Poucas horas antes da entrevista ocorrer, Fernando Zuba propôs que a conversa fosse feita pelo WhatsApp. Como desejávamos um conteúdo mais completo, era inviável que o bate-papo fosse feito apenas por troca de mensagens. Ele aceitou fazer uma vídeochamada, mas, ainda assim, a sensação era de desconfiança.
Por mais que Fernando Zuba tenha sido atencioso nas mensagens iniciais, ele ainda se demonstrava uma pessoa reservada, mas o receio de que isso pudesse dificultar o andamento da entrevista logo foi desfeito. Receptivo e solícito, Zuba, como é mais conhecido, criou um ambiente confortável para a conversa, abriu a webcam e contou sobre a trajetória pessoal e no jornalismo.
Já no início do diálogo, Zuba, 49 anos, descreveu-se como um amante da música, artes e cultura. Natural de Belo Horizonte, formou-se no Centro Universitário UNA, é casado e pai de uma arquiteta e de um estudante de designer. Por trás do homem reservado e discreto, ele se identificou como um assíduo leitor e entusiasta do jornal impresso e que enxerga a leitura como um fator importante para a formação pessoal e profissional.
De pai para filho
O jornalista compartilhou a influência que seu pai teve na escolha profissional. Celso Fernando Ferreira Zuba nasceu em Montes Claros e, ainda jovem, mudou-se para Belo Horizonte para trabalhar como jornalista investigativo. Zuba pai teve passagens por jornais do conglomerado dos Diários Associados, como Estado de Minas e o Jornal de Minas, produzindo reportagens policiais e dossiês contra políticos. Desde cedo, levava o filho para as redações em que trabalhava. Dentre elas, a Rádio Capital, onde transmitia as experiências e paixão pela profissão para Zuba filho.
O ápice da carreira de Zuba pai foi a cobertura jornalística in loco da Guerra das Malvinas (1982), que deu origem ao livro Malvinas: Crônicas de uma Guerra. A obra literária, iniciada pelo pai e concluída pelo filho, apresenta análises, memórias e sentimentos dos soldados, ressaltando medo, dúvida e esperança. Ele faleceu um ano após a publicação da obra.
A semente do começo
Fernando Zuba possui uma ampla experiência jornalística, com passagens por emissoras de rádio e jornais tradicionais em Minas Gerais, como O Tempo, Hoje em Dia, Estado de Minas/Aqui, Metro, Rádio Inconfidência e TV Globo, onde atualmente trabalha no Núcleo de Jornalismo Investigativo. Antes de se consolidar no jornalismo investigativo, passou por editorias de esportes e de jornalismo policial.
Zuba rasgou elogios à experiência adquirida no jornal impresso, descrita por ele como vital para qualquer jornalista. Ele explica que isso deu uma base importante para aprofundar no investigativo e aprimorar técnicas de leitura e escrita.
A editoria de polícia devia ser a porta de entrada para todos os jornalistas. É onde você tem que apurar mais, uma área muito sensível. A informação é importantíssima, você está apurando diariamente crimes, como aconteceram, motivação, autoria, então foi a minha base para começar no jornalismo, inclusive investigativo, que faço hoje.
Fernando Zuba, jornalista
Trabalho investigativo
Para Zuba, o trabalho investigativo é árduo, exige monitoramento diário e pode se prolongar por meses, visto que, entre o surgimento de uma denúncia e a chegada às fontes, há uma série de informações a serem apuradas. Atualmente, o jornalista é o único jornalista responsável pelo núcleo investigativo da Globo Minas, setor que já teve outros nomes, como Naiana Andrade, Lucas Ragazzi e Ricardo Melo.
Ao falar mais sobre o trabalho, considerado uma paixão, Zuba também não se omitiu de falar sobre as dificuldades da carreira. O desafio de cultivar fontes, que, segundo ele, ocorre a “passos de formiguinha”. Ele afirma que o jornalismo investigativo já tem um grupo de profissionais de confiança das fontes, por isso, criar leva tempo para um novo rosto se firmar.
A constante presença dele na Polícia Federal, para se apresentar e se aproximar das fontes é um exemplo de como faz para cultivá-las. Zuba destacou que, após ganhar confiança, não pode quebrá-la.
Descrição
Trabalhando com temas delicados, Zuba é uma pessoa discreta. A falta de dados públicos sobre sua trajetória contrasta com a importância do trabalho que exerce. A segurança pessoal e privação da própria imagem na profissão fazem parte dos cuidados de um jornalista investigativo. Para demonstrar os riscos, Zuba citou o famoso caso do assassinato do jornalista Tim Lopes.
O caso do Tim Lopes é um caso de grande instabilidade. Ele fazia uma matéria investigativa. […] E a gente tem que, sim, tomar um certo cuidado. Você está denunciando pessoas, empresas, facções que estão, via de regra, cometendo atos irregulares. Então, é aí que você tem que ter um cuidado.
Fernando Zuba.
Ainda assim, Zuba confessa que se sente seguro no exercício da profissão, pois toma as precauções necessárias, como mostrou ao ser entrevistado por nossa equipe.
Zuba defendeu com afinco a necessidade do trabalho investigativo, de mostrar as mazelas de uma sociedade, ainda mais considerando o atual cenário político brasileiro. “A gente está num nível de ataque à democracia sem fim”, afirma.
Zuba também comentou que, mesmo com as dificuldades, o jornalismo investigativo não está à deriva. Cruzar dados e usar a Lei de Acesso à Informação são algumas maneiras para facilitar o trabalho.
É importante abordar a censura nesse tipo de jornalismo. De acordo com Zuba, ele nunca foi censurado. Contudo, lidou com diversos processos jurídicos ao longo de sua vida, o que demonstram tentativas de pressão. Mas o jornalista fez questão de frisar que nunca perdeu um caso. Também comentou que “o jornalismo investigativo busca mostrar as irregularidades que pessoas e órgãos tentam esconder, [então] é comum que as pessoas afetadas recorram à Justiça”.
Narrativas que impactaram
Zuba revelou que, durante o período da ditadura, o pai fez parte do Jornal de Minas, jornal histórico que mal pagava o salário de seus funcionários e era dirigido por um colaborador que apoiava o regime militar. Cerca de 40 anos depois, Zuba filho coletou 34 depoimentos e uma entrevista com o ex-proprietário do veículo, Afonso Paulino, para produzir o livro Jornal de Minas: Histórias que ninguém leu. A obra, publicada em 2018, relata os bastidores dos acontecimentos e do jornal.
O jornalista contou que reuniu pessoas que fizeram parte da equipe do jornal nas décadas de 1970 e 1980. Segundo ele, os conteúdos da época, como a cobertura da morte do jornalista e militante do PCB Vladimir Herzog, que foi assassinado na base do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) durante o período da ditadura, foram enriquecedores. Zuba destacou jornalistas renomados como Ronaldo Solha, Manoel Hygino e Maria Clara Prates como responsáveis por colaborar com essa experiência.
De acordo com Zuba, a ideia do livro foi mostra os bastidores e o modo como as histórias eram contadas, das investigações e de como eram feitas as apurações naquele tempo.
Não tinha telefone celular, não tinha internet, não tinha computador. Era máquina de escrever, era diferente, era outro tempo.
Fernando Zuba.
Destacando a evolução do jornalismo e das tecnologias, Zuba ressaltou que a essência do jornalismo ainda é a mesma: exercer um pacto de confiabilidade com a sociedade. De acordo com ele, se o que está enterrado não for publicado nunca, o crime e a roubalheira vão continuar e, por isso, considera tão importante ter feito parte disso.
Entre seus trabalhos de grande repercussão, Zuba destacou, além do caso do goleiro Bruno e do rompimento das barragens de Brumadinho e Mariana, o caso da falsa vacinação da Covid-19. Na ocasião, uma falsa enfermeira aplicou um golpe em um grupo de empresários que tentavam furar a fila da vacinação em Belo Horizonte. Cobrando 600 reais pela vacina, ela utilizou soro fisiológico para aplicar nos pacientes, dizendo que era um imunizante contra a Covid.
Como um dos responsáveis pela apuração e investigação do caso, Fernando Zuba se mostrou comovido com a situação. Na opinião dele, são dois pontos que se chocam. Primeiro, a falta de respeito dos que tentaram furar a fila e, também, a falta de humanidade de quem falsificou e vendeu a vacina, se aproveitando do desespero das pessoas. “Foi um período muito difícil, muito desgastante”, disse o jornalista.
Zuba declarou que esse foi o caso mais impactante da sua carreira, principalmente por conta dessa desumanização e de todas as camadas de insensibilidade que o permeiam: “É chocante ver até onde o ser humano chega.”
Reconhecendo excelências
Ao ser questionado acerca do reconhecimento de seu trabalho, Zuba respondeu de maneira humilde e objetiva: o verdadeiro reconhecimento se dá quando o trabalho do jornalista converte-se em resultados concretos para a sociedade.
Segundo Fernando Zuba, a grande satisfação está em ajudar a realizar mudanças na sociedade. Para ele, a recompensa é ver que após denúncias de abusos do poder público, ver o dinheiro das pessoas é reaplicado de forma legal e corrigindo demais problemáticas sociais por meio do trabalho jornalístico.
Sobre conquistas profissionais, Fernando Zuba destacou os três prêmios do Sindicato de Jornalistas de Minas Gerais, resultado de reportagens de denúncia e investigação. Desses, dois ele ficou em primeiro lugar e o outro em terceiro lugar, todos recebidos enquanto trabalhava na Globo. Reforçou que esses prêmios, embora gratificantes, não são a meta. Zuba deixou claro que o reconhecimento que realmente importa para ele é o impacto positivo que o trabalho dele pode gerar.
Isso não é o reconhecimento que o jornalista, sinceramente, busca. É uma recompensa, né? Você deita e dorme, mas você deita e dorme muito melhor quando você desfaz ou consegue combater o mal que estava sendo feito para a sociedade, especialmente, para as classes menos favorecidas.
Fernando Zuba.
Dentre as principais inspirações profissionais, Zuba citou outros jornalistas do ramo investigativo como Eduardo Faustini, Caco Barcellos e Maurício Ferraz. Ele também recordou do amigo e jornalista da TV Globo, Ismar Madeira, correspondente internacional da emissora desde 2019.
Conselhos para futuros jornalistas
O jornalismo investigativo nunca foi tão necessário como nos dias de hoje
Fernando Zuba.
Ao ser perguntado sobre quais conselhos daria para quem está ingressando no jornalismo, Zuba levou em consideração o cenário atual do país, marcado pela polarização política e a intensa disseminação de fake news. Isso, segundo ele, coloca em xeque a credibilidade do papel de jornalista, para enfrentar essa desconfiança é preciso ter persistência, estudo e um trabalho de apuração detalhista. Afinal, o jornalismo tem um compromisso social a ser zelado.
O jornalista também fez críticas à classe política que é responsável, na visão dele, por tentar intervir de maneira direta no processo jornalístico, utilizando inclusive a censura. Ele descreveu o livro do escritor e jornalista brasileiro, Ricardo Kotscho, “Do Golpe ao Planalto: Uma Vida de Repórter(2006)” como essencial para a formação crítica e profissional de futuros jornalistas. A obra aborda as experiências e análises do autor em uma viagem por todos os cantos do país, explorando as repercussões dos principais acontecimentos do Brasil, partindo da Ditadura Militar de 1964 até a redemocratização.
Ele também cita o livro “A arte de fazer um jornal diário” (2002), escrito por Ricardo Noblat, que é um guia prático de técnicas de escrita, normas e estratégias para apurar informações. Ele encerrou salientando que o jornalismo vem sofrendo inúmeras transformações, especialmente com o desenvolvimento tecnológico, e que é preciso estar atento às mudanças para produzir um conteúdo factual.
Leia Também
Carlos Eduardo Alvim: A arte de sonhar e contar histórias
Daniela Arbex: Filha do papel e voz da resistência
Este perfil foi produzido por Arthur de Pinho, Bruna Sarnaglia, Ian Lima, Isadora Vianna, João Paulo Profeta, João Pedro Guido, Pedro Fraga, sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. O monitor Wallison Leandro colaborou com a edição digital.