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Lei estadual de incentivo à cultura permite que projetos artísticos respirem

No final de 2021, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, realizou uma pesquisa para medir os impactos da pandemia no setor cultural da cidade. Foi identificada uma significativa queda nos rendimentos dos agentes culturais durante o período de isolamento social, em especial dos agentes individuais (87%). Desses, mais da metade (51%) tiveram queda de renda superior a 50%.

Entre os agentes entrevistados, 47% informaram ter paralisado integralmente suas atividades na área cultural, sendo a captação de recursos, no caso dos agentes individuais, e os ensaios, no caso dos coletivos, as atividades que mais foram prejudicadas — 40% dos agentes paralisaram totalmente essas ações, segundo a pesquisa. O cenário é desafiador, e pode ser pior no interior do Estado. Em Minas Gerais, há uma centralização na distribuição de verbas destinadas à cultura: Belo Horizonte e região metropolitana recebem mais incentivos em relação às cidades do interior.

A Lei de Incentivo à Cultura Estadual é falha nesse quesito, pois não regulamenta uma distribuição igualitária em todo o território. Em 14 de março de 2022, gestores e agentes culturais abordaram, na Assembleia Legislativa de Minas (ALMG), a necessidade de descentralizar os recursos da área cultural de modo a beneficiar as cidades do interior.

No governo estadual, liderado pelo recém-reeleito Romeu Zema (partido Novo), a Cultura não tem secretaria própria, tendo sido reduzida a uma pasta na atual Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). Para Pablo Xavier, artista e produtor cultural, diretor-presidente da produtora Alakan Cultura Periférica, e trabalha escrevendo projetos para serem submetidos a editais, em Belo Horizonte, essa nova divisão causa problemas. Pela dimensão do setor cultural de Minas e da sua relevância para o país, uma secretaria exclusiva facilitaria a distribuição de recursos aos projetos e artistas mais vulneráveis.

Ouça o depoimento em áudio de Pablo Xavier:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2022/11/AUDIO-1-4.mp3

O produtor reforça o sucateamento que a extinção da Secretaria de Cultura trouxe para o setor e frisa que, para ele, o único respiro durante esses quatro anos de governo Zema foi a criação da Lei Aldir Blanc. Mas que, ainda assim, ela foi aplicada com muitos entraves. Para Pablo, a perspectiva para o segundo mandato do governador Romeu Zema também não é boa, já que as diretrizes para o setor não devem mudar.

Ouça o depoimento em áudio de Pablo Xavier:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2022/11/AUD-20221109-WA0020.mp3

Também conversamos com o produtor Vitor de Souza, que é músico, artista visual e pesquisador de cultura negra, além de gerir e produzir diversos projetos culturais. Vitor concorda com as colocações de Pablo, mas vai além, fazendo uma retrospectiva histórica para explicar que esse sucateamento é reflexo de um cenário político nacional que vem se construindo desde 2013.

Ouça o depoimento em áudio de Vitor de Souza:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2022/11/AUDIO-3.mp3

Vitor de Souza também afirma que o cenário esperado para os próximos quatro anos não é bom. Para o produtor, o esvaziamento dos editais geridos pelo governo foi uma solução fácil que Romeu Zema encontrou para “perdoar” as dívidas que grandes empresas mineradoras têm com o estado, após os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho.

Ouça o depoimento em áudio de Vitor de Souza:

https://blogfca.pucminas.br/colab/wp-content/uploads/2022/11/AUDIO-4.mp3

Sucateamento e censura

Além do sucateamento da cultura, o governador do partido Novo também já foi acusado de implementar medidas administrativas equiparáveis à censura no estado de MG. No entanto, este é um fenômeno que está disseminado em escala nacional, uma vez que, durante seu primeiro mandato, o ex-secretário especial da cultura, Mário Frias, determinava que todos os órgãos vinculados à pasta deveriam enviar editais, acordos e até publicações de redes sociais para aprovação da sua equipe antes dos conteúdos serem divulgados para a população, atitude considerada inédita e controversa.

Frias foi exonerado do cargo em março de 2022, para se lançar como candidato a deputado federal por São Paulo, e acabou sendo eleito. No momento, o cargo de secretário especial de cultura é ocupado pelo advogado e amigo de Mário Frias, Hélio Ferraz de Oliveira, que era seu secretário adjunto. Ambos são investigados por gastarem R$ 78 mil dos cofres públicos em viagem a Nova York, que não teve objetivos ou resultados bem esclarecidos.

Número de projetos incentivados vem caindo nos últimos anos

Como citado por Vitor de Souza, o número de projetos agraciados por leis de incentivo vem caindo no país todo desde 2013. Apenas 184 municípios utilizam 89% do total de recursos do Fundo Estadual de Cultura (FEC), sendo que o estado possui 854 municípios.

O membro do Comitê Gestor da Rede Mineira de Pontos de Cultura, Paulo de Morais, lamentou que a Política Estadual de Cultura Viva, também instituída pela Lei 22.944, nunca ter saído do papel. Ele denunciou que os recursos do FEC foram reduzidos e editais de patrocínio foram cancelados na atual gestão. “A omissão do governo nos últimos três anos recai sobre a lei. Mas soluções poderiam ter sido tentadas e não o foram”, afirmou.

Os valores passaram de R$70,7 milhões em 2017 para R$28,4 milhões em 2020, informações divulgadas por Thiago Alvim, cofundador da startup Prosas, beneficiária do projeto. De acordo com Thiago, pelo menos R $160 milhões deixaram de ser aplicados na cultura entre 2017 e 2020.

Mas o que é a Lei Estadual de Incentivo à Cultura?

A Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais (lei nº 22.944) foi sancionada em janeiro de 2018 e tem como objetivo incentivar a cultura local do estado, reduzindo o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de empresas que apoiarem projetos aprovados pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). Podem ser aprovados pela lei projetos dos mais variados nichos culturais, como:

Os projetos aprovados podem ser apadrinhados por empresas que tenham a receita bruta anual acima de R$ 4,8 milhões e sejam pagadoras de ICMS. Diante disso, empresas de pequeno, médio ou de grande porte, possuem parte do valor de seu imposto abatido ao financiar um projeto. Empresas de pequeno porte podem ter até 10% do saldo devedor do ICMS abatido, as de médio porte até 7% e as de grande porte, 3%. Destaca-se que a dedução do imposto é feita mensalmente e 65% do valor total do incentivo vai para o projeto escolhido pela empresa e 35% vai para o Fundo Estadual de Cultura. Porém, o funcionamento da Lei e os processos burocráticos de inscrição e aprovação dos projetos são complexos, e conhecer esse processo é importantíssimo para quem pretende se inscrever. 

A Lei Estadual de Incentivo à Cultura de MG, permite que pessoas físicas e/ou jurídicas com ou sem fins lucrativos apresentem projetos para análise. O requisito exigido é que a pessoa ou projeto resida ou tenha sua sede no estado de Minas Gerais de, no mínimo, um ano e tenha sua atuação prioritariamente cultural. Todo o processo de inscrição de projetos funciona de forma online e a lei não conta com um edital próprio e sim com uma resolução (resolução SEC Nº 136/2018, de 04 de julho de 2018).

Em 2022 indústrias mineiras fomentaram projetos de cultura no estado, centenas de projetos participaram da seleção Chamada Instituto Cultural vale 2022. A iniciativa destinou R$ 25 milhões, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, a ações que serão realizadas a partir de janeiro de 2023, que valorizem a democratização do acesso e que contribuam para a diversidade de manifestações culturais e para o desenvolvimento da economia criativa nos locais onde são realizados.

A Lei  Estadual de incentivo à cultura, favorece o estado nos seguintes pontos:

Atualmente, há dados específicos atualizados da quantidade de recursos que têm sido aplicados na lei, visto que ela não possui um teto ou uma quantidade orçamentária específica. Os recursos utilizados vão depender da aprovação e dos tipos de projetos, onde no infográfico a seguir, é possível perceber que são destinado recursos diferentes para cada tipo:

Exemplos que deram certo: projeto CURA se torna referência na capital

Projeto CURA / Reprodução Instagram

O CURA – Circuito Urbano de Arte de Belo Horizonte, surgiu na capital mineira em 2017 com o intuito de aproximar a arte urbana e popular para a região central, ali foi entregue o primeiro mirante de arte urbana do mundo, e é um dos projetos que recebe incentivo vindo da Lei Estadual de Incentivo da Cultura de Minas Gerais, também conta com o apoio de grandes empresas incentivadoras da lei . A 6ª edição do Circuito contou com uma verba de R$ 50 mil para instalar um festival-ritual na praça Raul Soares entre os dias 14 e 25 de fevereiro de 2021, trazendo para o centro da capital cinco obras a céu aberto nos prédios em torno da praça. 

Na ocasião, o CURA gerou um ambiente de imersão em arte pública, trazendo a instalação do Grupo Giramundo, obras da multiartista Mag Magrela e do Coletivo MAHKU, a intervenção do Coletivo Viva JK, além de diversas vivências artísticas na praça Raul Soares. O Circuito Urbano trouxe com a arte a energia da floresta e a história do Rio Amazonas para a cultura de BH. Além de suas clássicas edições de festivais, o CURA já realizou em BH, debates sociais sobre arte, galerias de arte, uma residência para mulheres grafiteiras fazerem sua arte e outras ações.

Em 2022, entre os dias 15 e 25 de setembro, o festival entregou a sua 7ª edição o tema ESTA TERRA, se inspirando em conexão de linguagens e territórios através de uma arte relacional e inclusiva, com exposições de Selma Calheira, Sueli Maxakali, Pedro Neves, MST e Willand Cabal. Ainda não foi divulgado para a mídia o valor total do patrocínio recebido para o circuito realizar essa edição inédita, mas, além do incentivo da lei do estado, o projeto contou com patrocinadores masters.

Reportagem desenvolvida por Bruna Alvarenga, Carolina Ferraris, Iasmin Braga, Igor Assunção, Luiz Carlos Fernandes, Maria Clara Brandão e Rodrigo Siqueira para o trabalho interdisciplinar das disciplinas de Jornalismo Cultural e Produção em Jornalismo Digital, sob a supervisão das professoras Júnia Miranda e Verônica Soares da Costa.
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