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Alta no preço dos combustíveis: quem é o culpado?

visor de uma bomba de combustível mostrando o preço do por litro de gasolina (6,599)

Foto: Marcello Casal Jr. /Agência Brasil

Se você tem carro, moto ou trabalha no ramo de transportes, provavelmente já notou a diferença na hora de abastecer. Mas se você não tem um veículo próprio, sabe como isso te afeta? E para além dos custos com a sua locomoção, qual é o impacto da alta dos preços dos combustíveis? De quem é a responsabilidade pelos aumentos constantes? Se tem dúvidas ou não faz ideia de como responder essas questões, esta reportagem foi feita para você.

O principal elemento do sistema de transporte do país é composto pelas rodovias, cujo funcionamento está diretamente relacionado com a variação dos combustíveis. Assim, o preço de cada produto que entra na casa dos brasileiros sofre influência direta do preço do etanol, do petróleo e dos seus derivados. Sabrina Melo, 43 anos, feirante que vende pastéis e bebidas em Belo Horizonte, diz que já sente os impactos em seu comércio. “O aumento dos combustíveis cai diretamente sobre nossas matérias-primas. Tentamos não repassar aos clientes, mas fica difícil. Eu precisei aumentar meus produtos para tentar compensar um pouco o aumento desses custos, porém isso impacta nas vendas. Nem sempre o cliente entende esse aumento”, relata.

A professora de economia da PUC Minas, Ana Tereza Lanna, aponta que o principal fator para a escalada de preços é a variação da taxa de câmbio, pois o preço do petróleo é atrelado ao dólar. Já o economista Flavius Vasconcelos destaca também um segundo motivo, para ele não tão divulgado pela grande mídia: a mudança de paradigma adotada pela Petrobrás no governo Temer e que seguiu no governo atual. “A Petrobrás deixou de exercer sua função como estatal e começou a priorizar os ganhos dos acionistas. Mas a Petrobras não surgiu para isso. Ela tem papel estratégico, por gerir uma matriz energética”, afirma. 

Tanto Flavius quanto Ana Tereza destacam como a questão global de aumento de preço dos barris de petróleo afeta a situação brasileira. Flavius aponta que esse aumento está relacionado com a maior demanda, devido à recuperação da atividade econômica no mundo todo, depois que a pandemia começou a arrefecer.

Fonte: Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Dados de novembro dos respectivos anos.

Outro ponto citado por Flavius é a interrupção do projeto de internalização da produção de combustíveis no Brasil, ou seja, aumentar a capacidade de refino da Petrobras e assim aumentar a produção interna. Segundo o economista, essa  tentativa se iniciou em 2003 no governo Lula (PT) e foi abandonada após o impeachment de Dilma Rousseff (PT). “Quando a Dilma foi derrubada, as refinarias de petróleo que estavam em construção foram interrompidas e algumas delas, vendidas. O aumento nos combustíveis hoje também é reflexo da paralisação desse projeto nacional”, explica.

A procura por culpados 

Em meio à intensificação das disputas políticas no Brasil, um lado acusa o governo federal pelo preço dos combustíveis e o outro lado acusa os governos estaduais. Ana Tereza explica que a política atual de preços da Petrobrás não tem intervenção do governo. “O que se pode questionar é se o governo deveria intervir mais, tendo em vista que a Petrobras é uma empresa que tem capital público. Quando você privilegia a formação de preço, como é hoje,  de acordo com o mercado, é visando dar rentabilidade aos acionistas. Mas nessa lógica estamos desconsiderando que os brasileiros também são acionistas”, afirma. Mas, de acordo com a economista, essa é uma discussão recorrente, independentemente de quem esteja no comando do governo federal.

Flavius concorda com essa perspectiva, mas diz que o governo federal tem culpa por investir no livre mercado, considerado pelo economista como um sistema falho. Segundo ele, essa forma de gestão econômica deixa o preço dos combustíveis, um insumo estratégico, fora de controle e com possibilidade de continuar a subir. “Só vai estabilizar quando o preço do barril de petróleo começar a cair ou então se houver uma política de controle cambial”.  

Flavius destaca ainda que, desde a Reforma Tributária de 1966, os governos estaduais cobram o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), que constantemente é usado para justificar o alto preço da gasolina. “Quem tem menos culpa nessa situação são os governadores.  Acusar os estados pelo aumento dos combustíveis beira a idiotice”, assevera.

Atualmente, o ICMS compõe 27,7% da formação de preço da gasolina e é definido a partir da variação de valores nos últimos 15 dias. Em 5 de outubro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), apresentou uma proposta de mudança na forma de cobrança do ICMS, que, segundo ele, poderia contribuir para redução de 8% no preço da gasolina, 7% no etanol e 3,7% no diesel. A proposta prevê que a referência para o ICMS seja os dois últimos anos, e não apenas os últimos 15 dias, como é calculado atualmente. Mas, além das resistências de demais parlamentares e governadores, Flavius explica ser difícil aprovar uma redução no ICMS, devido à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Atualmente, o ICMS compõe 27,7% da formação de preço da gasolina e é definido a partir da variação de valores nos últimos 15 dias. Em 5 de outubro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), apresentou uma proposta de mudança na forma de cobrança do ICMS, que, segundo ele, poderia contribuir para redução de 8% no preço da gasolina, 7% no etanol e 3,7% no diesel. A proposta prevê que a referência para o ICMS seja os dois últimos anos, e não apenas os últimos 15 dias, como é calculado atualmente. Mas, além das resistências de demais parlamentares e governadores, Flavius explica ser difícil aprovar uma redução no ICMS, devido à Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Alta de preços afeta todos os setores

A alta no preço dos combustíveis afeta praticamente todos os setores, pois a cadeia logística do Brasil ainda depende fortemente do sistema rodoviário, conforme explicam os economistas. Isso faz com que interfira na inflação e haja aumento no preço do transporte e também no valor do frete de todas as mercadorias, inclusive dos alimentos.

A feirante Sabrina sentiu esse aumento e conta que deixou de fazer muitas coisas que fazia antes do aumento dos custos e redução da renda. “Houve uma mudança principalmente nos [preços dos] alimentos que preferencialmente eu escolhia. A carne, por exemplo, se torna quase um artigo de luxo”, conta. 

O presidente da Associação dos Prestadores de Serviço que Utilizam Plataformas Web e Aplicativos de Economia Compartilhada (AppeC), Warley Leite, relata que a categoria foi gravemente afetada pela pandemia, pois com a diminuição de passageiros, as operadoras baixaram os preços das tarifas para atrair consumidores. Segundo Warley, essa situação se soma ao aumento de trabalhadores na área e às sucessivas elevações no preço dos combustíveis, o que faz com que, para alguns, não seja viável continuar na categoria. “O algoritmo da plataforma é o novo capataz. O motorista tem que ficar muito esperto com isso, pois nem toda corrida é lucrativa, a maioria não fecha. A tarifa mínima é R$4,50 e o litro da gasolina está [quase] R$8, então no geral os motoristas estão tendo que escolher as corridas”, afirma. 

A professora de economia Ana Tereza destaca que, devido à pandemia, apesar de o preço dos combustíveis afetar diretamente todos os setores, as pessoas só começaram a entender que o valor da gasolina e do etanol estavam altos ao voltarem a trabalhar presencialmente. “Além do aumento generalizado nos preços, agora as pessoas estão voltando a gastar com transporte. Se, [por exemplo,] durante o trabalho remoto eu gastava um tanque de gasolina, agora eu vou gastar três, e esse é mais um fator que vai começar a ser notado na renda das famílias”, explica.

Flavius ressalta que os altos preços dos combustíveis provavelmente serão um complicador do processo de retomada da economia. “As empresas repassam esse aumento para as pessoas, então todos os preços sobem. Esse repasse dói ainda mais na população, porque o nível de renda está baixo, devido ao alto índice de desemprego, e de pessoas que estão empregadas tendo redução salarial. Então, o consumo como se pretende não vai retomar”, explica. 

No caso dos motoristas de aplicativo, Warley explica que a saída para a sobrevivência da categoria é adaptar o veículo para Gás Natural Veicular (GNV), por meio do kit gás, que custa entre R$3,5 mil e R$5 mil. Segundo a ANP, em Belo Horizonte o preço médio do GNV é R$4,28, enquanto a gasolina comum está em média R$6,86, representando economia de 60%. “O que estamos fazendo é encaminhar ao governador ofícios pedindo políticas de crédito para incentivar o uso do GNV, para que os motoristas tenham autonomia para exercer a profissão”, completa.

Retomada da economia

Flavius afirma que a solução a curto prazo para o problema do desemprego e da renda estagnada, que afeta diretamente a retomada econômica, poderia ser o governo aumentar o investimento público em produção para gerar empregos. Ana Tereza destaca também que deve haver um programa para investir na qualificação da mão de obra no país.

Outra preocupação de ambos os economistas é quanto ao aumento da inflação. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), nos últimos 12 meses a inflação acumulada é de 9,68%, e as previsões de crescimento econômico do país são baixas. Flavius explica que as duas principais causas para a elevação da inflação são o preço dos combustíveis e da energia elétrica, fatores que pressionam os custos de produção. 

Ana Tereza explica que o Banco Central, para tentar controlar a inflação, está aumentando a taxa de juros, mas essa ação tem um efeito recessivo. “Esse impacto do aumento do preço dos combustíveis pode impulsionar o Banco Central a pesar ainda mais a mão nos juros. Na última reunião, dia 8 de dezembro, o Comitê de Política Econômica do Banco Central (Copom) elevou a taxa de juros básica (Selic) para 9,25% ao ano, o que é péssimo para o crescimento”, explica. 

Flavius argumenta que a taxa de juros mais alta faz com que as empresas não invistam na produção, mantendo o capital estacionado no sistema financeiro. Isso provoca diminuição da demanda e, consequentemente, do consumo a longo prazo. Além disso, ele explica que a intenção deveria ser também atrair capital internacional, pois, à medida que dólares entram no país, há valorização do real, o que estabilizaria a taxa de câmbio e levaria à redução no preço dos combustíveis. “Mas falta combinar com os outros. É uma estratégia que requer sorte e um grau de confiança na seriedade do governo local. E me parece que os estrangeiros não acreditam nisso”, lamenta.

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