As leis de incentivo à cultura são ferramentas que disponibilizam um valor financeiro aos artistas para que possam colocar em prática projetos culturais. Os projetos, portanto, precisam se adequar às particularidades dos editais de cada uma das leis, sejam elas no âmbito federal, estadual e municipal, sendo a principal delas a Lei Rouanet, a Lei do Audiovisual e, mais recentemente, a Lei Paulo Gustavo. Com o intuito de promover ainda mais o fomento à cultura no nosso país, as leis de incentivo cultural têm como objetivo apoiar, difundir e valorizar os diversos tipos de manifestações culturais existentes.
Devido às inúmeras etapas do processo de aprovação para garantir o apoio financeiro aplicado pelas leis, muitos artistas, principalmente os que ainda não têm um mercado consolidado e quem realmente precisa do apoio, não conseguem chegar até a etapa final. O produtor de cinema Antonio Pedroni, relata que, além das dificuldades encontradas no processo, existe também a falta de divulgação das oportunidades. Segundo ele, as pessoas interessadas devem estar muito atentas e ir em busca de meios de incentivo, procurar saber se existem medidas que possam ajudar na captação de recursos: “É bem de nicho, você tem que estar realmente bem ligado, imerso nesse ambiente, você tem que conhecer os grupos”.
Conheças as particularidades das leis de incentivo e confira entrevista com Patrícia Naves, que conta sua experiência na produção de projetos culturais:
Além de todo o trâmite legal exigido, caso seja aprovado, o artista ou produtor cultural ainda precisa ir ao mercado em busca pela captação dos recursos de iniciativa privada, com limite de até 4% do imposto a ser pago pela empresa financiadora. Ou seja, não basta ser aprovado, ainda é preciso negociar o patrocínio para que o projeto ocorra – e as chances são maiores para quem já tem visibilidade. A atriz Patrícia Naves, formada em Belas Artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atuou na TV, cinema e teatro, onde fez peças como Gandhi: Seja a Mudança que Você quer Ver no Mundo e Mãe é Tudo Igual. Segundo a atriz, desde sua primeira peça nunca conseguiu patrocínio de nenhuma lei, sempre contou com apoio que os próprios atores e produtores correram atrás para conseguir. “Eu tentei fazer uma peça pela Lei Rouanet, eu sei que ela funciona, não estou falando mal, mas eu acho que a lei funciona em função de companhias que já têm nome”.
A artista ainda complementa que esta dificuldade se deve não apenas à lista de documentos necessários, mas também ao processo pós-aprovação, já que os patrocínios da Lei Rouanet “funcionam para grandes musicais, para nomes que já têm credibilidade. Porque as empresas querem nomes ligados a famosos, não a pessoas que estão iniciando. Quando, na realidade, a Lei de Incentivo deveria ser para essas pessoas que não têm oportunidade”.
A influência da bilheteria
Patrícia ainda comenta sobre outras dificuldades encontradas no teatro, como a grande popularização do stand-up antes do início da pandemia de Covid-19. Com isso, havia muita dificuldade em colocar em cartaz um peça que não fosse comédia ou um stand-up e, assim, havia pouco público para uma encenação de outros gêneros. Mesmo com o crescimento do stand-up, Patrícia ainda afirma que o boca a boca fez com que suas peças ganhassem espaço no teatro: “Eu me lembro muito bem quando fiz a história de Gandhi, que era um drama, mas que levantava a autoestima das pessoas. A gente teve um retorno espetacular e rodamos o Brasil só com a bilheteria, de Porto Alegre a Manaus”.
O produtor Antonio Pedroni destaca que a bilheteria às vezes ajuda a não ter ou a diminuir o prejuízo quando se tratam de produções de baixo orçamento. “Ninguém no Brasil espera sequer pagar uma produção com a bilheteria, lucro não existe mesmo. Ninguém ganha dinheiro com o teatro no Brasil”, lamenta.
De acordo com os dados do Governo Federal coletados desde 2009, cerca de 310.324 mil propostas foram submetidas em busca de patrocínio pela Lei Rouanet, sendo que apenas 107.087 mil projetos foram enviados. Atualmente existem cerca de 97.878 mil incentivadores contribuindo com projetos financiados pela Lei.
Entenda as diferenças entre as leis
A Lei Paulo Gustavo busca complementar ações emergenciais no âmbito cultural, afetado durante a pandemia da Covid-19. O repasse desta lei é estimado em R$3,8 bilhões para artistas do setor cultural. Deste valor, R$2,79 bilhões são dirigidos para ações no setor audiovisual e R$1,06 bilhão são voltados para ações emergenciais por meio de editais, prêmios ou outras formas de seleção pública simplificada. O dinheiro aplicado aqui veio do superávit financeiro associado ao Fundo Nacional de Cultura e o repasse é realizado diretamente pelos estados e municípios.
De acordo com a lei, devem ser implementados mecanismos que fomentem a participação e o protagonismo de mulheres, indígenas, negros, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência, entre outros grupos no setor cultural. Outras ações também são tomadas na contrapartida, como a entrada gratuita para alunos e professores de instituições de ensino público, além de estudantes do Programa Universidade para Todos (ProUni) que estudem em universidades privadas, bem como os profissionais da saúde, especialmente os envolvidos no combate à pandemia da Covid-19.
Já o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), popularmente conhecido como Lei Rouanet, criado em 1991 durante o governo de Fernando Collor, tem como objetivo apoiar a cultura no país, patrocinando espetáculos, exposições, shows, livros, museus, galerias e diversas outras formas de manifestações artísticas. Para esta lei, o governo abre mão de parte dos impostos, sejam de pessoas físicas ou jurídicas, para que os valores sejam destinados ao setor de cultura. O foco principal da lei é contribuir para facilitar o livre acesso a todas as fontes de cultura.
Processo de aprovação
De acordo com o artigo 3º da Lei nº 8.313/91, para serem aprovados os projetos aplicados na lei Pronac, é necessário atender a pelo menos um dos cinco objetivos propostos, sendo eles: incentivar a formação artística e cultural; fomentar a produção cultural e artística; preservar e difundir o patrimônio artístico, cultural e histórico; estimular o conhecimento de bens e valores culturais e apoiar outras atividades culturais e artísticas.
De acordo com Beto Franco, ator do Grupo Galpão de Belo Horizonte, o projeto deve ser bem redigido e o mais detalhado possível, constando dados da instituição, pessoa jurídica ou pessoa física; um resumo das atividades propostas, juntamente com um cronograma; uma justificativa do motivo de estar propondo o projeto; as contrapartidas que serão realizadas; as contrapartidas sociais, se possuem ingressos gratuitos, acessibilidade ou algum curso, além de toda programação proposta e da planilha de orçamento.
Se a proposta for aceita, ela se transforma em um projeto e recebe autorização para que o artista, grupo ou companhia vá em busca da captação de recursos incentivados, a partir de publicação no Diário Oficial da União (DOU). O projeto então é encaminhado à análise técnica. Após emissão do parecer, o projeto cultural é apreciado pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), órgão consultivo do Ministério da Cidadania, que homologa a execução do projeto.
Por fim, no cenário atual de ausência do Ministério da Cultura, é o ministro de Estado da Cidadania que decide se o projeto cultural foi aprovado ou não. Após aprovação, o projeto segue para a etapa de captação de recursos, e cabe ao proponente encontrar as empresas que vão apoiar a ideia. Quando o artista e produtores conseguirem captar 20% do valor total aprovado, pode iniciar a execução da proposta conforme detalhado no projeto. Feito isso, o processo de execução se inicia, e os artistas podem enfim começar a por em pratica o projeto. Ao final, deve ser realizada uma prestação de contas de tudo que foi realizado.
Beto Franco ainda ressalta que há dificuldades enfrentadas em meio a este processo: ”A elaboração do projeto é bastante complexa. Além disso, o sistema que recebe esse projeto, o Salic, é um sistema não muito amigável e tem dificuldades para você subir os dados, subir o projeto para o sistema. Ele também costuma dar muitos problemas técnicos”.
A importância da cultura
Independente de todos os desafios impostos pelas leis existentes hoje no país, muitos artistas não abrem mão de levar a arte para as pessoas. Muitas peças teatrais principalmente também contam com apoio financeiro de patrocinadores como comércio local, grandes redes varejistas, bem como prefeituras, para colocar em pratica projetos.
Após a pandemia da Covid-19, que teve inicio no ano de 2020, as pessoas perderam o hábito de ir ao cinema e ao teatro. Algumas pessoas ainda se sentem inseguras de ficar mais de uma hora em um local fechado, com outras pessoas desconhecidas. Uma pesquisa do Datafolha, realizada neste ano de 2022, ressalta que a cerca de 62% da população brasileira, não voltou a frequentar atividades de cultura e lazer com a mesma frequência de antes da pandemia. 26% voltaram a atividade da mesmo forma de antes, enquanto 12% estão realizando estes tipos de atividades com uma frequência ainda maior.
De acordo com a atriz Patrícia Naves, a cultura é fundamental para as pessoas. Para ela, acreditar no que se está fazendo e não desistir, é o que move o artista. “Você não conseguiu o patrocínio hoje, mas você consegue depois. As empresas têm que ter a consciência de que o Brasil precisa também de cultura, e a liberação do espírito. A cultura libera, é um deleite”, comenta.
Confira a reportagem complementar sobre o assunto:
Reportagem desenvolvida por Isadora Guimarães, Maria Eduarda Costa, Maria Lúcia Passos, Natália Teixeira, Paula Xavier e Sheila Lemes para o trabalho interdisciplinar das disciplinas de Jornalismo Cultural e Produção em Jornalismo Digital, sob a supervisão das professoras Júnia Miranda e Verônica Soares da Costa.