essa mulher por muitos anos e ouvi dizer que seus filhos concluíram os estudos e já estariam trabalhando.”

A transição para o jornalismo de dados ocorreu quando Toledo atuava na editoria de Educação do Estadão. Para lidar com os indicadores de ensino, precisou se familiarizar com planilhas e começou a fazer cursos online. Inspirado por nomes como Amanda Rossi, José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Natalia Mazotte, Claudio Abramo, Tiago Mali e Marina Atoji, foi se aprofundando cada vez mais na área. 

No Estadão, permaneceu por cinco anos, cobrindo diversas editorias e aprendendo sobre o funcionamento das grandes redações. Depois disso, viria a fundação da Fiquem Sabendo, agência de jornalismo especializada em acesso à informação. “Foi uma escola. Lá, percebi como os dados públicos estavam mal aproveitados e como poderiam render pautas importantes”, conta.

Um homem branco está tirando uma selfie ao lado de uma placa com seu nome "Luiz Fernando Toledo" na porta da sala. Com parede de vidro, ao fundo tem uma mesa com dois computadores e uma cadeira de trabalho e outra mesa de madeira na mesma sala.
Na redação, Luiz destaca o cruzamento de dados como ferramenta central para a apuração. Créditos: Instagram

De olho no acesso à informação

Entre as reportagens mais marcantes da carreira, Toledo destaca uma investigação sobre o Governo de São Paulo, que teria criado mecanismos para dificultar o acesso à informação. O furo teve repercussão nacional: saiu no Jornal Nacional, motivou mudanças na Lei de Acesso à Informação, subsidiou relatórios internacionais e levou à exoneração de servidores. Hoje, como correspondente da BBC Brasil, Toledo mantém o hábito de voltar a bancos de dados que já usou em reportagens passadas, buscando novos ângulos.

Às vezes, uma mesma fonte rende duas ou três matérias. E há entrevistados que ajudam muito, indicando novos temas, compartilhando bastidores. É um ciclo contínuo

Luiz Fernando Toledo acha que o jornalismo de dados está cada vez mais entrelaçado com o uso de ferramentas de inteligência artificial. Segundo ele, a tendência pode democratizar o acesso à prática, exigindo menos conhecimento técnico para executar tarefas complexas, mas o básico, como estatística, leitura de planilhas e cruzamento de dados, continua sendo fundamental.

Luiz Fernando Toledo destaca a importância do papel do jornalismo investigativo. Créditos: Instagram

Ao falar com quem está começando na profissão, ele é direto: “Aprenda a mexer em planilha. Pode ser Excel, pode ser Google Sheets. Esse conhecimento já te coloca um passo à frente.” E complementa: “na faculdade ou no estágio, procure usar uma base de dados em algum trabalho. Se não tiver nenhuma, invente: crie uma newsletter, um blog, qualquer coisa. O importante é praticar.”

O jornalismo como ponte

Para Toledo, o jornalismo é uma ponte. Ponte entre dados e gente, entre leis e vidas, entre o que está escondido e o que precisa ser revelado. Sua trajetória é marcada por investigações que provocam mudanças, denúncias que não se perdem nas manchetes e exemplos de como é possível transformar técnica em impacto.

Seja com uma reportagem sobre educação, uma planilha esquecida no portal do governo ou um dado cruzado que revela esquemas ocultos, Luiz mostra que o jornalismo de dados pode – e deve – estar a serviço da sociedade. E talvez por isso ele responda tão cedo, mesmo quando acionado por volta de meia-noite. Afinal, como ele próprio prova, há histórias que não podem esperar.

Conteúdo produzido por João Victor Gambogi Bastos Figueiredo, João Victor Pereira Vieira, Iara Luíza Oliveira Araujo, Júlia Luiza Correia Mendonça, Lucas Luckeroth Gonçalves, Sara de Jesus Freitas Matos e Carolina Gouvêa de Almeida para a disciplina Jornalismo de Dados, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard.

Sair da versão mobile