Casa criada por três amigas do interior de Minas Gerais destaca a cozinha afetiva e raízes
familiares
As paredes pintadas em tons claros recebem louças clássicas, quadros e outros
objetos que contam histórias de famílias inteiras, avôs e avós, mães e pais, filhos e
filhas. Assim como as casas do interior, é possível sentir o afeto de forma palpável circulando pelo ar da Copa Cozinha. Por ali, até mesmo as mesas, cadeiras e armários conversam entre si e com
quem entra. Ademais, os cheiros e gostos tentam confundir até os
paladares e olfatos mais aguçados. É como ser aconchegado e abraçado em uma
casa de vó, sentar-se à mesa com a família e ouvir histórias por horas a fio. Bem
perto do fogão à lenha, onde os quitutes são preparados, o cheiro de café invade a
alma e o vapor da água aquece a prosa, trazendo o riso fácil e dando lugar às
melhores histórias contadas na copa e na cozinha.
A Copa
Seja entre os agitos do 2º andar do Mercado Novo – um dos espaços mais amados
pelo público que pretende aproveitar quitandas e quitutes mineiros – ou em uma
casa preservada no coração do bairro Floresta, a Copa Cozinha é um transporte
imediato para uma boa casa de avó. Por analogia, a decoração, quase antiquada, remete ao
aconchego pelo qual nós mineiros somos tradicionalmente reconhecidos. No momento em que se pisa, está em paz. Lá é tudo
sem pressa nem segredo. A industrialização tão característica do tempo em
que vivemos é substituída pela tranquilidade de aproveitar o tempo. Os cheiros, os sons e as conversas descontraídas revelam o outro
lado da região central de BH. Um lado que vislumbra as tradições que o avanço do
tempo insiste em reduzir a meras lembranças, atropelando o passado e construindo
um futuro que nunca chega.
É em lugares como este que a saudade faz morada. Essa palavra que tanto nos
assombra pode dar lugar à contemplação e a um pequeno respiro em meio ao caos
do centro urbano. As portas da Copa Cozinha recebem sonhos e ideais de uma vida
a fim de que se encontre leveza em meio ao caos. Sem atropelos. Guiando-se pelos
sentidos, as pessoas podem fazer do cafezinho um momento para desacelerar ou
desimaginar. Podem encontrar amigos e amores, conhecer alguém ou até mesmo
se reencontrar consigo mesmas. Tudo vale.
A criação
A casa de quitandas foi criada por um grupo de amigas: as irmãs Cristina Gontijo e
Julia Queiroz, e a amiga Maíra Sette. Nascidas no interior de Minas (Cris e Ju em
Montes Claros, Maíra em Resende Costa), elas cresceram acostumadas antes de mais nada à rotina de
casa cheia – com refeições que se estendiam durante o dia todo, a começar pelo
tradicional cafezinho. Todavia, não era possível viver o mesmo na capital, BH. Após dez anos dividindo o mesmo apartamento, e mais alguns
de amizade, surgiu a ideia de criar um projeto para matar a saudade de casa com
um clássico: o café mineiro. Entrar e sentar – seja na mesa grande do Mercado ou
em um dos espaços da casa no Floresta – é uma experiência de conexão com uma
simplicidade que abraça.
“A mesa vive pronta. As bocas do fogão estão acesas. O
cheiro é de pão com queijo derretido. A receita até muda, mas
nunca falta bolo de fubá. O ovo a gente come com a gema
mole. Aqui é o maior espaço do mundo, mesmo que não
tenha espaço nenhum”
A história
“Cada uma seguiu um plano, ou seja, a cozinha não fazia parte da nossa vida
profissionalmente”, conta Maíra. Design de moda, design de produto e
administração: áreas profissionais com atuações completamente distintas e que,
talvez, poderiam ter afastado as amigas Cris, Ju e Maíra. Apesar disso, a ideia de
abrir o estabelecimento surgiu durante o período de restauração do Mercado Novo.
As conversas iniciais tiveram o objetivo em comum de apoiar o empreendedorismo
mineiro de maneira única e inovadora.
“Desde o início, a gente queria que fosse uma mesa de café, mas tipo uma
cafeteria. Por isso, tinha que ser uma mesa mesmo, integrada com a história da cozinha,
porque a ideia era reproduzir muito dessa vivência que a gente teve de alguém
cozinhando, batendo massa, enrolando pão de queijo, comendo e conversando no
mesmo lugar”, relembra uma das criadoras. Dessa ideia, surgiu o nome do local:
Copa Cozinha – uma referência aos dois cômodos da casa.
A autenticidade
Maíra sempre gostou da área têxtil e também é dona da Aveia Tapeçaria
Artesanal, em Resende Costa e Belo Horizonte. Afinal, foram dez anos de profissão
e quatro estudando Design. Ela afirma que não daria certo em sistema de profissão
nenhuma – nem Medicina, nem Moda. Desse modo, a questão de não estar ligada a nenhum
sistema tem a ver com a decisão de não querer franquia para o negócio. Ela
concorda que “crescer é muito legal, né? Porque a gente tem a missão e as coisas
vão ganhando uma força, mas a gente pensa muito mais em outras experiências
que tenham a ver com o Copa Cozinha, que fortalecem mesmo sendo pequeno,
pois não é o caso imaginar o Copa gigante”.
Primeiramente, a ideia de não perder a originalidade, de “ser pequeno”, faz do Copa Cozinha
único. Conforme o tempo passa, Maíra considera a experiência de crescer com o serviço muito desafiadora:
“uma operação que era de dois metros quadrados para uma casa inteira”.
A originalidade caiu no gosto dos clientes e encanta surpreendentemente até os mais
jovens. Giovanna Santos, de 17 anos, tomou gosto pelas inúmeras cafeterias da
capital mineira e a Copa cruzou o caminho dela de uma forma especial. “Comer não é nutrir o corpo, também é nutrir o coração e a alma. Embora as
comidas sejam tradicionais de Minas, a forma como elas são servidas com as
louças clássicas de Duralex e o ambiente como um todo, que poderia ser o quintal
da casa de várias avós mineiras, torna a experiência nostálgica e aconchegante
como um regresso à infância. É um ambiente de paz”, diz a cliente.
Visite o Instagram da Copa Cozinha: @Copa_Cozinha
A participação
A Copa também já recebeu casamentos e é certamente um ambiente incrível para isso. Sheyla Starling procurou um espaço
intimista para poucos convidados, com a ideia de se casar durante o dia.
Inicialmente, o casal não tinha nada definido. “Nós entramos e fomos direcionados
ao jardim que fica nos fundos da casa. No momento em que vimos aquele ambiente foi
uma coisa automática para nós dois”, ressaltou.
Ela e o marido gostaram tanto da casa no bairro Floresta que decidiram então
realizar dois eventos no local: a união matrimonial e uma recepção para os
padrinhos. “Todo mundo usou essa expressão: ‘nossa, aqui parece a casa da avó. Aqui tem esse traço comum dessa hospitalidade’”.
Sheyla ainda comentou sobre o estilo da Copa, que se adequa bem a
qualquer tipo de cerimônia. “Elas fizeram um buffet comprido com a mesma
característica de mesa posta, com os quitutes todos em cima. Tinha tudo que
costumam servir, com um cardápio adaptado, assim como o estilo que a casa oferece.”
A conexão
Maíra, uma das proprietárias, relata a importância de “olhar para BH, não só
para os lugares que estão surgindo, como também para lugares que sobreviveram há
anos, como a Confeitaria Antonella, a Momo, entre outras. São lugares que estão
aqui há vinte anos”. “Nesse sentido, o que a gente entende como Copa Cozinha é extrapolar essa
valorização da quitanda para experiências na cidade como um todo. Sobretudo fazer feiras,
descobrir pequenos fornecedores que estão aqui na cidade, como pequenas
docerias quase escondidas pela capital”. As proprietárias sentem a necessidade de conexão, diferentemente de outros estabelecimentos, sobretudo os deliverys.
Assim como as meninas do Copa, outras pessoas vivem o mesmo. É comum que continuem a vida inteira reproduzindo receitas de família como
biscoitos, balas, doces ou acabam idealizando pequenas fabriquetas
desconhecidas. Nesse sentido, um dos objetivos da Copa Cozinha é o de encontrar essas
pessoas. Aliás, as proprietárias fortaleceram essa ideia ao olharem para os bares de Belo
Horizonte – mais especificamente para o concurso Comida di Buteco, que obteve
incentivo da prefeitura e o apoio de um canal de televisão.
A partir disso, as proprietárias do Copa Cozinha pensaram em um evento
diferente, pois sentiram a necessidade de falar da cultura mineira.
Elas citaram como exemplos as feiras gastronômicas das regiões de Congonhas e
Tiradentes, além de outros eventos que acontecem no interior, como em São Tiago,
onde há a Festa do Café com Biscoito.
Todavia, elas pretendem extrapolar e não contar apenas a história do
empreendimento, como também tantas outras histórias legais espalhadas por aí.
Dessa forma, Maíra, Cristina e Julia pensaram em aprofundar as pesquisas com a
colaboração de um jornalista.
“É importante pensar em projetos de leis e projetos
sociais que são apoiados por instituições de governo
como a Belotur que dão apoio a festivais com o
propósito de reunir pessoas como em um Festival de
Quitandas de Inverno, por exemplo. Fechar algumas
ruas da cidade na zona sul ou na zona leste, ser
itinerante. A proposta está em explorar o que se tem
de familiar para uma força potente de produção
artesanal de quitanda em BH e depois montar uma
linha de produtos Copa Cozinha pra casa.
Neste podcast, Maíra Sette conta sobre a criação da Copa Cozinha. Confira!
Conteúdo produzido por Flavia Aparecida de Assis Araújo, Isadora Karine Rabelo, Laura Couto Lopes, Maria Clara Sales Lacerda Gomes, Pedro Henrique Maia do Prado Miranda na disciplina Produção em Jornalismo Digital e Jornalismo Cultural, sob a supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini e a professora e jornalista Junia Miranda de Carvalho.
Leia também: Conheça a história do Bar do Zezé, clássico do Barreiro