O artista, estilista, ativista, pai e influencer nas horas vagas Ronaldo Fraga, nascido em Belo Horizonte, no dia 27 de outubro de 1967, representa bem o papel daquele que, mesmo já consagrado nas artes, conseguiu trazer um novo olhar sobre suas obras, e que divide suas impressões com o público que quer conhecer o que existe por trás de sua arte.
Formado no curso de estilismo da UFMG, e pós-graduado na Parson’s School de Nova York, Ronaldo Fraga eternizou o seu nome na história da moda pela originalidade e ousadia, trazendo inclusão e representatividade onde quer que estivesse.
Indo além da moda, Fraga não se limita a nenhum rótulo, já que opera em diversas áreas e, principalmente agora, compartilha suas visões diretamente nas mídias sociais para fãs e admiradores do seu trabalho.
Em entrevista exclusiva ao Colab, o artista contou como foi ter seu trabalho “pausado” pela pandemia, como a imagem do Brasil o inspira durante a criação, e o que significa ser alguém capaz de levar sua mensagem para milhões de pessoas. Fraga falou também sobre como quebrar barreiras e vencer o medo de criar. Confira:
Como é ser artista na era da tecnologia? Você considera as mídias sociais como aliadas nesses tempos pandêmicos que estamos vivendo ou percebe que limitam sua forma de expressar, tanto na moda, quanto politicamente?
Primeiro, me considerar artista é algo que eu tenho certo pudor de me colocar nesse lugar, e quando o outro reconhece arte no meu trabalho eu acho legal. Mas eu sou um profissional da cultura e sempre penso nesse mundo da moda como um vetor cultural. Eu me vejo na frente de cultura, mas pensando a moda como cultura, e eu acho que a cultura, nestes tempos pandêmico, é como disse o Manoel de Barros, que liberdade é igual água, ela caça jeito, ela escorre entre as pedras, e a cultura também. De certa forma, podem tentar tirar, mas a cultura vai vencer e está nos dando alento nestes tempos pandêmicos.
Você acha que a arte vai além de apenas talento? A partir da sua jornada para se tornar um dos maiores artistas da atualidade, você passou por algum momento em que pensou que ter talento não era tudo e que, para deixar sua marca, era necessário ousar de diferentes formas, fora da esfera artística?
Bom, primeiro o que é o conceito de talento? Tem gente que jura que tem, tem gente que é dito que tem talento e tem gente que você fala ‘que talento é esse?’. Primeiro, o talento deve estar muito ligado à paixão, à transpiração, à persistência, e, principalmente, ao entendimento deste talento como uma forma de comunicação com o seu tempo. Tudo que eu penso e tudo que me alumbra, como tudo que me assombra, quando eu quero falar sobre algumas coisas eu falo sobre essa fluência e com esse meu vetor de comunicação, que é o meu trabalho. Eu não consigo desassociar isso e, no caso da moda, para mim, é um pouco sobre o tempo que a gente está vivendo. Não me interessa a moda do passado ou pensar o futuro, me interessa a moda de hoje, falando hoje, é isso que me interessa.
Você acha que todo artista deveria se posicionar por meio da sua arte? Que seja relevante em aspectos sociais ou políticos, por exemplo.
Todas as figuras e todos os artistas que eu considero artistas no Brasil, se posicionam. O resto são manifestantes de massa. Os cantores sertanejos, por exemplo, não dá pra colocar isso no mesmo pacote de figuras que daqui a 200 anos a gente vai estar falando deles, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Arnaldo Antunes, então esses são os artistas com A maiúsculo. Praticamente todos que eu admiro, estão se posicionando. A arte é um farol, a verdadeira arte é um farol, e eu acho que todo mundo deveria se posicionar, seja famoso ou anônimo.
O que mais te preocupa no meio artístico de hoje? Você, como estilista, ativista, influencer nas horas vagas, empreendedor e pai, percebe algum rumo negativo para as artes e o legado deixado para jovens que procuram viver da criatividade e inovação?
Sempre houve esse movimento na cultura de consumo, do consumo rápido, então, nós já passamos por isso, o Brasil sempre teve isso, e do mesmo jeito que eles vem, eles vão. Eles nos alimentam pouco, como se dessem um hambúrguer do McDonald’s, uma comida sem nutriente algum, essa coisa do showbiz de massa. isso em qualquer país do mundo e agora, infelizmente, aqui.
A cultura que transforma sempre falou para uma faixa menor da população, comparado com essa onda do consumo de marca. Eu acho que o novo sempre vem. Hoje, com a cultura e com a arte, é romper a apatia. Tanto quanto o vírus que estamos enfrentando, a apatia está em todos os níveis sociais, em todas as classes sociais.
Essa história da empatia no início da pandemia foi um desejo e uma crença dos otimistas. Eu mesmo, por algum momento, achei que fosse pegar [a empatia], mas não. Esse é um vírus que está distanciando as pessoas. O Brasil sempre teve essa distância, mas agora está se tornando quase uma distância oceânica. Agora, teremos uma mudança, mas não será do coletivo, é do indivíduo, mas vamos lembrar de que quem faz o coletivo é o indivíduo.
Qual você considera ser sua paixão atualmente? A moda, a co-criação, os trabalhos como ativista, espalhar a sua palavra na política?
A cultura brasileira, para mim, sempre vai ser o meu norte. A cultura do meu país e os mitos em que eu acredito sempre me nortearão, independente de eu estar falando de moda, da política, sempre terei ali meus mentores que estão sempre me inspirando, isso independente do setor que eu esteja atuando.
Durante a pandemia, você sentiu uma liberdade maior em criar ou se sentiu limitado, com os encontros pessoais tendo sido levados à força pro virtual?
A vida inteira eu precisei trabalhar com espaço de manobra, à distância, dependendo do espaço que eu estava trabalhando, então, foi mais uma vez um espaço de manobras. Mas eu acho que quanto mais você tem espaço de manobra, mais criativo você pode ficar. Tem o lado ruim, porque eu gosto de estimular alguns lados meus, por exemplo, eu gosto de viajar, de encontrar pessoas, mas, por outro lado, eu fui para lugares que diminuíram a distância através do virtual, então, tem um lado bom, sim. Eu tenho que, de alguma forma, me reinventar. Está duro? Está! Está triste? Está! Mas eu agradeço aos meus mentores por me darem inspiração.
O que é criar pra você? O que seu processo de criação envolve, seja uma peça de roupa, um novo projeto, etc.
Eu não tenho limite de criação enquanto esporte; pode ser um desenho, um texto, uma decoração de uma casa. Eu não tenho esse setor como limitador. Claro, eu me sinto à vontade com a moda, mas não é meu único vetor. Eu não me limito em vetor algum. Tem assuntos da moda que eu vou escolher, mas tem vezes que é uma pintura ou um fala, mas tudo que você faz com o coração é válido.
Você ainda encontra algum obstáculo ou sente alguma dúvida em relação ao seu trabalho, mesmo já sendo um nome tão consagrado no mercado artístico?
Eu nunca tive dúvida, nem quando eu não era crescido. Como eu sempre fui pirracento, tive muita certeza de tudo que fazia. Hoje, claro, tem popularidade dentro do mercado; ela poderia ser maior, mas ela é importante. No início, lá atrás, quando as pessoas tinham medo de falar e se posicionar, eu me posicionei, perdi contratos, mas eu faria tudo de novo. Eu sou um homem e eu sou eu em minhas próprias circunstâncias e acredito na morte. Vida e morte sempre vão ter e eu não tenho medo de nenhuma das duas: nem da vida e nem da morte.
Vivendo hoje em um mundo cheio de possibilidades, você tem algum conselho para os que querem ser integrantes do movimento artístico e trabalhar por meio da arte?
Primeiro, sair do lugar de ensimesmado. Sabe, ensimesmado da academia, do seu grupo e da sua bolha. Rompa fronteiras, pule os limites. A galinha, se você fizer um círculo em torno dela na terra, ela não pula, ela encara isso como limite e muita gente faz isso também. Rompa bolhas para dialogar com outras. Isso é extremamente importante para qualquer profissão. A verdadeira escola é o mundo e é importante ter fome; fome de informação, do conhecimento, e o que a gente tem visto mais são pessoas tirando a fome, mas é a fome que nos move.