Colab

Do giz ao nanquim: a arte como pontapé inicial para o COCAAL

Foto: Letícia Nogueira

No terceiro andar de uma sala no prédio 13, na Faculdade de Comunicação e Artes, quem passa pelo corredor rapidamente pode não perceber uma oficina singela e tranquila que acontece em uma das salas daquele ambiente. Aos poucos, alunos, professores e acadêmicos de várias regiões do Brasil vão se juntando para participar de uma atividade cujo objetivo é a relação entre o espaço e o corpo.

Em uma mesa de canto, podemos observar os materiais que seriam utilizados ali: uma tinta milenar chinesa, copos de água, pincéis, papéis A3, giz de cera e grafite. Ao longo de três horas, os participantes iriam explorar os materiais, e a si próprios. 

Isaura Pena/
Isaura Pena/Foto: Bianca Aun

A professora responsável pela oficina é Isaura Pena, graduada em desenho pela Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), docente  na Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Após uma breve apresentação, Isaura Pena propõe aos participantes da oficina “Mapas do Corpo” uma série de atividades que exploram o ser, o outro, o espaço, as luzes, a sombra e a presença corporal. 

Os participantes começam tímidos, e pertencem a localidades de todo o país. Estão ali pelo COCAAL, o 9° Colóquio de Cinema e Arte da América Latina. Este ano o evento teve como tema “Imagens da Contra Conquista”. A proposta do título é um convite a “explorar as diversas manifestações da arte e do cinema latino-americanos, sob a perspectiva decolonial”, de acordo com a descrição dos organizadores no site do evento. Entre os dias 3 e 7 de novembro, acadêmicos de todo o Brasil se reuniram no campus Coração Eucarístico da PUC Minas para celebrar, discutir e enriquecer o cinema latino-americano com suas produções e vivências. 

A oficina de Isaura Pena foi um ponto de partida para o COCAAL, e permitiu aos participantes acessarem uma nova visão acerca do simbolismo e contemplação do corpo. Entre desenhos feitos com giz branco, imersão em nanquim, uma tinta milenar chinesa, e grandes mapas delineados na interposição das pessoas, a oficina conectou e explorou, através da arte com esses artefatos, a habilidade de cada participante ali presente. Em uma roda com 20 pessoas, em que a maioria era desconhecida entre si, rapidamente os laços foram formados com base nas linhas desenhadas nos papéis A3. Depois de três horas, já não era possível distinguir quem era desconhecido e conhecido entre os participantes. 

A primeira oficina foi o retrato alheio: com um giz branco, cada um desenhou a pessoa posta à sua frente, sem saber em que rumo seu desenho estava, afinal, era praticamente invisível. Em outro momento, a luz e a sombra foram responsáveis por gerar contornos na parede, que foram reforçados com um giz de grafite e, posteriormente, pintados à mão livre pelos autores. Um dos pontos altos proporcionados pelas técnicas da professora foi o ‘rio de linhas’: cada um dos componentes se juntou ao colega do lado, amarrado por uma fita ao pulso e, juntos, em uma roda, foram conduzindo giz de cera e grafites ao longo de um papel craft estendido em uma mesa. A atividade se mostrou interessante em vários sentidos, desde a proposta de arte compartilhada, até a sincronia da condução em um grupo de vinte pessoas sobrepostas umas às outras. O comentário principal após essa atividade se alternou entre como era difícil realizar uma tarefa amarrado a outra pessoa, e como os braços trabalhavam naquela atividade.

Após um intervalo, as energias voltaram amenas e combinaram com a nova proposta da professora: a partir do uso da sombra da sala e da luz do celular, os participantes se moldavam em sombras na parede para criar desenhos, dos mais diversos. Todos os componentes artísticos da oficina podiam ser usados para dar vida à arte. Nesse momento a criatividade e individualidade de cada um ali podia ser sentida, e era uma descoberta ver o sentimento de cada um exposto no papel.

Durante a oficina, a expressão do próximo sempre era uma surpresa – e potencializadora para a produção de novos traços, linhas e expressões. Isaura Pena não interferiu no processo, apenas deliberou tarefas simples, deixando a criatividade guiar o participante para construir seu raciocínio artístico. Foi um pontapé interessante para o Colóquio de Cinema, afinal, “a luz projeta o corpo, a sombra delimita territórios, os contornos físicos e simbólicos do corpo constroem “mapas”, visuais e sensoriais e o papel se transforma em território de escuta e experimentação”. A citação se encontra na proposta da oficina, e demonstra como a arte interliga o corpo e o externo, e como a experimentação através da arte pode ampliar o conhecimento corporal alheio.

A maioria dos participantes optou por levar seus desenhos para casa – particularmente, foi uma intensa e divertida experiência ver o meu retrato a partir da visão do outro. O papel e o grafite garantiam a cada um ali a provocação da singularidade e, observando as dezenas de desenhos postos à mesa, a reflexão foi quase unânime: cada um tem seu modo de ver a si e o outro, e essa singularidade não é tangenciada pelo bonito ou feio, mas, sim, na construção do ser, que permite visões tão diferentes e únicas de um mesmo espaço.

Desenho feito com giz branco e nanquim em folha A3/ Letícia Nogueira Soares
Sair da versão mobile