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Da renda extra à renda principal: artesãs de Araçuaí prosperam com a chegada do Vale do Lítio em MG

Empreendedoras de Araçuaí, no norte de Minas Gerais, posam orgulhosas com a camiseta do projeto “Sou Dona de Mim”:

É o progresso. Independente de quem está contra ou a favor, vai acontecer. A verdade é que antes dessas empresas existia uma região-  não só a cidade de Araçuaí- sem nenhuma possibilidade de crescimento. Não existia oferta de empregos. Hoje só fica desempregado quem quer.”

O relato é de Lislene da Paixão Pereira de Oliveira, 59 anos, artesã e microempreendedora de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Há dois anos, ela viu a realidade da família mudar com a chegada de grandes empresas à região Norte do estado mineiro e, principalmente, com o acesso a iniciativas que fomentam o empreendedorismo feminino.

Lislene aprendeu o ofício aos sete anos, observando a mãe fazer colchas de crochê e bordados. Hoje, ela trabalha com crochê, bordados à mão livre, roupas de festa e costura criativa. Vende tudo pelo Instagram, em feiras pela cidade e por encomenda. Mãe solo de Laize, de 25 anos, e Leone, de 18, Lislene se orgulha de ter financiado a faculdade de Direito da filha mais com a renda do artesanato.

Ver minha filha formada e saber que parte disso se deve ao meu trabalho é minha maior conquista

Lislene, artesã

A virada de chave começou em 2022, quando Lislene conheceu o Fundo Dona de Mim, por indicação da amiga Eliana Pereira. Ela soube de um microcrédito de R$ 2.000,00(dois mil), com seis meses de carência e parcelamento em até 18 vezes, exclusivo para mulheres de Araçuaí(MG) e Itinga(MG). Mesmo desconfiada dos juros baixos, Lislene resolveu arriscar. “Achei que fosse golpe. Fiz a inscrição(para receber o micro crédito Dona de Mim) e, 11 dias depois, o dinheiro já estava na conta. Comprei material e comecei a produzir”

Fundo Dona de Mim

O Fundo Dona de Mim é uma parceria entre o Grupo Mulheres do Brasil, a Rede Mulher Empreendedora (RME) e o Banco Pérola. Ele oferece créditos sem juros de R$ 2 mil ou R$ 3 mil, com uma carência de nove meses e um prazo de pagamento estendido de 15 meses, exclusivamente para microempreendedoras individuais (MEIs). O objetivo é fornecer suporte financeiro para mulheres que buscam manter ou iniciar suas atividades empreendedoras, evitando assim o acúmulo de dívidas. O Fundo visa impulsionar ou iniciar negócios, promovendo o empoderamento econômico das mulheres em diferentes regiões do Brasil.

Nova geração de artesãs

Assim como Lislene, Geralda Aparecida, mais conhecida como Cida, 54 anos, também mora em Araçuaí e viu no artesanato uma forma de mudar de vida. Mãe orgulhosa de três filhos, Bruno, o mais velho de 30 anos, Helen de 20 anos e Vitória de 18, Cida começou a empreender no fim da pandemia de COVID-19. Ela confecciona, de forma totalmente manual, cadernos personalizados, agendas, blocos de notas, kits para festas e lembrancinhas de casamento. Os preços dos produtos variam de R$ 3,00 para flores decorativas a R$ 56,00 para cadernetas de vacinação.

Apesar de ter iniciado o negócio há pouco tempo, o interesse pelo artesanato surgiu quando o primeiro filho nasceu. “Eu decorava as capas dos cadernos dele(Bruno, filho mais velho) pra escola. Fazia tudo muito bem feito, tudo muito organizado. Eu tinha o maior capricho. Não imaginava que um dia viveria disso”, relembrou.

Hoje, Cida é dona da própria marca e se orgulha de cada detalhe dos produtos, feitos com cuidado, principalmente para o neto, Salomão, de 5 anos, que usa os cadernos produzidos pela avó.

“O que mais me dá orgulho é saber que sou eu quem confecciona os cadernos dos meus filhos e do meu neto”

Cida, artesã

A chegada da Sigma Lithium também impactou diretamente o negócio de Cida. Muitos de seus clientes são funcionários da empresa. “É o progresso que chegou. Ganhei mais clientes, mais encomendas e consegui investir em equipamentos, máquinas, móveis e melhorar o espaço onde trabalho. Antes, meu maior desafio era a falta de equipamentos”, explicou.

Produção e vendas disparam

Antes da chegada do Vale do Lítio, Lislene mal conseguia vender dez panos de prato a cada seis meses. “Meu produto, meu dinheiro, tudo ficava parado”, relembrou. Hoje, depois de capacitação e microcrédito, ela comercializa cerca de 15 peças por mês, entre produtos que variam entre sousplats (decoração de mesas), bolsas de crochê e panos de prato, com preços que variam de R$ 22 a R$ 68.

Já Cida, que antes vendia cerca de oito itens por mês, agora comemora uma média de 25 vendas mensais. A procura por agendas (R$75,00 a R$100,00) saltou de três para 10 unidades por mês, e os cadernos(R$55,00), de um para 10, quase todos encomendados por funcionários da Sigma. Com orgulho, ela destaca: “Hoje eu tenho máquinas para minha produção e consegui comprar por meio dessas vendas! E também fiz cursos de empreendedorismo.”

Desenvolvimento sustentável e geração de renda

As histórias de Lislene e Cida refletem os impactos do Vale do Lítio (Lithium Valley Brazil), iniciativa do Governo de Minas, coordenada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede-MG) em parceria com a Invest Minas. O projeto transformou o potencial mineral do Norte de Minas em desenvolvimento: 17 municípios mineiros, como Araçuaí, Coronel Murta, Itaobim, Jenipapo de Minas, Pedra Azul, Salinas e Taiobeiras, já foram beneficiados.

Segundo dados apurados pela Agência Minas, os investimentos na cadeia do lítio já somam R$ 6,3 bilhões, com geração de mais de 3,9 mil empregos diretos. Para a secretária Mila Corrêa da Costa, o Vale do Lítio é uma chance histórica: “Nosso compromisso é atrair investimentos sustentáveis, gerar empregos qualificados e posicionar Minas como referência na economia verde.”

Empreendedorismo feminino e desafios

De acordo com o Sebrae Nacional, o Brasil terminou 2024 com 10,4 milhões de mulheres donas de negócios, o que corresponde a alta de 33% em uma década.  Apesar destes números, as mulhees representam apenas 34,1% dos empreendedores do país, mesmo sendo maioria na população economicamente ativa.

A evolução mais expressiva ocorreu nas regiões Sul e Sudeste do país mas os desafios persistem: as mulheres seguem trabalhando, em média, menos horas do que os homens, por conta da dupla jornada de trabalho e responsabilidades domésticas, o que impacta diretamente seus negócios.

Mesmo com crescimento recorde, o número de empreendedores homens ainda ultrapassa os 20 milhões. Desde o início da pandemia, o número de mulheres donas de negócio subiu 8,6% no período, quase o dobro do crescimento entre os homens (4,6%).

Apesar do aumento da participação das mulheres em diversos setores da sociedade, quando se trata de empreendedorismo, ainda há muitos obstáculos a serem vencidos, como a necessidade de equilibrar as responsabilidades profissionais e domésticas.  Os dados revelam disparidades na maneira como homens e mulheres administram suas tarefas cotidianas, destacando um problema estrutural que afeta profundamente o desempenho e a saúde das empreendedoras.

Planos para o futuro

Assim como Lislene sonha em ter uma loja física, para vender suas peças e abrir espaço para outras artesãs, Cida quer ampliar ainda mais sua produção e ajudar outras mulheres da cidade a viverem do próprio trabalho. “Trabalho muito, mas é compensador. É o progresso que chegou para mudar a nossa história”, resumiu Lislene.

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