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Educação Inclusiva avança no Brasil, mas não acolhe a todos

Nos últimos anos, a educação inclusiva tem feito parte do cotidiano das escolas, mas ainda há um longo caminho a ser traçado no que concerne às melhorias e avanço em políticas públicas.

Frequentemente, a educação ganha espaço no debate público e na mídia, trazendo à tona diversas questões sobre como construir um ensino de mais qualidade e eficiência para crianças e jovens brasileiros. Nessas ocasiões, é comum que os participantes se empenhem para compreender formas eficientes de transformar a realidade do Brasil, garantindo que o amplo acesso à educação seja a chave para a concretização das mudanças.

Quando pensamos em crianças com deficiência, esse tema se torna ainda mais importante. Isso porque, a inclusão de crianças com deficiência em classes comuns na rede de ensino vai muito além do acesso à formação intelectual.

Para a professora Karina Soares, pedagoga e docente da rede pública de ensino, a educação especial e inclusiva pode proporcionar a autonomia de um indivíduo, facilitando não apenas sua integração na sociedade, mas também seu crescimento como ser humano.

“A nossa maior preocupação é que o aluno com deficiência se sinta recebendo um tratamento igualitário e que ele esteja na escola para socializar e aprender.”

Karina Soares

CONTEXTO E ORIGEM

A Educação Inclusiva é um modelo educacional que busca garantir a participação plena e igualitária de todos os alunos, incluindo aqueles com deficiência, nas escolas comuns. Ao invés de segregá-los em ambientes separados — como ocorre nas escolas exclusivas —, a inclusão proporciona suporte para os alunos, disponibilizando as adaptações necessárias para que essas crianças possam aprender junto com seus colegas em classes regulares.
Regido pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, no Brasil, esse modelo de ensino está baseado na valorização da diversidade, no respeito às diferenças e na igualdade de oportunidades, não se limitando apenas à presença física dos alunos, mas também envolvendo a adaptação de metodologias de ensino, materiais didáticos e formação de professores para atender às necessidades individuais de cada aluno.

As raízes desse modelo de ensino estão em movimentos sociais ao redor do mundo e legislações internacionais, surgindo como resposta à exclusão de pessoas com deficiência do sistema educacional tradicional. Sua origem remonta à década de 1970, quando começaram a surgir reivindicações por uma educação mais inclusiva, principalmente nos Estados Unidos. O movimento, que se espalhou pelo mundo, colaborou para que o princípio fundamental da Educação Inclusiva fosse consagrado na Declaração de Salamanca, em 1994, durante a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais.

A Declaração de Salamanca estabeleceu que todas as crianças devem ter acesso a uma educação de qualidade, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou linguísticas. Desde então, diversos países ao redor do mundo têm buscado implementar políticas e práticas de inclusão educacional.

COMO OCORRE NO BRASIL 

No Brasil, a Educação Inclusiva é garantida por lei. A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996) estabelecem que a educação é um direito de todos e que o Estado deve garantir o atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência.

“[…] o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.”

Inciso III, do artigo 208, da nossa Constituição Federal de 1988

Aqui, a educação inclusiva é feita em dois ambientes principais: as classes regulares e escolas exclusivas. Nas escolas regulares, todos os alunos, independentemente de suas habilidades ou deficiências, são incluídos em turmas comuns e recebem o suporte necessário para suas necessidades individuais. Já as escolas exclusivas, são instituições especializadas que atendem alunos com deficiência, oferecendo recursos adaptados e equipes multidisciplinares para atender às suas demandas educacionais específicas.

Como resultado da implementação desse modelo educacional, o número de matrículas de alunos com deficiência na rede pública de ensino tem aumentado significativamente na maior parte do País. 

De acordo com dados do Censo Escolar de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), houve um aumento de 60% no número de matrículas de alunos com deficiência nas classes comuns da rede pública de ensino desde 2010. 

Em valores absolutos, o total de alunos com deficiência matriculados saltou de 443.204 em 2010 para 1.126.434 em 2022.

A inclusão de crianças com deficiência em classes comuns tem trazido benefícios não somente para as crianças com deficiência, mas para todos os alunos, que aprendem a conviver com a diversidade e a respeitar as diferenças.  A professora Karina reforça que a convivência em sala de aula é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento social e intelectual de todos os alunos, além de colaborar com o combate ao preconceito e a exclusão social.

“Incluir essas crianças depende muito de cada deficiência, mas não é difícil. É importante para a socialização fazer com que elas se sintam bem nas escolas, e com que os outros alunos percebam os PCDs como iguais” 

Professora Karina em sala de aula.  / Arquivo pessoal

No entanto, ainda há muitos desafios a serem enfrentados para garantir uma educação inclusiva e de qualidade para todos. Um dos desafios é o subdiagnóstico. Algumas crianças podem apresentar sintomas, mas por não possuírem um acompanhamento médico, não são atestadas. Nesses casos, os professores ficam impossibilitados, não podendo agir de forma efetiva, cabendo apenas, dentro do espaço didático, a função de adequar o conteúdo para os alunos subnotificados. 

Para além do subdiagnóstico de muitas deficiências invisíveis, algumas crianças dependem de monitores e profissionais de apoio específicos para ocupar seus lugares em sala de aula. 

A INCLUSÃO EM NÚMEROS

A deficiência intelectual se manifesta em uma maior parte da população brasileira.  De acordo com a OMS, estima-se que dentre 200 milhões de habitantes brasileiros, 2,5 milhões têm deficiência intelectual. Essa condição – com maior expressividade entre as deficiências – pode se apresentar por diversos fatores como condições genéticas, complicações gestacionais e questões ambientais, e podem dificultar a comunicação e o processamento de informações. Contudo, pode ser incluída a partir de mudanças na base do ensino, não exigindo alterações físicas no espaço escolar.

A expressividade de matrículas nas crianças com deficiência intelectual, como mostra o gráfico acima, se dá – em muitos casos – por conta do números de crianças diagnosticadas nas doenças que compõem este espectro. Cada diagnóstico possui seus próprios desafios, cabendo ao professor adequar os conteúdos.

Embora a professora Karina diga que nenhuma deficiência é mais difícil de lidar do que outra, ela acredita que, para tornar o ensino mais igualitário, é necessário investir numa maior e melhor capacitação de professores e monitores de apoio, além de incentivar a utilização de recursos pedagógicos adequados, dando suporte para o desenvolvimento das crianças. 

Monitora de apoio acompanha aluno com deficiência durante a aula de Karina.  / Arquivo pessoal.

Uma das deficiências que exige processos educacionais diferenciados, visando a garantia do aprendizado, é a surdocegueira – que mesmo não entrando no gráfico por conta da sua baixa frequência – possui grandes desafios. Essa deficiência compromete, em diferentes graus, os sentidos da visão e audição. Para que essas pessoas desenvolvam a comunicação, a linguagem, a mobilidade e a autonomia, o aprendizado deve ser coordenado por tutores que, gradativamente, permitem o contato com diferentes objetos, ampliando a percepção motora e convertendo a forma em um sinal. Da mesma forma, o letramento é ensinado por meio da exploração dos sentidos das crianças, como o tato, o paladar e o olfato.  

Em 2019, uma pesquisa do IBGE, encomendada pela Câmara dos Deputados, estimou que 28.500 brasileiros são surdocegos. Do total de deficientes estimado pela pesquisa, aproximadamente 7.250 são crianças e adolescentes. Contudo, o Censo Escolar de 2022 registrou que somente 0,08% estavam matriculadas no ensino regular, formalizando 628 matrículas de crianças com essa deficiência. 

DIVIDIR PARA CONQUISTAR?

Dos vinte e seis estados brasileiros, apenas um apresenta o índice de inclusão nas classes comuns abaixo dos 60%: o Paraná. De acordo com o Censo Escolar de 2020, o estado possui a menor presença escolar de crianças com deficiência em todo o país, totalizando 59,1% das matrículas da rede pública em escolas regulares.

Porém, isso não significa que os alunos paranaenses estejam fora da escola, já que o estado adota um formato de registro escolar diferente do que se vê em outros lugares.  A Secretaria de Estado de Educação e Esporte do Paraná (SEED), não é adepta da proposta de escola inclusiva e sim, da separação de estudantes com deficiência, ofertando cerca de 400 instituições de educação exclusiva, que são aquelas escolas ou instituições que alocam apenas alunos com deficiências. 

Em entrevista ao Portal G1, a  pesquisadora especialista no assunto e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Maria Teresa Mantoan, indica que o modelo paranaense é inadequado e “segregador”. A especialista ainda afirma que essa escolha não está de acordo com a Lei de Diretrizes Nacionais (LDB) e não é apropriada nem prevista em lei, então, fere a Constituição Federal.

No extremo positivo da lista, o Acre está em 1° lugar, com 100% dos alunos com deficiência devidamente matriculados na rede de ensino pública regular. Não bastasse ser reconhecido pela riqueza vegetal de grande produção de resina de borracha, e ser berço de grande nomes como o seringueiro e sindicalista de renome mundial na proteção ao meio ambiente, Chico Mendes, o estado nortista ainda cumpre desafios e coloca todas as crianças com deficiências na escola. 

O estado, que se divide administrativamente em apenas 22 municípios, tem amplo atendimento aos moradores, minimizando impactos e permitindo o acolhimento em todos os cantos. Os números, que saltam aos olhos, são mérito das políticas de inclusão e no efetivo funcionamento da pasta da educação. 

A rede estadual de ensino público, através do Centro de Referência em Ensino Especial (CEESPE) conta com uma equipe multiprofissional que atende permanentemente as demandas dos psicopedagogos, com médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas e fisioterapeutas. Numa ponta do processo, o Núcleo de Formação Especializado elabora políticas de atendimento e proteção escolar na educação inclusiva, por meio de centros e núcleos de serviços especializados de habilitação e reabilitação. Paralelamente, há um processo de formação permanente de profissionais da educação destinado a professores e técnicos para alfabetizar e proteger os alunos. 

A jornada enfrentada por crianças com deficiência e suas famílias é uma trajetória de superação e aprendizado contínuo, que vai muito além do acesso à educação de qualidade. Apesar disso, é por meio da participação ativa em espaços educacionais que essas crianças encontram as ferramentas necessárias para o seu desenvolvimento intelectual, social e político. No futuro, as mais de 1 milhão de crianças com deficiência matriculadas na rede pública regular serão adultos conscientes de suas realidades, prontos para lutar por seus direitos e  enfrentar um Brasil que ainda precisa mudar. 

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Conteúdo produzido por Kimberlly Pereira e Wilson Saraiva na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital e Jornalismo de Dados, sob a supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini.

Leia também: Inclusão na prática: como a educação transforma a realidade de pessoas com deficiência

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