O termo fast fashion, em inglês, significa “moda rápida” ou “moda passageira” e representa um dos lados mais sombrios da cultura consumista. Empresas que atuam no mercado de fast fashion investem em design, fabricação e marketing focado na produção rápida de grandes volumes de roupas, vendidos por enormes conglomerados. O objetivo é fazer com que o consumidor sinta a necessidade de estar de acordo com os padrões da moda o tempo todo.
De acordo com Dandara Valadares, representante de assessoria da Fashion Revolution no Brasil, movimento global sem fins lucrativos, representado pela The Fashion Revolution Foundation, o fast fashion ainda se mantém vigente pois é um sistema de produção lucrativo e que, mesmo considerado prejudicial, não acaba por falta de fiscalização adequada.
“O mercado do fast fashion na verdade é um dos mecanismos que contribuem para o sistema capitalista prosperar. É uma indústria que apresenta uma cadeia de produção extensa e se depara com muitas brechas de rastreabilidade e responsabilização nas legislações nacionais e internacionais. O modelo de economia linear que o sistema propõe acaba por estimular o uso de mão de obra barata, muitas vezes oferecendo um valor abaixo do considerado mínimo para viver, e não se preocupa em buscar uma solução efetiva para todo o resíduo que produz.”
Essa produção de roupas em massa utiliza réplicas de tendências high fashion (moda exclusiva, em tradução livre) e materiais de baixa qualidade para trazer estilos baratos ao público. Essas peças de fabricação barata resultaram em um movimento de toda a indústria em direção à produção de quantidades avassaladoras de consumo, o que gera impactos prejudiciais ao meio ambiente, aos trabalhadores do setor de confecções, até às carteiras dos consumidores.
De acordo com dados recolhidos pela Statista, empresa alemã especializada em dados de mercado e consumidores, o ano de 2020 marcou um crescimento de 1,5 trilhões de dólares para o mercado global de vestuário. A pesquisa também apontou que, até 2025, esse valor pode chegar a 2,25 trilhões de dólares, em todo o mundo.
Com a valorização do mercado da moda aumentando exponencialmente, a procura por produtos baratos e acessíveis impulsionou a produção das grandes marcas, como Zara, H&M, C&A, Renner, Forever 21, Topshop, entre outras. A cultura do fast fashion virou moda e a busca incansável do consumidor em se vestir de acordo com o que está em alta, também.
Fast fashion e o meio ambiente
“Usar e jogar fora” é um dos princípios da cultura fast fashion e com a fabricação em massa de peças de vestuário pela indústria têxtil para suprir a demanda do consumidor, resultou em uma enorme quantidade de lixo não degradável na natureza.
Em fevereiro deste ano foi lançada a pesquisa intitulada Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica Para Circularidade, a primeira publicação brasileira responsável por analisar, de forma qualitativa e quantitativa, os impactos socioambientais da produção das três fibras mais utilizadas na indústria da moda: algodão, poliéster e viscose. O estudo foi feito pelo Instituto Modefica em parceria com o Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a consultoria da Regenerate Fashion.
De acordo com a publicação, foi constatado que, apenas na região de Brás, em São Paulo, um dos locais de destaque pelo lixo têxtil no país, são coletadas 45 toneladas do mesmo, por dia. Por serem as fibras mais comuns na indústria da moda, também foi comprovado que o algodão varia de 10 a 20 anos para se decompor, tecidos sintéticos entre 100 e 300 anos e poliéster até 400 anos, sem a possibilidade de reciclagem quando despejado sem os cuidados necessários. Todos esses materiais são jogados em aterros sanitários, onde não existe fiscalização apropriada para controlar as enormes quantidades que chegam por dia.
Segundo Dandara Valadares, ainda existem pré-julgamentos por parte daqueles que dominam o mercado da moda, que afirmam que aderir a formatos de produção mais sustentáveis pode prejudicar o balanço econômico e, com isso, diminuir os lucros.
“As empresas devem buscar devolver para a sociedade e para a natureza aquilo que extraem Isso quer dizer que elas precisam oferecer mais que um produto, sendo responsáveis e ativas na busca por um sistema mais igualitário. Muitos empresários acham que a sustentabilidade vai contra a geração de riquezas, mas, na verdade, é o contrário. O conceito de desenvolvimento sustentável propõe que essas riquezas sejam divididas de forma mais justa. E é claro que os recursos utilizados para gerar riquezas não podem colocar em xeque a saúde das pessoas e do planeta, senão, perde o sentido de ser. É sobre um equilíbrio entre bem estar social, econômico e ambiental.”
Cultura do consumo
O consumismo em massa se relaciona diretamente com o bem-estar, a felicidade e o status do consumidor, levando-o acreditar que, para ter uma vida plena, é necessário possuir grandes quantidades de bens materiais. Com o desejo de ter cada vez mais coisas novas, as pessoas são influenciadas por propagandas impactantes, que potencializam o consumo, envolvendo-os em um ciclo sem fim.
Inseridos em padrões capitalistas, indivíduos fazem parte da chamada “sociedade do consumo”, onde o consumo desenfreado de bens e serviços são encorajados pelas grandes corporações. O cidadão sente a necessidade de projetar qualquer sentimento, seja tristeza ou felicidade, em produtos de todos os tipos, e isso inclui roupas e acessórios.
De acordo com Thays Baesse, empresária, estilista e dona de um brechó em Belo Horizonte, o fast fashion impede que o consumidor se relacione com o conceito dos produtos, já que depois de pouco tempo a peça é jogada fora para abrir espaço para mais.
“O fast fashion impede que a gente deguste do que a gente tá comprando, porque eu entendo que a moda é efêmera, mas existe uma questão também de você comprar e entender o que que é aquela peça, entender o conceito, quem foi que criou e o porquê daquelas marcas. As tendências são escolhidas por um motivo, elas dependem do que a sociedade está passando no momento para que os designers possam estudar elementos que são cabíveis nessa época, e eu acho que as pessoas perderam isso.”
A moda slow fashion
Mesmo com as tendências consumistas a todo vapor, a sociedade vem passando por um período de conscientização em massa. O que antes era omitido pelos grandes comércios – como funciona a confecção das roupas, os gastos na produção e relatos de funcionários mal remunerados – agora são divulgados e substituídos por modelos mais sustentáveis.
Em contraponto ao fast fashion, o termo slow fashion (“moda devagar” ou “moda sem pressa”, em tradução livre) vem se destacando no meio comercial ao alertar sobre as consequências da produção em massa, trazendo a opção de consumir de forma consciente e benéfica para o meio ambiente.
De acordo com Luiza Cunha, fundadora da WOLFIE, marca slow fashion de fabricação própria, é necessário que todos os processos de concepção para uma moda mais sustentável sejam analisados pelos produtores.
“A cadeia produtiva da moda precisa passar de linear para circular, com o mínimo de desperdício possível. No meu caso, eu tenho uma matéria prima sustentável, os tecidos, então, eu preciso comprar de terceiros que priorizem essa sustentabilidade, porque na maioria das vezes eu compro algo que teria sido descartado e, na hora de produzir as peças, eu penso em como gastar e gerar menos lixo e saber onde essas sobras vão parar, por exemplo.”
Marcas com produtos originais, brechós e garimpos vem aderindo cada vez mais ao modelo slow fashion, que valoriza a transparência, e procuram informar a origem real dos produtos aos clientes. Por sua vez, a slow fashion busca a aproximação com o consumidor, muitas vezes produzindo peças sob medida, ou, no caso de brechós, revendendo produtos em boas condições e que não precisavam ser jogadas fora.
No entanto, ao contrário da fast fashion, os comércios que valorizam a moda mais sustentável acabam gastando mais na produção das peças, por recorrerem a matérias primas que não agridem o meio ambiente. Isso faz com que a slow fashion aparente compensar menos, já que custa mais, enquanto produtos de varejos, por exemplo, são baratos e acessíveis.
De acordo com Thays, o ritmo acelerado de como as tendências se alteram, faz com que o consumidor foque sempre no que está por vir, no que vai chamar atenção e no que vai ser considerado “na moda”.
“As pessoas, hoje, não se importam em comprar produtos com qualidade, com a costura bem-feita, com um tecido bacana que pode durar a vida inteira, porque para elas aquilo vai durar só uma temporada. Então, pode ser super barato, pode ter sido feito com materiais ruins e pode ter tido uma mão de obra escrava, basta que ela pague R$29,90 por aquilo e use neste inverno.”
O futuro da moda
Um estudo feito em 2020 pela McKinsey & Company, empresa americana líder mundial no mercado de consultoria empresarial, revelou que desde a chegada da pandemia da covid-19, os consumidores estão exigindo mais transparência das marcas de roupas e que, no futuro, a moda sustentável vai ganhar ainda mais espaço, priorizando métodos de fabricação mais orgânicos.
“As credenciais de sustentabilidade serão empregadas como um método para recuperar a confiança dos consumidores enquanto eles emergem da crise de descontos”, descreve o documento.
Essa mudança de cenário reflete também em outros mercados, como os de cosméticos, de eletrônicos e de alimentos, que vem investindo em alternativas de produção e comercialização mais seguras e sustentáveis, partindo do princípio que os clientes já optam por comerciantes que priorizam tais medidas.
Por fim, de acordo com a representante de assessoria da Fashion Revolution, Dandara, o modo como se consomem produtos fashion revela que o caminho para uma verdadeira mudança de atitude ainda é longo e, com a falta de incentivos para fazer com que os métodos de produção se tornem mais equilibrados, o planeta continuará sofrendo com as consequências.
“A partir do momento em que todos os stakeholders desse sistema se comprometem e de fato se movimentam para evoluirmos para um desenvolvimento sustentável, as pessoas somaram suas forças enquanto sociedade civil e enquanto moradores da mesma Terra”, conclui.