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As mulheres que sustentam o planeta, mas seguem fora da mesa

Quando pensamos na crise climática e em todos os problemas ambientais que o planeta vem enfrentando, dificilmente também pensamos sobre como a liderança feminina é ignorada e sobre como as mulheres, especificamente, são afetadas por essa questão. Mas um conjunto crescente de evidências demonstra que as mulheres são desproporcionalmente vulneráveis às mudanças climáticas e às consequências que elas trazem.

Segundo as Nações Unidas, as mulheres têm 14 vezes mais risco de morrer ou ficar feridas em um desastre ambiental relacionado ao clima do que os homens. Além disso, elas representam 80% das pessoas deslocadas por condições climáticas extremas.


Isso acontece porque, de acordo com Mariana Balau, doutora em Relações Internacionais da PUC Minas, com foco no estudo do Regime Internacional de Mudanças Climáticas e Governança Ambiental Global, as razões pelas quais elas compõem o grupo mais vulnerável têm a ver com questões estruturais, principalmente ligadas à divisão de gênero do trabalho.

A maior parte das tarefas associadas à sobrevivência cotidiana, alimentos, energia, cuidados, recai sobre as mulheres. Elas também enfrentam complicações físicas e mentais, carregam o fardo de viajar mais longe para coletar água, lenha e alimentos escassos e, muitas vezes, permanecem em áreas propensas a desastres para cuidar dos mais vulneráveis.

Distribuição de alimentos em Beledweyne, Somália, ajuda humanitária realizada durante Operação Restore Hope. Imagem de domínio público, via Wikimedia Commons.

O fato é que o ambientalismo sempre foi uma questão feminina, mas as mulheres nunca assumiram, na mesma proporção, os espaços de tomada de decisão, e isso precisa mudar.

Liderança impulsiona mudanças

Mulheres têm sido, historicamente, as responsáveis pelas decisões de consumo da família, como será a rotina dos filhos, quais são as necessidades mais urgentes e como elas serão resolvidas. Elas exercem um papel de liderança na gestão micro e, como foi mostrado acima, principalmente em situações de crise climática. Então por que não poderiam liderar também na escala macro?

É nesse ponto que a observação da ambientalista Maria Dalce Ricas ilustra a desigualdade estrutural:

O que a gente vê é um movimento, muitas vezes deliberado, de excluir a sociedade das discussões climáticas. E, dentro disso, as mulheres são ainda mais afastadas. Você conhece alguma empresa com conselho majoritariamente feminino? Eu não conheço.

Maria Dalce Ricas

A fala expõe como mesmo quando mulheres exercem liderança dentro das comunidades e dos lares, raramente ocupam os conselhos, as negociações e os espaços formais onde decisões ambientais são construídas.

Para Mariana Balau será necessária uma mudança social profunda para lidar de forma justa com essas questões. Não se trata apenas de abrir espaço para mulheres em cargos de liderança, mas de encarar o fato de que a desigualdade social e econômica de gênero nasce de atitudes discriminatórias que deixam mulheres mais vulneráveis aos impactos ambientais. Além disso, o trabalho de cuidado não remunerado, tão frequentemente realizado por mulheres, segue subvalorizado, apesar de sustentar a economia, a sociedade e o meio ambiente, finaliza Mariana.

Crianças indígenas na COP30 em Belém (17 de novembro de 2025). Foto de Xuthoria, via Wikimedia Commons, sob licença CC BY-SA 4.0


A crise climática aprofunda desigualdades que elas já enfrentam, como explica Sara Sacramento, pesquisadora e co-fundadora do Pretas pelo Clima. Segundo ela, existem ainda agravantes quando olhamos para a perspectiva das mulheres afrodescendentes. Elas estão na linha de frente em suas comunidades, elaborando tecnologias, cuidando dos territórios, promovendo ações de mitigação e resiliência. Mas continuam entre os grupos menos presentes nas mesas de decisão.

IPEA 2022 de Colab FCA PUC Minas

Economia de cuidado

A economia do cuidado é essencial para a adaptação. Adaptar-se ao clima depende de práticas de cuidado, de gestão da água, de alimentação, de redes de apoio, de educação. E essas atividades são majoritariamente femininas.

Além disso, um relatório do IPCC de fevereiro de 2022 aponta que meninas e mulheres enfrentam maior risco de insegurança alimentar do que meninos e homens, morrem mais em eventos climáticos extremos e sofrem impactos mais intensos na saúde mental causados pelas mudanças climáticas.

Um artigo publicado pela editora Elsevier mostra que, em diversos setores, equipes diversas em gênero criam abordagens mais eficazes e equitativas. Um número maior de mulheres na política e na formulação de políticas corresponde a metas climáticas mais ambiciosas e a legislações mais favoráveis ao meio ambiente.

Evidências amplas mostram que a diversidade aumenta a qualidade das decisões. A pesquisa da FGV EAESP indica que 86% das empresas com bom desempenho ambiental têm mulheres em seus conselhos administrativos. Quando mulheres estão no centro das decisões, a mudança aparece.

Mesmo tomadoras de decisão, ainda violentadas

Lorena Aguilar, diretora executiva do Instituto Kaschak, analisa como defensoras ambientais de direitos humanos ainda não contam com protocolos de segurança próprios. Mesmo entre defensores ambientais, os níveis de violência variam muito e, para elas, essa violência se conecta diretamente às questões de gênero. Mulheres relatam ameaças contra si e contra seus corpos, abusos sexuais e também violência indireta, que atinge seus filhos e filhas. Suas vozes raramente recebem a devida consideração. Em muitos países, elas sequer conseguem relatar essas violações.

A ativista climática Patricia Zanella traz uma reflexão de que por mais que mulheres desenvolvam iniciativas inovadoras, tecnologias ancestrais, soluções de sustentabilidade, estejam na linha de frente do ativismo e sejam pioneiras em múltiplos campos, o reconhecimento não acompanha esse protagonismo. Sem visibilidade e fortalecimento, essas iniciativas não se tornam políticas, e não se expandem. É necessário olhar para quais pesquisas mulheres desenvolvem, quais produtos criam, quais empresas lideram. Muitas respostas já existem, mas ainda permanecem fora do radar.

“Como você vai incentivar mais mulheres a fazerem algo que a gente sabe que é violento, que vai ser difícil para ela, se a gente ainda não garante o básico? O direito sexual e reprodutivo dessa mulher, a segurança dela nesses espaços. Como a gente faz com que ela seja menos violentada em todos os processos?”.

Patricia Zanella

COP ainda distante das mulheres

Mesmo que as mulheres sejam as mais afetadas, os homens seguem tomando as decisões. Nos países do Norte Global, considerados líderes das discussões, nenhuma das últimas 16 COPs contou com mais de 50% de mulheres liderando delegações. Quase nunca são elas as tomadoras de decisão. Das 196 delegações presentes na COP29, em Baku, apenas 47 eram lideradas por mulheres, segundo o Gender Climate Tracker. As COPs nunca tiveram uma representação feminina significativa, apesar de serem espaços centrais para o debate climático.

Além disso, países que não apresentam bons índices de liderança feminina seguem comandando decisões que impactam diretamente a vida das mulheres no mundo. Uma mudança interessante, e que pode trazer certa esperança, aparece no projeto encabeçado por Marina Silva, ministra do Meio Ambiente no Brasil.

Eu acredito muito na força do constrangimento ético.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente no Brasil, em entrevista na COP 30
Wikimidia

O Balanço Ético Global, proposto por ela, amplia a ferramenta Global Stocktake, tradicionalmente técnica e pouco sensível às desigualdades de gênero, e introduz uma dimensão ética nas ações climáticas. Não basta discutir números; é preciso discutir valores. Segundo Marina Silva, o Balanço Ético Global considera necessidades específicas das mulheres, especialmente ligadas às políticas de cuidado e ao trabalho não remunerado. É uma novidade importante da COP30, que pode, e deve, se manter nas próximas.

Além de orientar decisões mais justas, o objetivo é integrar essas recomendações às agendas da COP30, influenciando áreas como desenvolvimento humano, finanças climáticas, transição justa, biodiversidade, cultura e educação.

Constrangimento, investimento e educação é tudo que precisamos?

O ponto central do Balanço Ético Global é a defesa de que governos e empresas avancem por meio do constrangimento ético. Segundo Marina Silva, a crise ambiental exige urgência e medidas disruptivas. Esse é um passo inicial para tirar do papel planos que já existem. Há inúmeras discussões sobre financiamento climático, mas poucas consideram o recorte de gênero. Fundos nacionais de adaptação precisam reconhecer a desproporção dos impactos sobre as mulheres.

Segundo Lorena Aguilar, existe ainda o conhecimento local, quase sempre desenvolvido por mulheres, que raramente recebe investimento. Muitos desses conhecimentos já circulam nas comunidades, mas continuam sem reconhecimento institucional. Para ela, isso não acontece apenas pelo fato de serem mulheres, mas porque essas lideranças já acumulam competência, estudo e experiência que permitem compreender o cenário e oferecer respostas consistentes.

A ativista climática Patricia Zanella evidencia essa distorção ao dizer: “O fato de serem soluções feitas por mulheres faz com que sejam vistas como menos relevantes, menos estudadas, com menos prestígio, menos investimento. Então não é só estar nos espaços porque precisa. Mulheres têm que estar porque esses espaços, desde o começo, já deveriam ser nossos”, conclui.

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