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Joana Suarez: o rosto do jornalismo independente

Retrato do rosto de Joana Suarez, sorrindo, em fundo branco. Ela tem cabelos pretos, curtos e cacheados e está usando uma regata vinho.

Joana Suarez / Foto: Flávio Tavares e Arquivo Pessoal

Para ela, o céu é o limite. Jornalista há mais de uma década e pautada na vertente investigativa com enfoque nos direitos humanos, Joana Suarez, 37 anos, defende o jornalismo independente e atua na formação de novos profissionais da área por meio da oficina online Jornalista Independente. Além de trabalhar como freelancer e representar o Brasil na Feminist Journalist Project da Association for Women’s Rights in Development (AWID), programa que reúne 15 jornalistas feministas ao redor do mundo, Joana também se dedica a outros projetos na área de comunicação, que exemplificam sua abrangência e versatilidade profissional.

Raízes e jornada no jornalismo

Joana nasceu em Recife, no estado de Pernambuco, onde viveu até os 17 anos. Nessa idade, mudou-se para a capital mineira, onde se formou em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte e se especializou em Comunicação Pública da Ciência pela UFMG. Retornou para a cidade natal aos 32 anos e, hoje, alterna moradia e pautas entre o Nordeste e o Sudeste. Orgulhosamente, Joana leva suas raízes na pele por meio de uma tatuagem nas costas com o desenho dos estados de Minas e de Pernambuco ligados pelo Rio São Francisco.

[O] Recife me mostrou na infância um mar infinito de possibilidades, é um lugar para onde sempre posso voltar. Belo Horizonte, cercada por morros, me forjou uma adulta que sabe reverenciar seu entorno.

Joana Suarez, jornalista
Costas de Joana tatuada com os estados de Minas Gerais e Pernambuco ligados
pelo rio São Francisco. Foto: Flávio Tavares / Arquivo Pessoal 

Como freelancer, Joana colaborou para o jornal Folha de São Paulo e produziu conteúdos para a Agência Pública, Repórter Brasil, Projeto Colabora, The Intercept Brasil, Revista Piauí, Época, El País, Marco Zero Conteúdo, The Independent, entre outros. Pelos trabalhos, recebeu prêmios nacionais e internacionais e se tornou referência em jornalismo investigativo com enfoque em direitos humanos e na entrega de conteúdos completos e de qualidade, sem abandonar a sensibilidade e o cuidado com o que aborda.

A escolha do jornalismo como carreira veio a partir da identificação da profissão como uma prestação de serviço essencial para a sociedade, com o objetivo de levar informações e conscientização por meio de conteúdos de qualidade. Sobre a importância de conduzir a sua carreira por intermédio de reportagens completas, Joana aponta que têm entendido cada vez mais a importância do conhecimento partilhado, da boa informação, da investigação, de temas relevantes e pautas sociais para a produção de conteúdo de qualidade, conclui. 

Na cobertura de conteúdos factuais no jornalismo diário, área na qual trabalhou por sete anos, a jornalista percebeu a necessidade de se aprofundar nas pautas que trazia. Para ela, era necessário se dedicar por mais tempo para compreender as temáticas levantadas. Seguindo esse objetivo, passou a realizar reportagens especiais com mais profundidade, passando maior tempo na apuração e estudo mediante entrevistas, leituras e pesquisas. É o que ela caracteriza como o processo de investigação: um caminho quase incansável para descobrir e entender algo antes de escrever sobre. 

Desde os tempos de redação, Joana buscou desvelar assuntos relacionados aos direitos humanos e trazer conscientização, explorando pautas como a de cuidados paliativos, suicídio, violência doméstica, segurança pública e feminismo, dentre outras.  Em seu site, conta: “[Em 2016] Para produzir o caderno especial e documentário Vivendo a Morte, acompanhei por sete meses a despedida de uma mulher negra e pobre com diagnóstico de câncer de mama em estágio final. Desde então, escrevo matérias em saúde sobre bioética e fim de vida. Uma pauta que me sacudiu.”

Com a era digital, o jornalismo diário já não lhe oferecia o espaço necessário para a entrega do conteúdo que almejava. Com isso, passou a se interessar pelos novos modelos de jornalismo com base na independência editorial. Ela classifica a sua transição para o jornalismo independente como um processo orgânico. “Comecei participando de festivais como o Festival 3i, consumindo mais as novas mídias digitais nessa pegada do jornalismo independente. Fiz muitas reportagens como freelancer para  diferentes veículos por quatro anos diretos. Criei projetos temporários focados nesse jornalismo livre de censura, colaborativo e que explora diferentes formatos. Em 2021, comecei a trabalhar na revista AzMina independente, digital e feminista, numa comunhão com toda a jornada que eu já trilhava nas minhas pautas com recorte de gênero sempre.”

Versátil e completa

Em 2018, em parceria com outras jornalistas, Joana começou a desenvolver produtos independentes, colaborativos e autorais de jornalismo de impacto social, projeto que, em 2021, foi batizado como “Cordão Projetos Jornalísticos”. Ainda no ano de 2018, já havia participado como coordenadora geral da iniciativa Campanha Libertas, que dava enfoque jornalístico  às 700 candidatas mineiras para cargos estaduais e nacionais nas eleições. 

Joana Suarez ministra a oficina Jornalista Independente. Foto: Flávio Tavares e Arquivo Pessoal

Joana também é autora da Redação Virtual, um grupo com mais de 300 jornalistas de mais de 50 cidades brasileiras, que se uniu pelo desejo de desenvolver reportagens e projetos midiáticos de impacto social. “Eu criei esse projeto da Redação Virtual quando fui para o jornalismo independente e me tornei repórter freelancer. Eu me sentia muitas vezes sozinha, porque quando você trabalha em uma redação e volta da rua com as entrevistas que você fez, você troca muito com seus colegas dentro da redação, porque tem vários repórteres para trocar ideias, falar das angústias e pedir uma ajuda. Isso me fez muita falta. Daí eu fiquei pensando nisso e falei, ‘taí, quero montar uma redação virtual para as pessoas se ajudarem virtualmente’. […] Aí veio a pandemia e foi o momento certo pra eu colocar esse projeto em prática, porque muita gente começou a me procurar querendo fazer reportagem freela, já que os jornais não estavam mais mandando as pessoas para os lugares e precisavam fazer à distância, contratando mais freela. Aí foi um boom em contratar repórter freela em 2020.” Ela classifica a Redação Virtual como um espaço para jornalistas se entenderem e se manterem unidos num mesmo propósito. A partir dessa iniciativa, idealizou e coordenou o Lição de Casa, que conta com 15 profissionais de dez estados. Com reportagens especiais a partir da diversidade regional do país, o projeto conta com podcasts, newsletters e atualizações de como estavam as escolas em tempos de pandemia. 

Mas sua presença jornalística não para por aí. Joana também é uma das quatro jornalistas inventoras do projeto Cajueira, uma newsletter quinzenal enviada por e-mail para mais de 1.150 assinantes de todo país, com conteúdo voltado para os nove estados do Nordeste. Em conjunto com a também jornalista Raquel Baster, produz, roteiriza e apresenta o Cirandeiras, podcast disponibilizado nas plataformas de áudio que nasceu no período da pandemia, com o intuito de ampliar as vozes de mulheres brasileiras.  

Em 2020, realizou junto do marido e fotógrafo Flávio Tavares o coletivo de reportagens Fome ameaça indígenas em Minas antes do Coronavírus, para o Projeto Colabora, indicado ao prêmio Vladimir Herzog de 2020 na categoria multimídia. Já em 2021, Joana passou a atuar como integrante e gerente de jornalismo da revista digital AzMina, uma organização sem fins lucrativos que luta pela igualdade de gênero. Seu objetivo é unir tecnologia, informação e educação para combater a violência de gênero. 

A correlação entre luta e trabalho 

Formada em 2009, Joana se autodenomina uma jornalista da geração antiga. “Anos atrás se tinha uma visão totalmente equivocada de que o jornalismo é imparcial.” Hoje, defende que em suas funções o jornalista sempre coloca suas lutas e vivências, desde o momento que pensa a pauta e escolhe suas fontes até a forma em que a entrevista é feita. “Tem uma certa busca por essa imparcialidade, mas ela nunca vai ser conquistada e isso tem que estar bem claro, porque somos seres humanos e intervimos completamente nas histórias que a gente se propõe a contar. Talvez o Chat GPT e os robôs consigam fazer isso, mas a gente não consegue”, brinca. 

Joana acredita que as lutas e pautas defendidas estão inseridas em qualquer trabalho que o profissional faça. Ela afirma que, inicialmente, o jornalismo independente foi chamado de militante e ativista por possuir o objetivo de ser transparente e expor as lutas envolvidas naquele trabalho, tais como direitos de igualdade de gênero e justiça social. A jornalista opina que isso segue na direção oposta dos veículos tradicionais, que visam o lucro e se preocupam em atender interesses políticos e econômicos de determinados grupos de poder. Ou seja, o jornalismo independente começou a provocar o leitor de uma maneira muito mais transparente e honesta, informando-o sobre a missão e os valores daquela organização de jornalismo.

Não tenho muito o  que manejar. Eu não atuo no movimento sindical. Em um movimento militante, talvez, mas eu faço a minha militância no jornalismo, entende? O que eu faço pro  movimento feminista é no jornalismo.

Joana Suarez, jornalista
Joana em Viena, representando a AWID e a revista AzMina em conferência da ONU e UNESCO, onde discutiu medidas para a segurança de jornalistas mulheres ao redor do mundo. Foto: Joana Suárez/Reprodução Twitter

O futuro do jornalismo

Joana defende que o futuro do jornalismo no Brasil está na diversidade. Ela explica que o jornalismo brasileiro ainda é desproporcional em termos de representatividade regional, tanto na circulação de informações quanto na visibilidade de jornalistas das diferentes regiões do Brasil. “Eu acho que hoje as pessoas estão mais conscientes da diversidade racial, por exemplo. Que a gente precisa ter mais gente preta, entrevistar mais gente preta, mas ainda falta também entender o Brasil como uma pluralidade, que não é só gente preta de São Paulo. É gente preta também do Piauí, Maranhão, Bahia, entendeu? Que vivem outros repertórios.” 

O mundo que a gente vive não é o mundo que a gente reporta, que a gente mora. As pessoas que nos lêem não necessariamente são as pessoas que convivem no nosso círculo social, então precisamos ter consciência, diversificar cada vez mais e abrir mais a cabeça para se tornar mais acessível a esses outros públicos e a esses outros Brasis para a gente representar essas pessoas

Joana Suarez, jornalista

A criação da Redação Virtual se deu justamente para revelar os outros Brasis, representando sua pluralidade. A partir dessa experiência, Joana deixa um conselho: “o jornalismo do futuro está na oportunidade de ouvir as diferentes vozes, pesquisas e vivências  inseridas no mesmo país. É sobre sair da bolha que está inserido e diversificar suas fontes, as pautas e as pessoas com quem conversamos.”

Conteúdo produzido por Ana Clara Alves Brasil, Júlia Castro, João Pedro Costa Silva, Kelly Dias, Luiz Fernandes e Maria Cecília Almeida na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard e do estagiário docente Marcos Túlio. Revisão de texto pela monitora Janaina Veloso.

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