O jornalismo de Carol Pires é uma travessia entre linguagens e formas de ver o mundo, marcado por uma busca constante por narrativas que aprofundem o debate público e revelem o que muitas vezes escapa ao noticiário tradicional. Da imprensa escrita ao roteiro de documentários, do palco da política institucional ao microfone do podcast, a trajetória de Carol Pires como jornalista multimídia com foco em política se consolida com escuta atenta, apuração rigorosa e olhar sensível.
Somando no currículo passagens por veículos como Folha de S.Paulo, Revista Piauí, The New York Times e The New Yorker, Carol também assinou o roteiro de Democracia em Vertigem, indicado ao Oscar, e criou o podcast Retrato Narrado, uma das obras mais relevantes sobre a vida e ascensão política de Jair Bolsonaro. Em cada projeto, Carol alia investigação minuciosa, profundidade analítica e domínio técnico, transformando diferentes formatos em espaços de reflexão crítica sobre o Brasil.
Infância e motivação para o jornalismo
Carol Pires, hoje com 39 anos, nasceu em Brasília, em uma família de classe média. Filha de uma professora da rede pública e de um bancário, foi desde cedo estimulada a refletir sobre o mundo à sua volta. Cresceu frequentando, ao lado dos pais, greves, manifestações e lutas sindicais por melhores salários e direitos — um ambiente em que a política fazia parte da rotina e estimulava, ainda na infância, o interesse pelo tema.
Durante o ensino fundamental e médio, língua portuguesa era a matéria favorita. Gostava de escrever crônicas, cartas, histórias cômicas e perfis de amigos. Por um tempo, pensou em ser professora ou poeta. Mas também havia uma admiração pelas jornalistas que via na televisão — figuras que organizavam os fatos e ajudavam a entender o país. A vontade de transformar o mundo e esclarecer as pessoas acabou a conduzindo ao jornalismo.
Após concluir o ensino médio, ingressou no curso de Jornalismo no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Ainda chegou a considerar Cinema e Publicidade, áreas que também a interessavam, mas seguiu com o Jornalismo — guiada pelo desejo de investigar a política e narrar o país com profundidade.
Formação e novos horizontes

No fim da faculdade, Carol Pires ainda não tinha experiência prática na área que mais lhe interessava: o jornalismo político. A primeira oportunidade surgiu por insistência. Após enviar diversos e-mails ao jornalista Ricardo Noblat, então diretor do Correio Braziliense, ela conseguiu um estágio de um mês para cobrir o Congresso Nacional.
Foi um começo desafiador. Sem familiaridade com o ambiente, precisou aprender, na prática, como circular por aquele espaço de poder. “Ontem teve uma votação na CPI e eu quero que você descubra como cada um dos senadores votou… Eu fui pro Congresso, eu não sabia nem como entrava lá”, relembra do desafio proposto pelo ex-editor. A saída foi perguntar a seguranças e servidores como identificar os parlamentares e se situar nos corredores do Congresso.
Ao fim do estágio, foi contratada como repórter. A experiência marcaria o início de uma trajetória pautada pela curiosidade e pelo mergulho em ambientes complexos. “Em uma semana eu estava no show do Natiruts na UNB e na outra entrevistando o Sarney ou numa coletiva com o presidente Lula. Eram dois mundos, duas maturidades”, brinca. Para Carol, essa convivência com universos tão distintos se tornou, com o tempo, uma forma de entender melhor as dinâmicas do poder e das desigualdades sociais.
Com apenas 23 anos, Carol já integrava a equipe do Estadão, como a repórter mais jovem da redação. Lá, começou a consolidar o olhar para os bastidores da política — uma escuta que levaria consigo para todos os formatos em que viria a trabalhar.
Jornalismo no Brasil e nos EUA
Em 2015, Carol Pires ganhou uma bolsa para cursar mestrado em Política Latino-Americana na Columbia University, em Nova York. A experiência no exterior ampliou sua visão sobre o ofício e evidenciou as diferenças estruturais entre o jornalismo praticado no Brasil e nos Estados Unidos.
É incomparável a quantidade de recursos que os veículos norte-americanos têm em relação aos brasileiros.
Carol Pires, jornalista
Para ela, dois aspectos se destacam: o investimento financeiro e a estabilidade institucional. Enquanto veículos como The New York Times ainda contam com equipes robustas, formadas por redatores, editores, revisores e checadores, no Brasil as redações sofrem com cortes e sobrecarga. Carol aponta que a dificuldade de adaptação às novas formas de monetização impactou diretamente a sustentabilidade do jornalismo nacional.
Apesar de reconhecer que a crise afeta também os grandes jornais internacionais, ela ressalta que as oportunidades fora do Brasil ainda são mais amplas e diversificadas. Com passagens por veículos como The New York Times, The New Yorker, Gatopardo (México), Internazionale (Itália) e Reportagen (Suíça), Carol construiu um repertório que une experiências locais e globais — sempre tendo a política como eixo central.
Carol Pires e as várias possibilidades de linguagem
Carol Pires conta que a experiência inicial no Estadão estava sustentada em um jornalismo diário mais ortodoxo. No periódico, as oportunidades para exercer a criatividade eram poucas. “Lembro de matérias em que meu chefe precisava brigar para que saíssem no jornal. Uma vez, um grupo de capivaras invadiu o espelho d’água da Câmara, e os funcionários tentavam capturá-las com um barco — mas os animais davam ‘um olé’ neles. Fiquei observando a cena e, depois de muita insistência, consegui publicar uma crônica sobre aquilo.”
No entanto, ao conhecer a Revista Piauí, ela se interessou pela oportunidade de explorar uma escrita mais criativa. “No jornalismo diário, o foco é a apuração rápida, mas na Piauí vi a chance de explorar a escrita com mais profundidade e estilo”, diz ela.
Começou a escrever como freelancer para a revista, oferecendo textos que se distanciavam da rigidez do Estadão. Um dos mais marcantes foi “Suplicy: Sensual”, sobre as cartas de amor que o político Suplicy recebia. A Revista Piauí representava para Carol um espaço de liberdade criativa, onde a narrativa era mais pessoal e investigativa, o que se tornou uma característica de seu trabalho.
Após um tempo em Buenos Aires, Carol retornou ao Brasil e foi contratada pela Piauí, onde passou a se dedicar integralmente ao jornalismo narrativo. Foi também nessa fase que, ao receber elogios do roteirista Marcelo Starobinas, ela percebeu a conexão entre jornalismo e roteiro: “Isso desmistificou para mim a distância entre o trabalho do roteirista e do jornalista. Percebi que um bom jornalista de escrita já está a meio caminho de se tornar um roteirista.” Essa nova percepção a fez perceber que suas habilidades no jornalismo poderiam ser facilmente transpostas para o mundo do roteiro, ampliando ainda mais as possibilidades de sua carreira.
Narrativas políticas em imagem e roteiro
A entrada de Carol Pires no audiovisual se deu com o documentário Democracia em Vertigem, dirigido por Petra Costa e indicado ao Oscar em 2020. Inicialmente, Carol foi chamada para atuar como consultora política, ajudando a entender as conexões e os personagens políticos nas imagens gravadas. No entanto, a participação foi além dessa função inicial, e ela se envolveu diretamente na construção do roteiro, marcando uma transição de experiência no jornalismo tradicional para a narrativa cinematográfica.
O Democracia em Vertigem foi um treino visual, no sentido de como contar uma história através de imagens. Minha memória antes era totalmente textual.
Carol Pires, jornalista
Democracia em Vertigem se aprofundou na crise política brasileira, especialmente no impeachment de Dilma Rousseff, e que, apesar do filme partir de um ponto de vista pessoal de Petra Costa, Carol também enfrentou o desafio de assumir uma posição política mais explícita. “Eu pensava: depois que esse documentário for lançado, nunca mais serei chamada para uma reportagem”, admite, refletindo sobre o peso de se posicionar em um projeto tão parcial.
Além disso, a experiência trouxe um novo entendimento sobre a linguagem do cinema, pois as entrevistas e a maneira de abordar os acontecimentos passaram a ser mais subjetivas, explorando o que estava por trás dos fatos. Carol teve que aprender a navegar entre diferentes tipos de narrativa, percebendo que o cinema oferece uma flexibilidade que o jornalismo tradicional nem sempre pode proporcionar.
Carol também colaborou com o programa Greg News, exibido pela HBO. Lá, mergulhou no universo do roteiro televisivo com humor e crítica política, ampliando ainda mais as próprias possibilidades narrativas. “Tudo que eu tinha sido formal, em 10 anos, cobrindo o Congresso, ali eu podia zoar”, afirma. No programa, ela encontrou liberdade criativa para explorar o sarcasmo, a ironia e a sátira como ferramentas de análise.
A experiência no Greg News se tornou um contraponto ao tom mais reflexivo de Democracia em Vertigem, mas igualmente importante para consolidar a evolução como jornalista multidimensional, capaz de contar histórias através de diferentes formatos e linguagens.
Retrato Narrado e o poder do podcast
Eu acho que o podcast é um vínculo muito mais pessoal, a pessoa está ali te escutando.
Carol Pires, jornalista
Outro meio em que Carol conseguiu explorar o jornalismo foi o podcast — em especial Retrato Narrado, em que ela encontrou uma ferramenta capaz de aprofundar a análise política ao mesmo tempo em que estabeleceu uma relação mais próxima com o público. O projeto, centrado na trajetória de Jair Bolsonaro, exigiu intensa pesquisa. Ao se debruçar sobre os discursos, ações e contextos políticos que possibilitaram a ascensão do ex-presidente, Carol buscou não apenas relatar fatos, mas compreendê-los em sua complexidade. Como destaca, o trabalho demandou “uma pesquisa muito minuciosa, em cima de cada discurso, de cada ação pública, de cada coisa que ele dizia”, com o intuito de tecer uma narrativa crítica e conectada às transformações do cenário político nacional.
Mais do que um recurso informativo, Carol enxerga o podcast como um formato que favorece a construção de vínculos com quem ouve. A imediação criada pela escuta direta permite ao público uma relação mais próxima com o conteúdo, possibilitando reflexões profundas mesmo em meio às atividades do cotidiano. Essa característica transforma o podcast em um espaço privilegiado para abordar temas densos de maneira acessível, sem abrir mão da profundidade — algo que, para ela, amplia o alcance e a potência do jornalismo narrativo.
Além disso, essa incursão no universo do áudio representou uma nova dinâmica de criação. O podcast, ao exigir uma linguagem menos formal e mais direta, desafiou Carol a adaptar a própria maneira de contar histórias, encontrando nesse formato uma oportunidade de experimentar novas formas de comunicação sem perder o rigor investigativo. Assim, o Retrato Narrado exemplifica não só a versatilidade da atuação de Carol, mas também o potencial do podcast como uma das ferramentas mais relevantes do jornalismo contemporâneo — capaz de informar, provocar e conectar, tudo ao mesmo tempo.
Futuro e escuta como ferramenta
A gente precisa desacelerar para ouvir melhor.
Carol Pires, jornalista
Carol Pires entende o jornalismo como uma prática em constante renovação, movida pela curiosidade e pela escuta atenta. Em um cenário de polarização e ruído, ela defende a desaceleração, a observação cuidadosa e o tempo necessário para que as histórias amadureçam antes de serem contadas. Para ela, o jornalismo deve ser um espaço de reflexão profunda, de escuta e de desenvolvimento, formas de resistência contra a superficialidade das informações rápidas.
Embora não saiba qual será o próximo formato ou projeto, Carol está certa de que continuará investigando a política brasileira com a mesma profundidade. Em um trabalho que transita entre diferentes meios, há uma busca constante pela verdade e pela construção de narrativas que desafiam o senso comum. Entre câmeras, microfones e palavras, ela segue ouvindo e convidando o público a fazer o mesmo, criando espaços para reflexões mais críticas e complexas
Este perfil foi produzido por Ana Valácio, Camilly Morena, Gabriel Basilio, Gustavo Prado e Izadora Macedo, sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Nalon Sanglard, na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. A monitora Izabella Gomes colaborou com a edição digital.