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Lugar de jornalista é no sindicato?

Grupo de pessoas vestidas de preto, em frente a um prédio de entrada amarela e janelas de vidro

Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais/Divulgação

Em dez anos, o Brasil quase duplicou o número de usuários regulares de internet, um avanço significativo que provoca inferências na forma de comunicar, consumir e compartilhar informação. Mais conectada, a população brasileira passou a ter acesso facilitado às plataformas digitais. Vale ressaltar que este não é um fenômeno social homogêneo. A pesquisa TIC Domicílios de 2020 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Celtic BR) apontou que 64% das classes D e E têm acesso à internet, número distante dos praticamente 100% da Classe A. 

Crescente, desigual e centralizado, o consumo de internet também provoca mudanças para o jornalismo. Por profissão, esse campo de trabalho é um dos mais afetados pela digitalização. Novas mídias digitais, novos fazeres e possibilidades de comunicação atingiram em cheio o jornal. Com a sustentabilidade das empresas em cheque, não demorou para os profissionais sentirem o peso dos novos tempos: baixos salários e condições de trabalho incertas são a face mais visível dos desafios para os sindicatos de representação.

Em Minas Gerais, o Sindicato de Jornalistas, presidido por Alessandra Mello, recebeu a reportagem do Colab para uma conversa sobre essas e outras questões que afligem o jornalismo. A entrevista ocorreu na Casa dos Jornalistas, na zona sul de BH. Móveis antigos, uma mesa de mármore que faz barulho a cada apoio e uma parede de espelhos adornam o espaço. Começamos por aquilo que está na boca do trabalhador, e, claro do jornalista: precarização

Presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Alessandra Mello, em entrevista na Casa do Jornalista, em Belo Horizonte (Foto:Guilherme Sá)

Precarização no jornalismo

Alessandra aponta três grandes motivos para a problemática da precarização: a fuga de profissionais para outras áreas, o que chama de “feminização” e a queda do impresso.

As pessoas estão abandonando o jornalismo para exercer uma outra profissão qualquer da vida. Acho esse dado muito marcante da precarização. Outra coisa: a feminização. Quanto mais feminina, mais precarizadas são as profissões, isso é histórico no Brasil. Parte daquela ideia errada de que mulher pode ganhar menos do que homem. E a queda do jornal impresso no Brasil e no mundo impacta demais o trabalho do jornalista. Aqui em Minas Gerais, por exemplo, o maior piso salarial era do jornal impresso. 

Alessandra Mello, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais

As observações da sindicalista dialogam com a pesquisa  “O Perfil do Jornalista Brasileiro 2021: características sociodemográficas, políticas, de saúde e do trabalho”, realizada em parceria pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). 

Segundo o levantamento, 58% dos profissionais da área são mulheres e pouco mais da metade dos respondentes acredita que seus esforços no trabalho não são devidamente reconhecidos. Além disso, a pesquisa apontou que 24% prestam serviços como freelancers, pessoa jurídica, Microempreendedor Individual (MEI) ou sem contrato trabalhista –característica que indica a precarização do setor.

Sem vínculo empregatício

A jornalista Flávia Costa, 35, é um exemplo de profissional que foi afetada pela recente fragilização do laço empregatício da categoria. Quando se formou em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2010, começou a trabalhar em uma emissora de televisão, onde atuava como coordenadora de produção. Quatro anos depois, porém, acabou sendo demitida, em meio à crise econômica que o país enfrentava.

Desde então, Flávia vem acumulando vários empregos, sendo a grande maioria por meio do sistema MEI. Hoje, ela conta que trabalha cerca de 10 horas por dia, como assessora de comunicação para duas empresas. “Além dos benefícios clássicos como vale transporte, alimentação e férias remuneradas, o que eu mais sinto diferença [entre o regime CLT e o MEI] é a estabilidade. Quando é prestação de serviço, os vínculos são mais frágeis”, conta. 

Questionada sobre como o sindicato poderia ajudar nas novas relações trabalhistas da categoria, ela aponta para o auxílio a questões técnicas envolvendo os atuais modelos de contratação. “Eu ainda tenho dificuldades com prestação de contas, como pagamento de impostos e declaração de receita. Além disso, algumas cláusulas contratuais me parecem erradas e, como não sou da área, nem tenho uma assessoria especializada, fico à mercê do contratante”, analisa. 

Enquanto não vê perspectivas de melhoras para a profissão, ela se preocupa com o futuro e defende a regularização do setor, principalmente daqueles profissionais ligados a conteúdos digitais e de mídias sociais.  “Tem muita gente sem formação em comunicação trabalhando [na área], o que gera a precarização da profissão. Como não há nenhuma regra, você vê salários muito abaixo do piso. Posso dar exemplo de pessoas ganhando R$ 1.500 para uma jornada de 40 horas e ainda sem benefícios”.

Estágio ou trabalho?

Um estudante de jornalismo, dando seus primeiros passos na carreira, vislumbra estar em uma redação. Porém, os estágios, pensados como forma de incluir a experiência profissional pedagogicamente nos currículos universitários, já não mais sustentam uma jornada educativa e preenchem grande parte do contingente de trabalhadores nas redações.

Em outras palavras, o estagiário está fazendo trabalho de “gente grande”, mesmo em seus períodos iniciais de formação acadêmica, substituindo os jornalistas diplomados e a responsabilidade das empresas com as folhas salariais e direitos de um trabalhador CLT. Para Alessandra, esse grave problema está em uma falha na legislação.

A Lei 11.788/2008, que revogou a Lei nº 6.494/77, além de não regulamentar um piso mínimo salarial, estabelece uma proporção de estagiário para empregados facilmente burlada pelas empresas comunicacionais. “Se um patrão pode ter 20% de estagiários no seu corpo de trabalhadores, ele concentra todos em um mesmo lugar. No caso das empresas de comunicação, eles vão todos para a redação. Assim, quando denunciamos um excesso de estagiários, eles negam, dizendo que, no total, a proporção está certa, já que as outras funções da empresa, como técnicos e funcionários de limpeza não costumam ter essa demanda”, queixa-se a presidente do SJPMG. 

Segundo ela, as empresas também usam do mesmo argumento com as cotas de Pessoa com Deficiência (PcD) para afastá-los do trabalho jornalístico. Por fim, Alessandra também suspeita que a obrigatoriedade do estágio seja uma consequência dos lobbies patronais, para facilitar o emprego de mão de obra mais barata. 

O que os estudantes podem fazer?

Essa pergunta não precisou ser feita pelos repórteres desta matéria, Alessandra, como jornalista, já sabia bem para onde iam os anseios da reportagem: “Eles não devem fazer trabalho de jornalista profissional, fazer plantão e ir além de seus contratos. Porque ele dificilmente vai ser efetivado como profissional na empresa com essa rotatividade. No fim, sua vaga vai ser ocupada com outro estagiário, como ele foi. A chave é a consciência de classe, a consciência de que ele estará se prejudicando futuramente, prejudicando os direitos da categoria de jornalistas e também seu período de aprendizado”. 

Afinal, é no contexto de lotação das redações por universitários que os veículos escondem seus erros. Quando uma publicação tem repercussão negativa, fica mais fácil transferir a culpa para um estagiário do que reconhecer os sintomas da precarização do trabalho. Recentemente, multidões nas redes sociais corroboraram com esse tipo de linchamento, quando a Folha de S. Paulo noticiou por engano o suposto falecimento da rainha da Inglaterra.

No intuito de dialogar as preocupações dos estudantes, a reportagem desenvolveu uma enquete destinada aos cursos de jornalismo de Belo Horizonte. Nela, pedimos aos universitários e recém-formados para confrontarem o Sindicato com suas principais dúvidas e críticas. As perguntas foram respondidas às cegas por Alessandra Mello:

Com o fim da contribuição sindical obrigatória na Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), o Sindicato dos Jornalistas passou por dificuldades financeiras, já que o imposto era basicamente sua renda exclusiva. Diante do choque inicial, Alessandra relembra o desânimo da mudança legislativa: “A gente pensava que não ia ter jeito não e que precisaríamos alugar isso aqui [a sede do sindicato, a Casa do Jornalista], mas foi com bastante trabalho de conscientização que voltamos a conseguir manter a entidade com a contribuição dos sindicalizados”. Segundo ela, o dinheiro ainda é pouco, e é difícil manter funcionários, importantes para fazer o trabalho do sindicato ser mais eficiente.

Contra a precarização, a greve

Durante a pandemia da Covid-19, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) registrou o menor número de greves no país desde 2011. Apesar do recuo, novas paralisações emergiram à luz do dia, protagonizadas pelos entregadores de aplicativos e trabalhadores da comunicação. É possível analisar tais dados com cautela, uma vez que dentro do guarda-chuva de trabalhadores da comunicação encontram-se os trabalhadores do telemarketing, prováveis responsáveis pela subida dos gráficos. 

Ainda assim, o ano de 2021 escancarou a insatisfação da categoria de jornalistas com movimentos marcantes, em casos como a greve na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) 一 a mais longa desde 2013 一 e as greves no jornal Estado de Minas.

Para Alessandra Mello, o sindicato ainda é o ponto de encontro para os insatisfeitos, assim como a organização política é a mais importante ferramenta para os jornalistas. Segundo ela, sozinhos, os jornalistas indignados estão na fila da demissão e da violência e, por isso, só a partir da coletividade é possível denunciar e reivindicar os pleitos indispensáveis para um trabalho justo e democrático.

Trabalhadores do Jornal Estado de Minas manifestam na porta da empresa, em Belo Horizonte (SJMG/Reprodução)

“Legalmente, é o sindicato que tem o poder de acionar a justiça, exigir uma mediação na Delegacia Regional do Trabalho, pedir abertura de inquérito no Ministério Público. E mais importante: a liberdade de expressão e de imprensa, o combate à violência que aumenta em escalas absurdas. Para uma profissão inerente à democracia, nossos direitos precisam ser resguardados”, adiciona a presidenta do Sindicato. Para concluir, ela reforça que o jornalista tem que entender que é um trabalhador como outro qualquer: “um operário da notícia”.

Reportagem de Carolina Fonseca, Catarina Ayres, Guilherme Sá, Luis Adolfo, Pedro Lovisi e Rafael Mafra, para a disciplina Produção em Jornalismo Digital, no semestre 2022/1.

 

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