Em meados de agosto de 2020, a professora Jennifer Garrido viu um vídeo de uma de suas aulas sobre educação sexual viralizar nas mídias sociais. Na ocasião, ela explicava para crianças, de forma bastante didática e simples, como cuidar do próprio corpo e identificar casos de abuso – sabendo identificar partes do corpo em que as pessoas podem ou não podem tocar.
Educadores e pesquisadores defendem que a educação sexual tem relação direta com a proteção de crianças e adolescentes contra casos de abuso sexual, daí a importância de discutir o tema ainda na infância.
Em entrevista ao Colab, a professora Jennifer Garrido compartilhou suas opiniões sobre o tema, e os resultados positivos do seu trabalho. Segundo ela, o ensino sobre sexualidade deve ser feito de pouco a pouco, desde o início da vida da criança: “O assunto deve ser tratado com leveza e naturalidade”, defende.
De acordo com a professora, nas escolas, o aluno pode ver seu professor como porto seguro, por ensinar a se proteger e respeitar o próximo. “O maior desafio é quando uma criança já foi abusada. Isso dói e a gente não consegue disfarçar”, diz Jennifer Garrido, e completa: “O que me preocupa é a quantidade de crianças que não terão apoio. A escola está aqui para ensinar o que os pais não conseguiram, ou ensinar para a criança que, talvez, o próprio tutor é o assediador”.
Denúncias chegam às centenas de milhares no Brasil
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o Disque Direitos Humanos registrou 159 mil denúncias em 2019 e, deste número, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes. A violência sexual figura em 11% das denúncias que se referem a este grupo específico, o que corresponde a 17 mil ocorrências.
Mas a educação sexual ainda é um tabu nas escolas brasileiras. Sem lei que determine a obrigatoriedade do conteúdo em salas de aula, o preconceito com o tema enfrenta barreiras políticas, sociais e culturais.
De acordo com texto da Secretaria de Educação Fundamental publicado no portal do MEC, “a educação sexual compreende comportamentos e valores pessoais, sendo necessário contextualizá-los social e culturalmente.”
Ainda de acordo com o documento, “A abordagem da sexualidade no âmbito da educação precisa ser explícita, para que seja tratada de forma simples e direta; ampla, para não reduzir sua complexidade; flexível, para permitir o atendimento a conteúdos e situações diversas; e sistemática, para possibilitar uma aprendizagem e um desenvolvimento crescentes”. No entanto, entre o que consta no documento e o que chega à sala de aula, nem sempre as ações se concretizam de modo a evitar que os abusos aconteçam.
Qual é o objetivo da educação sexual?
Mary Neide Damico Figueiró é uma psicóloga e professora que, em seu canal no YouTube, esclarece temas polêmicos que envolvem a educação sexual nas escolas.
No vídeo “O que é Educação Sexual?”, ela explica que a proposta é configurar um espaço em que um adulto conversa com uma criança desde pequena a respeito do corpo, de onde vêm os bebês, como se dá a gravidez e o parto, além de questões que têm a ver com o ser humano, suas relações e configurações de família.
Em seus vídeos, a professora Mary Neide Damico Figueiró reforça que, o objetivo das aulas não é estimular crianças e adolescentes à prática sexual, mas, sim, ensiná-las sobre o próprio corpo, e o que é a sexualidade.
Segundo ela, quando a escola não toca no assunto, a criança entende que a sexualidade tem algo de vergonhoso, que não faz parte da vida: “A forma como um casal se relaciona e trata seus filhos é uma forma de educação sexual”, diz a psicóloga, em vídeo. Sendo assim, é preciso abrir espaço para uma discussão pensando no processo de formação dos indivíduos.
A educação sexual pode ser de dois tipos, formal e informal:
- Educação sexual formal: Há planejamento. Nas escolas, o professor planeja materiais e estratégias para debater este assunto com os alunos. Dentro de casa, os pais e/ou responsáveis planejam momentos para conversar com as crianças.
- Educação sexual informal: Acontece no cotidiano. Atitudes, posturas e outras formas como adultos lidam com o tema sexualidade, podem ser referências para crianças que convivem com aquela pessoa.
Com um ensino sexual adequado, crianças passam a enxergar as escolas como um espaço propício para debater o tema com responsabilidade e construir uma visão positiva sobre o corpo, desfazendo ideias equivocadas baseadas em preconceitos, tabus e mitos.
A sexualidade humana é aprendida
Em 20 de outubro de 2020, o evento “Fala, professor!”, do curso de Pedagogia da PUC Minas, promoveu a palestra “Sexualidade na Infância: orientações para professores”, com o psicólogo Marlon Russo Sbampato.
Durante o evento, o psicólogo reforçou que, para conversar sobre sexualidade com crianças, a união entre psicologia e pedagogia é extremamente necessária, pois o professor irá receber uma criança cheia de marcas e histórias.
“As professoras e professores precisam entender que são elas e eles que humanizam nossa civilização. Uma escola é feita de corpos, e são os corpos dessas professoras que se dispõem em um espaço para acolher, cuidar de cada criança e, ainda, dar conta do conteúdo. Mas não seria isso o maior todos conteúdos? Saber sobre si mesmo?”, disse o psicólogo Marlon Sbampato durante o evento.
Do mesmo modo, sobre a participação dos pais no debate sobre sexualidade, o silêncio dos pais pode ser prejudicial às crianças. O diálogo entre escola e família é fundamental nesta situação. Enquanto cabe à escola trabalhar o respeito às diferenças, e o conceito de sexualidade, é função dos pais serem mediadores para ajudar as crianças a falar: “É possível construir uma ponte para que a criança entenda que ela está crescendo”, defendeu o professor Marlon Sbampato.