A pandemia da covid-19 tem sido avassaladora em todo o Brasil. Dados apontam mais de 500 mil mortos com médias móveis cada dia maiores. No que diz respeito aos povos tradicionais, a situação é ainda mais grave. Junto às demais populações marginalizadas, indígenas estão no final da fila para atendimento médico e ainda enfrentam grandes dificuldades de deslocamento em regiões distantes dos grandes centros urbanos.
Maria Florguerreira (Txahá Xohã), 56, da etnia Pataxó – presente na Bahia e em Minas Gerais – revela que indígenas que vivem em centros urbanos não estão tendo acesso à vacina, e que para conseguir se vacinar teve que argumentar utilizando a recomendação do Ministério Público Federal de imunização dos povos indígenas não aldeados.
Maria cita, ainda, a disposição do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde, no que se refere à garantia da proteção dos indígenas, que moram em cidades, e aponta o descaso do poder público com indivíduos originários, além do desrespeito às normas vigentes.
Ao apontar um estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Maria revela que o Sars-Cov-2 apresenta prevalência de 5,4% na população indígena urbana, contra 1,1% na população branca. De acordo com ela, que também é membro do Comitê de Apoio à Causa Indígena (CMACI), os povos indígenas são mais suscetíveis porque ainda que estejam em suas casas, residem em locais pequenos e são mais vulneráveis à insegurança alimentar.
No tempo da covid, está tendo muito mais grilagem, mais desmatamento, mais invasão às terras indígenas e esses invasores, esse público externo, chega lá e tem contato com o indígena e leva a doença.
Maria Florguerreira (Txahá Xohã)
Em Belo Horizonte, o CMACI é uma das referências no que se refere à luta pela dignidade indígena. Com a situação vigente, a organização é formada por indígenas e foi fundada por Avelin Kambiwá, socióloga e especialista em gênero, raça e ensinos religiosos, sendo a primeira mulher indígena a ocupar um cargo de assessora parlamentar.
O comitê atende os povos, brasileiros e estrangeiros, que vivem na cidade e na região metropolitana e também tem recolhido alimentos e feito rifas para angariar fundos que possam cobrir aluguéis, além de entrar em contato com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais em busca da aceleração do processo de vacinação dos indígenas.
Vacina é reivindicação de indígenas
Já o indígena Luã Apyká, professor da comunidade Piaçaguera (Peruíbe-SP), no litoral sul de São Paulo, e pertencente à etnia Tupi-guarani Nhandewa, afirma que a vacinação em sua aldeia foi realizada com excelência pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), respeitando todos os protocolos de proteção contra a covid-19.
O líder reafirma a existência de problemas na vacinação dos indígenas urbanos e reitera o papel prejudicial das falas das autoridades para a credibilidade do processo de vacinação. Ele atesta que “houve comunicação, sim, das autoridades com meu povo, mas de forma muito errônea e não sábia. O presidente Jair Bolsonaro trouxe retrocesso e medo às comunidades indígenas pela forma como nos lidera. Houve um caos no momento da vacinação, muitos parentes não tomaram a vacina por medo.”
Luã ainda afirma que a questão pandêmica é muito antiga na cultura indígena. Desde o início da invasão portuguesa ao território brasileiro, os nativos sofrem com doenças letais e com a falta de assistência governamental. Além disso, o abuso de poder das autoridades sobre as comunidades e o descaso com a natureza que os cerca são fatores que acompanham sua história há anos, destruindo seu espaço de sobrevivência e a própria população.
De acordo com o site Our World In Data, em 23 de junho de 2021, a porcentagem total da população brasileira que recebeu as duas doses de vacina necessárias para a imunização ao vírus da covid-19 era de apenas 11,4%. Em 3º lugar na fila do Plano Nacional de Imunização, no mês de maio a porcentagem de indígenas aldeados imunizados era menor (67%) que a de idosos e deficientes em instituições, que na fila prioritária do imunizante se encontram atrás dos indígenas, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Reportagem desenvolvida por Felipe Tavares e Paula Barreto na disciplina Jornal Laboratório, no semestre 2021/1.