Conteúdo produzido por Bernardo Teixeira, Daniel Maia, Henrique Toscano, Otávio Loureiro e Pedro Linhares
A máxima de que “futebol e política não se misturam” vem sendo cada vez mais colocada em xeque no Brasil. Os clubes estão cada vez mais engajados em prol de pautas sociais, entre elas o combate ao racismo, ao machismo e à homofobia, através de campanhas promovidas nas redes sociais ou ações realizadas nos próprios jogos. Entretanto, ainda há muito a ser discutido sobre a participação, não só do futebol, mas dos esportes em geral, em assuntos políticos e reivindicações da sociedade.
A realização da Copa América no Brasil, em um dos piores momentos da pandemia da covid-19, provocou críticas por parte da população, e a expectativa por um posicionamento mais efetivo dos jogadores da Seleção Brasileira. Eles se mostraram contrários à realização do campeonato no país, mas ressaltaram que jamais diriam não para defender a equipe.
“Historicamente, muitos atletas que se posicionaram politicamente, precisaram enfrentar punições de diversas naturezas. São vários os exemplos de atletas que se expressaram, ou se envolveram, em assuntos políticos e sociais no passado e foram punidos tanto explicitamente, como também de forma velada”.
Ana Carolina Vimieiro, pesquisadora e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ana Carolina cita o exemplo dos ex-velocistas olímpicos Tommie Smith e John Carlos, que protestaram durante os Jogos Olímpicos de 1968 “Eles levantam o punho durante a cerimônia de premiação em defesa dos direitos civis e acabaram sendo expulsos dos Jogos. Também há o caso do Muhammad Ali que se recusou a participar da Guerra do Vietnã e foi impedido de lutar por um tempo”. Segundo a pesquisadora, existem outras formas de punição menos visíveis de boicote, “como o caso do Reinaldo (ex-jogador do Atlético) e mais recentemente do Colin Kaepernick (ex-jogador da NFL), demonstrando que existe um risco quando um atleta se envolve em questões políticas e sociais.”
Em 2020, a participação do piloto Lewis Hamilton em protesto do #blacklivesmatter, em decorrência da morte do norte-americano George Floyd em uma ação policial, chamou a atenção para o engajamento dos atletas com causas que os toquem e que defendam os direitos humanos.
De acordo com Ana Carolina, “é pelo risco assumido por alguns atletas que estamos chegando em uma situação um pouco mais confortável”. Segundo ela, o posicionamento das celebridades do esporte é importante pela influência dessas figuras na vida das pessoas, sobretudo as mais jovens, e para dar visibilidade a algum tópico. “Temos como exemplo o envolvimento do Hamilton, do Lebron James e de vários atletas do basquete na luta antirracista.”
Torcidas antifascistas
Além do posicionamento dos clubes e atletas dentro do esporte, pode-se notar uma maior participação das torcidas, com, por exemplo, a criação de movimentos de “torcidas antifa” (antifascistas).
O jornalista esportivo e especialista em ciência política Luís Francisco Prates estuda a atuação das torcidas antifascistas e acredita que o engajamento pode ajudar a promover mudanças na sociedade. “O futebol é o esporte mais popular do nosso país e, quando temas relevantes para a política nacional são levados para os estádios, o interesse dos espectadores por esses assuntos tende a aumentar.”
Ele cita o exemplo de um clássico do Recife em 2019, entre o Náutico e o Santa Cruz, válido pelo Campeonato Pernambucano. “Durante o jogo, a Brigada Popular Alvirrubra e a Timbu Antifa estenderam uma faixa que dizia: ‘Quem mandou matar Marielle?’. Essa manifestação repercutiu bastante, ao ponto de torcedores de vários times falarem sobre a faixa e comungarem dessa reivindicação em fóruns de Facebook, grupos de WhatsApp, páginas do Twitter, e até mesmo nas ruas. Cobrar explicações sobre o assassinato de uma vereadora nacionalmente conhecida por trabalhar com movimentos sociais, por combater todos os preconceitos, por estar ao lado das minorias, por ajudar famílias de vítimas de violência e por confrontar as milícias é uma atitude que se espera de quem está comprometido com a democracia”, defende Prates.
Luís Francisco Prates ainda alerta sobre a falta de presença do “povão” nas partidas de futebol, devido ao fato do encarecimento dos ingressos e a elitização do esporte. Além disso, o jornalista cita a importância de movimentos sociais para chamar a atenção dos torcedores à necessidade de construir um futebol mais inclusivo, democrático e popular, destacando também as torcidas antifascistas em movimentos pró-democracia.
“Fora dos estádios, as torcidas “antifas” fazem um trabalho de base muito significativo, sob uma perspectiva anticapitalista e emancipadora, com os movimentos sociais, sobretudo em greves e em manifestações nas ruas. Portanto, trata-se de coletivos importantes para a construção de um país verdadeiramente democrático. Mais do que um esporte, o futebol é um fenômeno social que, obviamente, não está dissociado da política. Então, mudanças substanciais na nossa sociedade só são possíveis com o aumento do interesse das pessoas pela política e com a implementação de políticas públicas que combatam as desigualdades e proporcionem a emancipação de quem está excluído de garantia de direitos na atual conjuntura (pretos, mulheres, LGBTs, refugiados, trabalhadores, etc.).” destaca Luís.
Portanto, esses últimos acontecimentos podem representar um importante passo em frente nesta questão, logo a próxima etapa pode ser em direção ao esporte mais participativo e engajado na construção social. É preciso que cada vez mais atletas se posicionem para provar que o futebol e a política estão de fato integrados. Do contrário, futebol e política só se confundem se o interesse público não estiver envolvido.