Um dos principais problemas da gig economy (a economia do “bico”) e do trabalho on-demand (sob demanda), segundo a procuradora e doutora em Direito do Trabalho Lorena Vasconcelos, é a falta de regulamentação do trabalho em aplicativos como iFood, Uber e correlatos. Nesses regimes de trabalho plataformizado, o funcionário não tem direitos mínimos, como hora de trabalho demarcada, previdência social e um salário fixo mensal, garantidos no principal regime de trabalho vigente no Brasil: a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Esse regime, criado em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, prevê uma carga horária de 8 horas diárias e, no máximo, 44 horas semanais, 13º salário, férias remuneradas, FGTS, além de diversos outros benefícios, como adicional noturno e de insalubridade. Trabalhando de forma digital, por meio de aplicativos de transporte de pessoas e de mercadorias, os trabalhadores não têm nenhum direito garantido.
A ideia que é vendida pelas grandes empresas é de um trabalho autônomo, sem chefe e que é totalmente controlado pelo entregador, porém, a realidade não é essa. São diversos os relatos de bloqueios inesperados e boicotes do aplicativo aos trabalhadores que realizam greves. Da parte do aplicativo, não há nenhuma explicação ao trabalhador, que fica sem saber o que fez para ser bloqueado.
A empresa – ou melhor, o algoritmo – é quem está no comando, priorizando trabalhadores que se dedicam mais horas, em fins de semana, feriados, madrugada. Aqueles que, por algum motivo, não podem estar disponíveis em todos os turnos, são boicotados. “O algoritmo valoriza quem está sempre à disposição”, afirma Lorena Vasconcelos.
“O caminho é a luta”, diz entregadora e ativista
Com a pandemia de covid-19, o trabalho por aplicativos sofreu um aumento tanto pela demanda dos consumidores, que estavam em casa, quanto dos trabalhadores, que perderam seus empregos devido à crise na saúde e na economia brasileira. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que, em 2021, o número de trabalhadores no transporte de mercadorias subiu 116% em relação a 2019, ano anterior à pandemia.
Como consequência desse aumento de trabalhadores e de demanda, segundo Lorena Vasconcelos, trabalhadores começaram a perceber a falta de direitos mínimos, como EPI’s (máscaras e álcool em gel) e pontos de apoio, e passaram a realizar greves e paralisações, o que fazem até hoje, mesmo com a flexibilização da pandemia. Para a procuradora, a união entre os trabalhadores é a melhor forma para se conseguir direitos.
“A via que tradicionalmente tem se utilizado e, na minha opinião, é a mais eficiente para se buscar melhores condições de trabalho é a organização coletiva, porque, de outra forma, eles não têm um poder de negociação com as empresas”, conta Lorena Vasconcelos. Em entrevista ao ColabCast, Vanessa Barbosa, entregadora e ativista pelos direitos dos trabalhadores de aplicativos, defende:
“A luta tá no nosso dia a dia. […] Desde a hora que eu subo em cima da moto, pra mim, ali já é uma luta. E eu tento unir o pessoal, mostrar pra eles que o caminho é a luta mesmo e que só dessa forma a gente vai conseguir”
Vanessa Barbosa, entregadora e ativista pelos direitos dos trabalhadores de aplicativo
Este texto é um dos cinco capítulos da série especial de reportagens do dossiê "Fronteiras", realizado por alunos do 5° período do curso de Jornalismo da PUC Minas para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital. Para acompanhar toda a reportagem, passe o mouse nos títulos abaixo e clique no capítulo de sua preferência: Capítulo 1: A realidade do trabalho plataformizado Capítulo 2: À espera do trabalho Capítulo 3: Viração: direitos trabalhistas em xeque Capítulo 4: Condições do trabalho na era digital Capítulo 5: Gig economy e trabalho on-demand: direitos em falta (Você está aqui)