O BBB é um fenômeno diretamente relacionado à sociedade do espetáculo: reality mais popular no Brasil, seja na TV, seja no pay-per-view, muitas pessoas acompanham o show que dura 100 dias. A espetacularização da vida privada atinge o auge no Big Brother Brasil.
Não é mistério que o nome do fenômeno da TV brasileira (Grande Irmão, em tradução livre) seja referência direta à obra “1984”, de George Orwell, ambientada na distópica Oceania. Assim como no programa, na história, os personagens são vigiados e manipulados pela entidade do Grande Irmão.
O que é a “Sociedade do Espetáculo”?
O termo “sociedade do espetáculo” foi utilizado pela primeira vez em 1967, pelo escritor e pensador francês Guy Debord. Em seu livro de mesmo nome, ele argumenta, em perspectiva marxista, que em uma sociedade regida pelo capitalismo, as imagens funcionam como meio de dominação utilizado pela mídia.
Sobre o tema, a professora da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, Cláudia Siqueira, acrescenta à ideia de Debord: “o poder especular se consolida com o crescimento do neoliberalismo, em um contexto no qual tudo tende a se tornar imagens mercantilizadas”.
Assim, o poder espetacular das imagens leva o indivíduo à condição de passividade. “Instala-se aí uma condição favorável para a alienação, entendida como o bloqueio do pensamento crítico e por uma supremacia do consumo”, comenta a professora, sobre o contexto neoliberal.
O espetáculo Big Brother Brasil
O conceito também surgiu como uma tentativa de explicar o mundo após o advento da Indústria Cultural, em que a produção e o consumo das imagens sustentam a sociedade do espetáculo e do consumo. O termo Indústria Cultural foi utilizado pela primeira vez em 1944 por Theodor Adorno e Max Horkheimer e, mais tarde, criticado por outros filósofos, como Jürgen Habermas. Em seu livro “Teoria da Ação Comunicativa”, Habermas pondera que os pensadores da Escola de Frankfurt desconsideram o papel ativo dos atores sociais.
No Big Brother, após o sucesso da edição 2020, em que o paredão Manu, Prior e Mari bateu recorde com mais de 1,5 milhões de votos, a temporada 2021 somou mais de 500 milhões de patrocínio em cotas disputadas pelas marcas. O espetáculo fortalece a imagem dessas marcas e impulsiona suas vendas. Em 2020, após a primeira ação da C&A na casa, o tráfego orgânico para o site da marca aumentou 340%.
Poder dos conglomerados de mídia
Ainda segundo Cláudia Siqueira, os grandes conglomerados de mídia, como a Globo, agem economicamente e politicamente para defenderem seus interesses e os da sociedade capitalista. “Nessa lógica, influenciam a forma das pessoas pensarem e agirem por meio da produção contínua de novas imagens e mercadorias”, conclui.
Em contrapartida, Adriano Machado, psicanalista e professor na Universidade Federal do Tocantins (UFT), lembra que existe uma interação entre os meios de comunicação e o telespectador, que não é, portanto, um agente passivo da comunicação. Mesmo assim, por falta de tempo para se dedicarem a análises meticulosas, as pessoas acabam elegendo veículos e fontes que confiam para se informarem.
Nas oportunidades que teve de assistir ao BBB, o professor afirma que percebeu a imensa exposição das pessoas confinadas. “Há uma exposição avassaladora da vida íntima, daquilo que não contamos nem aos psicanalistas”, comenta. Para ele, a espetacularização da vida privada está mais relacionada a programas que contam com a participação de famosos e a exposição das suas vidas íntimas. “Na falta de outros discursos diários mais elaborados de nosso cotidiano, podemos inadvertidamente assumir essas realidades como dadas, como pontos de referência para nossos estilos de viver”, completa.
Por que gostamos tanto de assistir ao BBB?
Para explicar o prazer em assistir à vida alheia, o psicanalista Adriano Machado destaca que vivemos em um momento da pulverização dos discursos, em que vários estilos de vida coexistem. “Gostamos de ver a vida alheia porque ela nos serve de parâmetro para avaliar nossas próprias escolhas”, afirma. Assim, o telespectador geralmente elege um participante favorito que reafirma as suas escolhas e visões no plano moral, cognitivo ou estético.
Ele também reflete sobre a comodidade do reality. “É mais fácil sentar no sofá e rir das brigas na televisão do que buscar relações concretas, que efetivamente atendam nossas carências”, avalia.
O narcisismo predomina nessa realidade
Segundo Adriano Machado, o consenso entre psicanalistas é de que, na contemporaneidade, predominam estruturas da personalidade narcisista, como o egocentrismo. Assim, o sujeito, incapaz de visualizar as demandas endereçadas a ele por outra pessoa, acaba perdendo-a. “Podemos, então, substituir o outro por um simulacro de relacionamento, como escolher um participante do Big Brother com o qual construiremos uma relação virtual”, teoriza.
Entretenimento ou alienação?
Na concepção de Adorno e Horkheimer, exposta na obra Dialética do Esclarecimento (1944), a Indústria Cultural anula o indivíduo, tornando-o prisioneiro do capital. O entretenimento serve, então, para satisfazê-lo e representá-lo na televisão, enquanto o aliena e o conforma da sua exploração.
Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. É, de fato, fuga, mas não, como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode ter deixado. A libertação prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação.
Adorno e Horkheimer, 2006, p. 119.
Menos pessimista, o psicólogo Adriano Machado defende que esse alienamento é um mecanismo necessário, pois permite que o sujeito fuja, ainda que temporariamente, da sua própria dor e realidade.
“Segundo Freud, todos nós utilizamos mecanismos de defesa, os quais nos evadem de nossas realidades angustiantes. Toda cultura irá oferecer, de algum modo, modalidades de prazer ou satisfação para que os sujeitos possam construir um equilíbrio entre dor e prazer; felicidade e infelicidade”, coloca.
“Pensar racionalmente sobre nossas vidas, o tempo todo, seria insuportável.”
Adriano Machado
Já Cláudia Siqueira, se alinha ao pensamento da professora Vera Veiga França. “Respeito os autores que compartilham dessa ideia de Adorno e Horkheimer, mas prefiro me aliar às concepções que, mesmo sabendo que não há condições de igualdade entre emissores e receptores na lógica da comunicação massiva, acreditam que é possível pensar em uma recepção ativa”, defende.
Ela ainda completa, remetendo a Kant, dizendo que o sujeito é autônomo e tem liberdade de escolha. “Penso que é possível fugir do fenômeno da espetacularização quando exercemos a nossa capacidade de refletir criticamente sobre as nossas escolhas, sobre o que consumimos”, finaliza. Na contramão, Adriano Machado não acredita que há como fugir do espetáculo, mas que o sujeito pode agir consciente da sua existência.