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Uma mulher é assassinada a cada seis horas no Brasil, vítima de feminicídio

Fotografia em preto e branco de manifestação do grupo Quem Ama não Mata, em Belo Horizonte

Reprodução: Facebook / Quem ama não mata

Nos últimos anos, o crime de feminicídio vem crescendo no Brasil, conforme  mostram dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: Somente no primeiro semestre de 2022, foram 699 mulheres mortas apenas pelo fato de serem mulheres, o que resulta em, aproximadamente, uma mulher assassinada a cada seis horas. 

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

História do termo e da luta

Para falar de feminicídio, é necessário entender primeiro de onde veio este termo, e é isto que Carmen Hein de Campos, que é pesquisadora da área e foi assessora na CPMI das mulheres de 2013, que propôs a lei do feminicídio, explica:

O termo feminicídio é cunhado por Marcela Lagarde, em virtude de uma série de mortes de mulheres que aconteceram na cidade de Juárez [Mexico], para diferenciar do termo femicídio, que poderia ser simplesmente a morte de mulheres, em contraposição com a palavra homicídios.

Carmen Hein de Campos

Na época, Marcela Lagarde era deputada federal do México, e criou uma comissão para investigar essas mortes. Ao constatar que eram mortes por omissão e conivência do Estado, dizia que não eram apenas mortes de mulheres, eram uma política de Estado.

Antes disso, a ativista Diana Russell já havia proposto, na década de 1970, o termo femicide (femicídio) para falar das mortes de mulheres em razão de seu gênero. “No entanto, com a disseminação do assunto pela América Latina, os países passaram a usar os termos feminicídios e femicídios da mesma forma, fazendo com que hoje não haja diferença entre eles”, explica Carmem de Campos.

Confira a linha do tempo com a breve história do termo e da luta

Feminicídio: assassinato de uma mulher motivado pela sua condição de gênero

Enquanto o termo feminicídio ainda estava sendo disseminado e passando por mudanças, a luta contra este tipo de crime já tinha começado. “Os fenômenos surgem antes das palavras”, afirma Mirian Chrystus, jornalista e fundadora do movimento Quem Ama Não Mata (QANM), um dos primeiros grupos que vociferou oposição à violência contra à mulher. 

Para a jornalista e ex-professora, falar sobre a origem do QANM é falar do ato público realizado em 18 de Agosto de 1980, na Igreja São José (foto). O ato foi organizado pela inquietação de muitas mulheres da sociedade perante os assassinatos de Heloísa Ballesteros Stancioli e Maria Regina de Souza Rocha, que foram mortas pelos maridos com menos de 20 dias de diferença. A manifestação reuniu cerca de 400 mulheres em frente à Igreja e contou com falas da poeta Adélia Prado e da ativista Helena Grecco, entre outras.  

Ato na Igreja São José em 1980 (Reprodução Facebook Quem Ama Não Mata)

Depois do ato, mulheres participantes se reuniram e criaram o Centro de Defesa da Mulher, que pesquisava a violência contra a mulher, e também o SOS Mulher, que prestava suporte emocional e, às vezes, jurídico, a mulheres em situação vulnerável. Mas apesar do ato de 1980 e da criação dos órgãos, o QANM só se tornou realmente um movimento em 2018, quando Mirian Chrystus postou no Facebook sua indignação ao ver o aumento dos relatos muitos casos de feminicídios:

Assisto televisão e quase todo dia uma mulher é morta”.

Mirian Chrystus

Conversando pelo Facebook com a também jornalista Helen Ventura, Mirian afirmou que elas precisavam fazer algo, e que tinha que ser algo grande. Então, Helen Ventura sugeriu: “Quem sabe a volta do Quem Ama Não Mata?”. Essa conversa resultou no retorno do grupo, com mais pluralidade: “Em 1980 você tinha poucas vozes na sociedade. Em 2018, havia mulheres negras, profissionais de sexo, trabalhadoras rurais e, também, transexuais e travestis”. 

Hoje, o QANM segue na luta contra qualquer tipo de violência contra a mulher, agora, junto de muitos outros grupos.

Foto: João Godinho

Afinal, o que diz a lei do feminicídio?

Atualmente, o Brasil tem duas importantes leis que combatem a violência contra a mulher: a Lei Maria da Penha, criada em 2006 com o intuito de prevenir e lidar com violências no âmbito doméstico, e a Lei do Feminicídio, que nasceu em 2015 para tipificar o crime. Patrícia Habkouk, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de MG, conta na entrevista abaixo mais detalhes sobre a legislação brasileira.

Qual foi a importância da promulgação da Lei Maria da Penha?

A Lei Maria da Penha foi um divisor de águas na temática do enfrentamento à violência doméstica por instituir um sistema de proteção específico, o que até aí a lei não tinha.

Qual o papel da Lei do Feminicídio?

A Lei do Feminicídio é fruto da CPMI que analisou a vigência da Lei Maria da Penha e sua não aplicação na integralidade e, uma das conclusões desta CPMI, era a necessidade de tipificar o crime de feminicídio. É necessário, sim, essa figura típica porque a gente sabe que as mulheres morrem dentro de casa pelas mãos dos seus parceiros, é um crime decorrente de um contexto de violência doméstica familiar e precisa ter um olhar diferenciado.

A Lei do Feminicídio resolve o problema do feminicídio?

Quem nos dera que a existência de uma lei por si só resolvesse a violência, não resolve. Feminicídio é o último e mais cruel ataque a uma mulher por condições de gênero, e essa violência é, ainda, infelizmente, muito naturalizada, fruto da nossa cultura machista, misógina e patriarcal, então, não é só a lei que modificaria esse cenário.

A legislação brasileira ainda precisa ser mais alterada?

A legislação do Brasil, especialmente nos últimos tempos, tem tido bastante alterações e eu não acho que as leis de combate à violência contra a mulher precisam de mais alterações. A gente precisa cumprir a lei, ter políticas públicas de prevenção, campanhas educativas, seguir mesmo os eixos traçados pela lei.

Apesar das novas legislações e da contínua luta contra a violência à mulher, sobra uma pergunta: é todo mundo que se importa com feminicídios?

Quem se preocupa com feminicídios?

A apresentadora Branca Vianna, idealizadora do podcast Praia dos Ossos*, que reconta a história do assassinato de Ângela Diniz, afirma que, a cada 100 ouvintes, 75 são mulheres. Para a apresentadora, esse interesse menor dos homens em tratar sobre o tema vem da sociedade patriarcal, que não se preocupa muito com a vida das mulheres. Além disso, a forma como os jornais cobrem feminicídios também ajuda a reduzir a noção de gravidade do problema, já que, para Branca Vianna, “a forma como a mídia conta, às vezes, tira o foco do homem, quando se coloca que mulher é morta por algo ao invés de mulher assassinada pelo parceiro“.

Os investimentos em políticas públicas contra a violência à mulher também é um indicativo de quem se importa com os feminicídios:

Fonte: (gráfico em milhões)

Nos orçamentos propostos pelo último governo, que foram encaminhados ao Congresso em 2020 e 2022, foram sugeridos R$ 22,96 milhões para políticas específicas de combate à violência contra a mulher, resultando em uma redução de 94% de recursos indicados, comparado aos orçamentos apresentados em 2016 e 2018.

* Confira o podcast Praia dos Ossos:

Como prevenir?

Mesmo com os casos aumentando e com as políticas públicas diminuindo, existem medidas e lugares que ajudam na prevenção dos feminicídios. A advogada Verônica Suriani que, ano passado, foi esfaqueada por seu ex-marido e salva pela babá de seus filhos (caso que ganhou grande repercussão na mídia), afirma que é importante ficar atenta a qualquer sinal de violência, seja um tapa, um empurrão ou até mesmo a violência sexual. Além disso, o controle  financeiro por parte do parceiro também pode ser um indicador de uma relação violenta e controladora. 

“No mínimo de violência a gente deve se afastar, denunciar e, é óbvio, em uma questão mais séria, pedir uma medida protetiva”

Verônica Suriani

Se necessário buscar ajuda, a Casa Tina Martins, a Delegacia da Mulher e o Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência podem ser uma opção:

Casa Tina Martins:

A Casa Tina Martins é uma ocupação, organizada pelo Movimento Olga Benário, que busca acolher e prestar apoio a mulheres em situação de violência. A casa fica localizada no bairro Funcionários, na região central da cidade.

Delegacia da Mulher:

As Delegacias Especializadas de Defesa dos Direitos das Mulheres (DEAMs) são delegacias especializadas da Polícia Civil que investigam crimes de violência contra à mulher e atuam na prevenção destes. A DEAM de Belo Horizonte fica no bairro Barro Preto e funciona de segunda à sexta, das 8h às 18h.

Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência:

O Ponto de Acolhimento é uma parceria da Polícia Civil com a Câmara Municipal e fornece às mulheres em situação de violência alguns serviços, como a orientação jurídica, o registro de ocorrência e o encaminhamento para casas de abrigo, além de outros. O Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência funciona na Av. dos Andradas, no nº 3.100.

“Quem ama, não mata. Quem ama, ama!”

Nely Rosa

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