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Fred Melo Paiva: o atleticano que vivenciou do punk à censura

Com uma redação de jornal ao fundo e desfocada, Fred aparece em primeiro plano, de camiseta branca, cabelos castanhos lisos, na altura do queixo, bigode e barba rala, segurando o livro de sua autoria que tem a capa preta e branca, nas cores do Atlético.

Fred Melo Paiva e seu livro “O atleticano vai ao paraíso” / Foto: Site No Ataque

O dicionário explica:
Punk: diz-se de ou movimento caracterizado pela contestação e desprezo pelos valores sociais, que surgiu na Inglaterra no final da década de 1970, reunindo jovens, por vezes violentos, que adotavam atitude provocativa, por meio de sinais exteriores, como roupas, cabelos, tatuagens etc.
Infiltrado: Que ou quem entrou secreta ou sub-repticiamente numa organização, num grupo ou numa região, geralmente para espiar ou para agir segundo um plano.
Censurado: 1. que sofreu censura moral, religiosa, política etc. 2. cujo defeito, problema foi apontado; criticado, notado.

Com certeza, a carreira renomada do personagem principal deste texto não se resume ou restringe a essas definições, mas os termos podem ser usados para compreender a personalidade e a trajetória do jornalista Fred Melo Paiva.

O punk

Fred Melo Paiva tem 53 anos, é mineiro, natural de Belo Horizonte, criado no bairro Dom Silvério e filho de uma família clássica: pai e mãe que vieram do interior para ganhar a vida na capital. Seu pai é Davi Paiva, publicitário de relevância nacional, que dentro de casa sempre incentivou a leitura e escrita, já influenciando o pequeno Fred, que o “culpa” pela habilidade e facilidade com a escrita.

Durante o período escolar, Fred estudou no tradicional Colégio Marista, em Belo Horizonte, que é comandado pelos irmãos Maristas, religiosos consagrados pela Igreja Católica, o que mais tarde culminaria em sua expulsão, pois Fred descobriu aquilo que iria influenciar e mudar sua vida para sempre: o Punk Rock. Por conta de comportamentos rebeldes e atitudes contrárias à doutrina do colégio, Fred precisou deixar a escola. 

Esse precoce acontecimento não seria em vão. A atitude punk iria acompanhá-lo pelo resto da carreira, formando também sua personalidade. Naturalmente, por conta da presença e influência do pai, Fred acabou optando por seguir na publicidade, estudando na PUC Minas.  Estagiou na Setembro, empresa que o pai era um dos sócios, mas isso não iria perdurar por muito tempo. Tendo um pensamento crítico forte, Fred começou a se incomodar com a empresa e a publicidade. “Como eu iria fazer uma coisa que empurrasse o produto nas pessoas? (…) Apropriação de elementos da publicidade para criação de candidatos, como se fossem produtos. O momento em que as empresas e o capitalismo sequestram a democracia.” Com esse questionamento, Fred tomou a decisão de mudar para o curso de Jornalismo, na mesma universidade, o que parecia fazer mais sentido com seus ideais.  

Durante a guinada na carreira, Fred se viu diante do maior desafio até aquele momento: descobriu que iria se tornar pai. E como uma pessoa que descobre que vai se tornar pai aos 18 anos, desesperou-se e se viu na obrigação de ter que fazer alguma coisa. “Minha vida confortável de playboy do Dom Silvério deu uma embicada para uma coisa de muita ralação e trampo.” Fred então saiu de casa e pela primeira vez teve que procurar um emprego. Acabou caindo de paraquedas no telemarketing, setor que permaneceu até o fim da faculdade. 

No fim da graduação, Fred enxergou em uma seleção da Editora Abril a oportunidade para trabalhar no ramo. O esquema do “cursoabril” era simples, a editora selecionava jovens pelo Brasil para fazer um curso lá dentro, e depois, alguns poucos seriam selecionados para trabalhar de modo efetivo. 

“O material para o concurso da Abril eram dois textos, e eu fiz tudo em um dia.” A facilidade e grande habilidade com escrita, que ele chama de “dom”, ajudaram a ser aprovado. Fred, então, seguia rumo a São Paulo, onde iria morar e seguir o sonho de atuar como jornalista. Ao ser efetivado pela Abril, foi direcionado para a revista Playboy. Ele diz que aquele era o melhor lugar de textos da Editora e que no periódico viveu a verdadeira faculdade. Aprendeu o que é uma redação e sua rotina, já que nunca tinha visto uma antes até aquele momento, e teve o prazer de conviver com grandes nomes que lá trabalhavam, como Humberto Werneck, Nirlando Beirão, Ricardo Setti, entre outros que o ajudaram a lapidar a produção. 

O infiltrado 

Depois de morar um tempo em São Paulo, para concluir o curso, Fred viajou para londres, queria conhecer os punks na Inglaterra, onde surgiram, porém nesse trajeto passava por um “aperto” financeiro, naquele momento recebeu um e-mail da revista Veja, ele não pensou duas vezes e aceitou a proposta, mesmo sendo a maior revista do país naquele momento, Fred diz que trabalhou lá por nove meses, entretanto, relata que era um ambiente  “escroto pra caralho”.

Após essa experiência, também trabalhou na revista Isto é, mas poucos meses depois recebeu uma proposta de um cargo maior na revista trip, para ser redator chefe na ocasião, algo que o encantou naquele momento de sua carreira, onde começou a misturar o jornalismo com literatura, escrevendo livremente. Ele diz que aprendeu muito naquele período: “a revista exigia um grau de criatividade que eu nunca tinha experimentado.”

Fred diz que todo este momento criativo de sua carreira, misturando o jornalismo convencional com um pouco de fantasia e sua forma de ver o mundo acabou auxiliando no surgimento de uma das suas obras mais famosas, no audiovisual a série O Infiltrado, que para ele nada mais era do que uma grande reportagem, misturada com o reality show, formato que estava em ascensão na época.

Fred Melo Paiva em uma série O Infiltrado / Foto: Série “O Infiltrado”

O seriado fez bastante sucesso, se caracterizando pela abordagem ousada e inovadora, desafiando convenções jornalísticas e propondo uma reflexão crítica sobre identidade, cultura e alteridade, tentando entender perspectivas dentro de assuntos que o Fred talvez nunca teria participado constantemente, ou tentando se livrar de uma doença, que é sua paixão pelo futebol. O reconhecimento pela sua produção veio pela indicação ao Emmy Internacional de 2014 na categoria “Non-Scripted Entertainment”. A indicação foi um marco importante, mostrando que uma produção brasileira com uma pegada diferente  misturando jornalismo, humor e imersão gera destaque para um jornalista tão criativo.

O jornalista

Fred trabalhou muito tempo no impresso e depois teve sua transição para o digital, o mesmo diz que a mudança foi por conta de questões financeiras e também por sentir “a água bater na bunda”, e muito por conta disso fez a mudança. Os momentos mais importantes no impresso foram a Playboy, a Trip e o Estadão, esses três locais sendo a escola de Fred no jornalismo. O mesmo diz que a internet pulverizou muita gente, como acontece na música. Hoje, o mesmo possui uma coluna na CartaCapital sobre política.

Apesar de hoje também trabalhar nas mídias digitais, Fred diz que foi algo assustador para o jornalismo. “Hoje as pessoas não acreditam que existe um fato, pois o que triava o fato era a estrutura do jornalismo.” A alguns anos atrás, Fred fez uma matéria com o título ‘O jornalismo irá sobreviver?’, e hoje, a resposta definitiva de Fred é que ele vai sobreviver, porém é um olhar otimista, apesar de tudo o que ele vê. Segundo o jornalista, se o jornalismo não sobreviver, a democracia também não irá.

O censurado

Fred diz que acima de tudo, é um torcedor do Atlético, de estádio, e de uma geração diferente. O jornalista cita que vivenciou fases distintas com o time, mas em todas nunca deixou a paixão de lado, além de conviver com familiares de torcidas organizadas e também conselheiros do clube. Fred começou a escrever sobre o Galo aleatoriamente: “eu editava um caderno de cultura em São Paulo num jornal de economia, um dia o cara do futebol faltou e me falaram que eu pirava em futebol, mesmo não entendendo, escrevi sobre o Atlético e um cara do Estado de Minas viu”. O mesmo diz que nunca sentiu vontade de trabalhar com futebol, muito por conta das raízes punk e a vontade de trabalhar com política.

Fred diz que sempre fez loucuras pelo Atlético, morando em São Paulo desde 96, viajava constantemente para Belo Horizonte e também assistia a todos os jogos em São Paulo, mas acima de tudo, sempre bateu na tecla de que era jornalista, e que seus chefes eram o jornal e o leitor. Por isso, sempre teve suas oposições e críticas à diretoria atual do Atlético. “Minha opinião sincera é que são quatro picaretas cheios de grana que deram um puta golpe na gente.”

Sobre a censura no mural da Arena MRV, Fred se sente lisonjeado pelo fato ocorrido. “Esse tipo de gente mandar me apagar do muro, eu achei um delírio, fiquei super feliz, porque não tô nem aí pra minha imagem no muro.” O jornalista cita amizades com Caetano Veloso, Reinaldo, e diz que não se abala com o que aconteceu, dizendo que hoje não possui idolatria pelas pessoas. Diz que possui inimigos por falar de política, porém é sempre bem recepcionado quando vem à Belo Horizonte, e isso é o que importa, além de dizer que “é um prêmio para o jornalista a quantidade de processos que você toma de picaretas”, além de citar processos de Zezé Perrella e Ronaldo Fenômeno.

Fred Melo Paiva censurado no mural da Arena MRV / Foto: BHAZ

Sobre o momento atual do futebol e das SAFs, Fred relaciona os clubes de futebol com algumas escolas de samba, dizendo que são patrimônios culturais e que ajudam a entender quem nós somos. O jornalista diz que a festa popular com que fez ele se tornasse atleticano está se perdendo com a SAF. Não são os títulos que impulsionam a torcida, e sim a festa popular, apesar que o objetivo final era o título, hoje é o lucro. Ele diz que a paixão não é necessária em uma empresa, e no momento atual do futebol, os clubes são empresas, e por isso, ele acha que a SAF não irá perpetuar por muito tempo, já que não existe paixão envolvida, ainda mais no Atlético, onde ele diz que é uma empresa amadora, e para o político, é algo muito bom algum time quebrar e o político salvar, já que é uma grande massa de pessoas.

Conteúdo produzido por Luis Felipe, Guilherme Siqueira e Matheus Murici na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. A monitora Danielly Camargos auxiliou na edição digital.


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