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Fotojornalistas registram cicatrizes da mineração em Minas Gerais

Escritório de gerência na sede da Vale/ Foto: Isis Medeiros

Atrás das lentes de câmeras profissionais, histórias de vida, dor, esperança e resistência. Fotógrafos como Isis Medeiros, Victor Moriyama e Rebeca Binda têm imortalizado as consequências da mineração em Minas Gerais, revelando um cenário de destruição e desigualdade que persiste até hoje. Suas imagens levam a uma jornada pelas regiões atingidas por tragédias como Mariana e Brumadinho, onde as cicatrizes da exploração desenfreada se fazem presentes tanto na paisagem, quanto nas vidas das pessoas.

Foto: Rebeca Binda

Os desastres de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, transformaram para sempre a relação entre o homem e o ambiente na região. Com lama tóxica cobrindo casas, campos e rios, esses fotojornalistas tornaram-se os olhos do mundo, documentando a dor e a destruição deixadas pela mineração. Para eles, as imagens vão além do registro visual — são chamadas urgentes por responsabilidade, justiça e mudança. Ao retratar o impacto da mineração, a humanização das vítimas emerge como tema central, com Isis Medeiros descrevendo suas imagens como um convite para conhecer as histórias por trás delas. Já Victor Moriyama enfatiza a importância de lembrar que são seres humanos, não apenas números, que estão por trás dessas tragédias. 

A impunidade persiste, com o mais recente julgamento das mineradoras tendo ocorrido no dia 21 de outubro de 2024, quando um tribunal no Reino Unido deu continuidade ao julgamento da ação coletiva contra a mineradora BHP, onde os afetados pelo desastre de Mariana exigem bilhões de dólares em indenizações adicionais. Apesar de a empresa já ter efetuado compensações no Brasil, o andamento lento desse processo na Inglaterra e a falta de um desfecho definitivo aumentam a sensação de impunidade para as vítimas, reiterando a urgência da luta por reparação e responsabilidade concreta. Isis Medeiros acompanhou e registrou esse momento histórico, compartilhando com seus seguidores, o desdobramento e reafirmando o apelo incessante por justiça — uma batalha que ainda está longe de ser vencida.

Dados da Fiocruz e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) indicam que cerca de 2,5 milhões de pessoas foram diretamente afetadas pelos desastres de Mariana e Brumadinho. Mais de 700 km de cursos d’água foram contaminados, afetando também o litoral do Espírito Santo e da Bahia. As áreas devastadas somam mais de 300 km², transformando o verde vibrante das montanhas em desertos ecológicos. Isis Medeiros, Victor Moriyama, Nilmar Lage e Rebeca Binda enfrentaram desafios para captar imagens que não apenas documentam os eventos, mas também cobram responsabilidade e justiça.

O papel da fotografia na denúncia social

Para Isis Medeiros, uma das fotojornalistas mais envolvidas com as comunidades afetadas, a fotografia transcende a captura de cenas devastadoras. Suas imagens revelam as vidas por trás dos números, mostrando a resistência daqueles que tentam reconstruir suas vidas. “A fotografia tem um poder de denúncia que vai além das palavras. É fundamental mostrar não só as tragédias, mas as histórias de quem luta pela dignidade”, reflete Isis.

Victor Moriyama, que já cobriu desastres em várias partes do mundo, compartilha uma visão semelhante. “A fotografia sensibiliza e mobiliza a sociedade. Por trás de cada número, há uma vida interrompida,” afirma. Ele vê sua missão como uma forma de manter viva a memória e de exigir ações das grandes corporações mineradoras. 

Entretanto, o trabalho dos fotojornalistas é complicado por tentativas de greenwashing — campanhas que promovem práticas “verdes” que não representam mudanças reais. Victor Moriyama alerta: “Essas campanhas muitas vezes mascaram os danos e desviam a atenção das injustiças reais. Precisamos de vigilância fotográfica para expor a verdade.”

Desafios éticos e emocionais

Nilmar Lage, que cresceu em uma região marcada pela mineração, traz uma perspectiva pessoal ao seu trabalho. Ele destaca a dificuldade de acessar áreas contaminadas e ganhar a confiança das comunidades locais. “As pessoas se sentem traídas e abandonadas. Fotografar esses lugares exige conexão real com essas pessoas,” explica.

Rebeca Binda, que trabalha de forma imersiva com as comunidades, enfatiza a importância de criar relações de confiança. “Não se trata apenas de capturar a realidade, mas de fazê-lo de forma que não re-traumatize as vítimas,” diz. Para ela, o suporte psicológico é essencial para lidar com o impacto emocional de registrar tragédias dessa magnitude.

O futuro da mineração em Minas Gerais

As cicatrizes deixadas pelos desastres são físicas e estruturais. A discussão sobre o futuro da mineração em Minas Gerais cresce, à medida que muitos acreditam que o modelo atual de exploração está esgotado. Apesar da demanda global por minérios, há uma pressão crescente por práticas mais sustentáveis.

Rebeca Binda observa que a questão vai além da tecnologia: “É um compromisso ético com as comunidades e a reparação dos danos”. Um futuro sustentável só será possível com uma mudança de mentalidade nas corporações, priorizando o bem-estar social e ambiental.

A articulação de movimentos sociais e ambientais é crucial para pressionar governos e mineradoras por um modelo de desenvolvimento que valorize a vida e os direitos das comunidades atingidas. O trabalho de fotojornalistas é vital para trazer essas pautas à luz e fomentar o debate sobre o futuro da mineração.

O papel da mídia

A cobertura da mídia sobre os desastres de Mariana e Brumadinho é frequentemente discutida pela imprensa mineira e por fotógrafos ambientalistas. Embora tenha amplificado as vozes das vítimas, há críticas sobre a profundidade e continuidade dessa cobertura. Rebeca destaca a desconfiança das comunidades em relação à mídia, que frequentemente desaparece após o alvoroço inicial: “Após os desastres, há uma avalanche de matérias, mas as comunidades continuam sem solução”, observa.

Isis Medeiros ressalta a necessidade de equilibrar o desejo de sensibilizar o público com o respeito às pessoas fotografadas, evitando que sejam reduzidas a símbolos de tragédia. Victor Moriyama adverte sobre o risco de saturação, onde o público pode se tornar indiferente às imagens de destruição.

Em meio a esses desafios, a imprensa independente e os veículos comunitários têm desempenhado um papel crucial, mantendo vivas as histórias de sofrimento e resistência. As fotografias capturadas nessas tragédias transcendem o mero registro; são memórias vivas e lembretes de que, por trás de cada desastre, existem histórias humanas que precisam ser ouvidas e preservadas. O trabalho de Isis Medeiros, Victor Moriyama, Nilmar Lage e Rebeca Binda demonstra que o fotojornalismo é uma ferramenta poderosa para a transformação social. Ao manter viva a luta por justiça e responsabilidade, essas imagens garantem que as cicatrizes da mineração não sejam esquecidas e que histórias como essas não se repitam.

Foto: Rebeca Binda

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