Aos 56 anos, a professora universitária Célia Regina sempre se considerou uma pessoa tranquila com a própria idade e aparência. A rotina de muito trabalho e pouco tempo para vaidades, porém, foi afetada com a chegada da pandemia do novo coronavírus e, com ela, sua convicção frente à própria imagem.
Para além das dificuldades e da ansiedade geradas pela crise sanitária, o regime remoto de aulas, adotado pela universidade em que leciona, foi de grande impacto, também, para a auto estima da professora. Acostumada a estar sempre à frente de alunos, agora, ela passa tardes inteiras em reuniões virtuais olhando a própria imagem pela tela do computador. “Eu fico procurando um ângulo na câmera e não acho nenhum. Às vezes eu acho que a câmera é que está embaçada, que não está mostrando direito”, conta.
Esse estranhamento levou Célia a começar a considerar a ideia de realizar cirurgias plásticas para corrigir rugas e expressões que, antes, não a incomodavam tanto. “Me vendo e vendo os outros, fico pensando ‘olha, eles estão melhores do que eu’. Acho que estão se cuidando mais, que eu estou precisando me cuidar mais. Então, tenho pensado que existem coisas que eu tenho que fazer imediatamente”.
O sentimento da Célia é compartilhado por centenas de outras mulheres que estão sofrendo com o que a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) chamou de Efeito Zoom. “O excesso de lives e de espelhos domésticos começou a mostrar para o homem e para a mulher aquelas alterações causadas pela idade que eles não tinham tempo para ver, justamente porque estavam super ocupados no seu dia a dia”, defende o cirurgião plástico e ex-presidente da SBCP, Jorge Antônio de Menezes.
Segundo ele, desde setembro e outubro de 2020, quando algumas medidas sanitárias foram flexibilizadas, começaram a chegar pacientes no consultório em busca de procedimentos complementares; aqueles que, segundo o doutor, “te deixam linda sem precisar de bisturi”. O medo de frequentar um hospital durante a pandemia levou pacientes a preferirem as intervenções não-cirúrgicas, como a aplicação de toxina botulínica — o famoso botox —, ou o peeling químico, tratamento realizado com aplicação de produtos que provocam uma descamação da pele para reduzir as linhas causadas pelo envelhecimento.
A frequência do uso de telas, porém, só agravou uma questão que já existia. De acordo com dados da SBCP, o Brasil é o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo, alcançando quase 1,5 milhão de procedimentos por ano.
Célia Regina, por exemplo, é a mais velha de quatro irmãs e a única delas que ainda não recorreu ao botox, à lipoaspiração ou ao silicone, cirurgias plásticas mais comuns dentre as mulheres brasileiras. “Eu já vinha convivendo com essa questão de ver todos a minha volta fazendo procedimentos e eu não. Aí eu penso ‘puxa, será que eu não preciso ou será que eu só acho que não preciso?’ “, questiona.
O médico, porém, alerta que é preciso sempre se atentar para os limites éticos dessas intervenções, cujos benefícios devem ser pensados, também, a longo prazo. “Essa procura incessante, esse boom de cirurgias plásticas, tem produzido verdadeiras alterações corporais incompatíveis com a arquitetura corporal dos pacientes”, adverte o cirurgião.
Pressão estética x Auto estima
Para o doutor Jorge, o aumento do número de cirurgias no país nos últimos anos está ligado, principalmente, a dois fatores: o aumento do número de cirurgiões no mercado, incentivando o barateamento dos procedimentos estéticos; e a pressão estética, que sempre existiu, mas que agora ecoa através das redes sociais digitais. “Tudo tem levado a um aumento da procura por cirurgia plástica, mas eu acredito que o real desejo de mudança deve estar em torno de apenas 30% dos casos. O resto é um empurrão social”, defende.
O empurrão a qual se refere o cirurgião é este padrão de corpo ideal construído socialmente, que faz com que mulheres acreditem que para serem importantes e amadas precisam estar sempre bonitas, magras e jovens. Essa pressão estética acaba interferindo diretamente na autoestima e, a longo prazo, podem ter consequências maiores na vida das pessoas; o que acaba levando muitas para a mesa de cirurgia.
É o caso da estudante de medicina Camila Junqueira. Aos 22 anos, ela relata já ter se sentido desconfortável com o próprio corpo inúmeras vezes, o que a fez sonhar com a prótese de silicone. “Comecei a me sentir muito incomodada e isso começou a influenciar negativamente no meu dia a dia, eu não tinha mais vontade de publicar fotos em minhas redes sociais e sempre sentia a necessidade de retoques. Depois de fazer a cirurgia, me senti mais confiante em todas as áreas da minha vida, inclusive profissionalmente”, relatou.
De acordo com a psicóloga e fotógrafa, Isadora Rodrigues de Souza, a autoestima funciona como uma espécie de reguladora: “a nossa autoestima é a nossa autovalorização, então são os parâmetros e as expectativas que a gente tem com a gente. Seja física, emocional, intelectual, para a gente melhorar, avançar em algumas questões”. A psicóloga destaca, ainda, como a pressão estética impacta mais agressivamente aos adolescentes, que já crescem acompanhados do uso da internet, e imersos em uma superexposição da rotina e dos corpos. “Essa já é uma fase turbulenta por si só, um período de autoafirmação. Junta tudo isso que a gente está vivendo, com a pressão das redes sociais e a gente tem uma bomba relógio”, aponta.
Os problemas de autoestima, agora, começam desde cedo. A estudante de direito, Mariana Castro, de 21 anos, nem se lembra de quando começou a se incomodar com os próprios seios, mas sabe que o desejo de realizar a mamoplastia é antigo. Apesar da convicção, ela reconhece que as motivações por trás dessa vontade ultrapassam suas questões individuais. “É porque a gente vê nos outros, porque a gente aprendeu que o que a gente está vendo ali é o que é bonito, é o que os outros vão gostar. A gente quer fazer na gente para ficar igual, por achar que isso vai fazer a gente ser melhor aceito”.
O papel das influencers
Isadora explica que, com a chegada das mídias sociais, a fotografia deixou de ser um registro de um momento único ou de uma lembrança, passando a ser uma auto-afirmação de felicidade. Surgem os influenciadores digitais, com páginas dedicadas à rotina de beleza e de exercícios que, ao divulgar esse “lifestyle” ideal,conseguem impactar a relação de milhares de pessoas com os próprios corpos, inclusive negativamente.
Recentemente, um do caso de repercussão que ajudou a reacender esse debate, foi o da atriz e influencer Giovanna Chaves. A jovem de 18 anos, que tem um público predominante de adolescentes na faixa etária de 12 à 17 anos, divulgou em suas redes sociais o procedimento a que se submeteu durante a quarentena: uma Lipo Lad — também conhecida como Lipo HD — o novo tipo de lipoaspiração que ganhou o coração das famosas, ao desenhar uma barriga super definida. Além da pouca idade, Giovanna foi questionada se realmente precisava de cirurgias plásticas, uma vez que já é uma mulher magra e dentro dos padrões. A atriz foi muito cobrada, também, pela forma com que divulgou o fato nas mídias sociais, com vídeos e fotos da cirurgia, indicando a clínica estética para suas seguidoras sem antes alertá-las para os riscos de um procedimento tão invasivo.
Para Isadora, comportamentos como o de Giovanna Chaves contribuem para que o ambiente digital seja cada vez mais tóxico para seus usuários. “A rede social virou um blindex para todo mundo, ela protege dos problemas e você só mostra o que você quer. E isso é muito perigoso, porque lá a gente tem um padrão de beleza, um padrão de corpo, um padrão de comportamento aceito. A nossa relação com o corpo é completamente deturpada”. Muito crítica à questão do marketing de influência, Isadora defende que o ambiente virtual precisa ser melhor fiscalizado: “quando você vai pegar uma campanha de publicidade na televisão, por exemplo, essa campanha segue regras, diretrizes. Um influenciador digital não. Ele indica o que ele quer, de onde ele quer, da maneira como ele quer. A gente vê absurdos! Afinal, você está influenciando o quê?”.