O Brasil é o 5º país do mundo em taxas de assassinato de mulheres. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, houve 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres. Em Minas Gerais, o número de vítimas se manteve estável comparando-se os primeiros semestres de 2013, 2014 e 2015.Embora essa violência seja histórica, as mulheres têm demonstrado atitudes mais combativas e há, hoje, mais possibilidade de denúncia e punição aos agressores. Várias leis tornaram as penas mais rigorosas e a ação dos movimentos feministas colocaram o tema em debate pela sociedade.
Entrevista com Lívia Perez, diretora do documentário Quem matou Eloá:
De acordo com o Mapa da Violência de 2015, houve 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres. Em Minas Gerais, o número de vítimas se manteve estável comparando-se os primeiros semestres de 2013, 2014 e 2015. Houve, respectivamente, 288, 284, e 283 mortes.
A delegada Danúbia Quadros, da Divisão de Polícia Especializada da Mulher, afirma que, em Belo Horizonte, são requeridas, por mês, entre 600 e 700 medidas protetivas. Há mais de 20 casos de violência doméstica por dia. Danúbia acredita que a violência contra a mulher está aumentando.
Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa mantém a Comissão Especial Extraordinária das Mulheres.
A comissão discute temas sobre a condição das mulheres no Estado, incluindo a violência. São realizadas audiências públicas para acolher denúncias, dar visibilidade a elas e cobrar que se cumpra a lei. A comissão também organiza protestos na Assembleia, chamando atenção para os direitos das mulheres.
Em dois anos, a Comissão vem pautando discussões importantes sobre o tema.
A palavra “feminicídio” veio do inglês, femicide, termo que surgiu no século XIX e ganhou destaque com as lutas feministas dos anos 70. Embora já corrente na América Latina de língua espanhola, notadamente no México – país em que, como o Brasil, há altos índices de violência contra mulher –, a palavra tem uso recente em nosso meio. O termo começou a fazer parte do vocabulário jurídico brasileiro em 2015, quando a lei nº 13.104 incorporou esse tipo de homicídio qualificado ao Código Penal. Assim como o fratricídio, o infanticídio e o parricídio, a palavra passou a designar um dos vários tipos de homicídios tipificados na lei.
Apesar de a palavra significar “homicídio de mulheres”, de acordo com a lei, nem todo assassinato de mulheres se encaixa na categorização; apenas aqueles cometidos “por razões da condição de sexo feminino”. Isto é, quando as mortes resultam das diferenças de poder entre homens e mulheres nos contextos socioeconômicos em que se apresentam. São crimes intencionais e violentos contra a mulher em decorrência de seu gênero e da condição inferiorizada em uma cultura machista. É uma violência em razão do gênero.
A violência existe desde sempre, fundamentada em uma cultura historicamente machista. O que há de novo é a maior possibilidade de denúncia devido às novas leis, à visibilidade nas redes sociais, à ação dos movimentos feministas e ao debate que está generalizado na sociedade.
Até há pouco tempo, prevalecia o dito popular de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. O debate e a luta feminista estão provando que, muito pelo contrário, esse é um problema de toda a sociedade.
A legislação, que prevê a punição dos agressores, foi reforçada no Brasil. A Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 2006, define os 5 tipos de violência contra a mulher e prevê uma série de medidas protetivas e políticas públicas específicas para mulheres em situação de violência.
Essas medidas incluem encaminhar a mulher a programas de proteção, afastar o agressor do espaço de convivência com a mulher, proibir que ele se aproxime ou entre em contato com ela, entre outras.
O Código Penal, por sua vez, foi complementado em 2015 pela Lei nº 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio. Ela estabelece que homicídios cometidos contra a mulher, por razões da condição de sexo feminino, entram na categoria de homicídios qualificados, com pena de 12 a 30 anos. Há razões de condição de sexo feminino quando envolve violência doméstica e familiar, ou menosprezo e discriminação à condição de mulher.
Uma história de violência
Madu Carvalho sofreu violência por parte da polícia. Por ser mulher e negra, ela foi discriminada e não teve chances de se defender.
Foto: Fernanda Oliveira e Izabella Bontempo
Madu mora hoje na Casa Tina Martins, criada para abrigar mulheres em situação de violência.A Casa foi fundada pelo Movimento de Mulheres Olga Benário, em 8 de março de 2016. As militantes ocuparam o prédio da antiga Escola de Engenharia da UFMG e começaram a atender e abrigar as mulheres.
Desse prédio, elas se mudaram para um imóvel cedido temporariamente pelo Governo Estadual, na Rua Paraíba, nº 641, nos Funcionários. Isso evitou que as mulheres fossem despejadas da Escola de Engenharia. Mas a negociação para se conseguir uma sede definitiva prossegue, porque o espaço é provisório.
Outras casas de acolhimento estão ligadas a um consórcio entre as prefeituras de Belo Horizonte e de municípios vizinhos. A Casa Abrigo Sempre-Viva, inaugurada em 1996, tem esse nome em referência a uma flor do Cerrado que sobrevive à falta de água.
Andréa Chelles é analista de políticas públicas da Coordenadoria dos Direitos da Mulher, na Secretaria Adjunta dos Direitos da Cidadania da PBH. Ela comenta sobre a política pública:
A Casa Sempre-Viva oferece 14 vagas em quartos individuais para mulheres com seus filhos em 3 modalidades de abrigamento: a primeira é de curto prazo, e atende mulheres que precisam de 24 horas para organizar sua estadia em outro lugar. Já a de médio prazo atende mulheres que demandam um tempo maior para resolverem questões legais. O abrigamento por risco iminente de morte é de 90 dias e ocorre em situações extremas.
Antes de ser acolhida na Casa Sempre-Viva, a mulher passa por uma triagem no Centro Benvinda. O Benvinda (Centro de Atendimento à Mulher) nasceu de uma reivindicação por um espaço para receber mulheres em BH. Foi inaugurado em 1996. O Centro atende mulheres de 8 municípios da região metropolitana de BH, na rua Hermilo Alves, na Floresta. É mantido pelo Consórcio Mulheres das Gerais.
Tratamento inclui atendimento aos agressores
Os psicólogos Regina Pimentel e Reinaldo Pereira trabalham no Projeto Dialogar, atendendo agressores, que podem ser homens ou mulheres, que surgiu em 2013, numa parceria da Polícia Civil de Minas Gerais com o Tribunal de Justiça, e é realizado pela Coordenação de Direitos Humanos da Polícia Civil.
Os psicólogos coordenam oito encontros de duas horas, uma vez por semana, em grupos de 10 pessoas. São grupos só de homens ou só de mulheres. Mulheres são encaminhadas ao Dialogar quando são agressoras, em casos de casais homoafetivos ou de mães e filhas.
Desde 2013, apenas 5% dos agressores cometeram novos crimes contra a mulher. Mas o índice de reincidência não comprova que o ele mudou sua mentalidade machista. Há a possibilidade de o homem ter uma nova companheira e de ela não ter registrado as agressões. Mesmo assim, Reinaldo acredita que os grupos fazem as pessoas pensar. “É através dessa reflexão que eles vão tomar consciência e se responsabilizar pela conduta que têm em relação às mulheres”, diz o psicólogo.
O empoderamento da mulher na indústria cultural
Confira indicações de filmes, séries e quadrinhos que trazem reflexões sobre o gênero feminino, por Roberto Barcelos e Marina Moregula
A mídia pode repetir uma visão conservadora e machista sobre o gênero feminino, contribuindo para a manutenção dessa mentalidade e perpetuando o preconceito. Mas ela pode, da mesma forma, provocar o efeito contrário. Não se deve pensar nos efeitos da mídia sobre o empoderamento feminino apenas como negativos. Existem paradigmas que precisam ser desconstruídos, mensagens erradas que justificam formas de violência que não podem ser passadas.
Filmes, séries e livros têm um papel fundamental na educação das pessoas. Esses produtos têm o poder de provocar reflexões e críticas, alterando aos poucos a forma como a sociedade vê a mulher. Há a possibilidade de transmitirem pensamentos que pregam o respeito com o feminino e rompem estereótipos sexistas. Eles trazem reflexões sobre o que significa ser mulher merecem ser destacados e debatidos amplamente na mídia.
Expediente
Participaram dessa edição:
Coordenação Editorial: profa. Ana Maria Oliveira
Edição web: profa. Daniela Serra
Monitores: Bruna Curi e Marina Morégula (texto), Ana Luisa Santos (fotografia), Izabella Bontempo (fotografia), Fernanda Oliveira (fotografia) e Roberto Barcelos (edição de vídeo).
Vídeo Institucional produzido por alunos da disciplina Vídeo Institucional, sob orientação da profa. Elisa Resende.
Edição audiovisual: (LabAudio, LabFoto e LabVídeo Puc Minas Coração Eucarístico)
Colaboradores: Arthur Figueiredo (Infografia sobre violência contra a mulher) e Ricardo Malagoli (arte sobre empoderamento feminino na Indústria Cultural).
A reportagem especial sobre Feminicídio foi originalmente publicada no site da Revista Metáfora, projeto realizado na FCA entre 2017 e 2018, posteriormente descontinuado. Parte dos conteúdos originais da reportagem, como áudios e depoimentos de fontes, não foram republicados aqui devido à perda dos arquivos originais.