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A pejotização no mercado de trabalho brasileiro

duas carteiras de trabalho em um fundo branco

/ Pixabay

A pejotização, fenômeno que transforma trabalhadores em prestadores de serviços por meio de pessoa jurídica (CNPJ), tem sido amplamente discutida no Brasil, especialmente após a reforma trabalhista de 2017, durante o governo Temer. 

A precarização das condições de trabalho, causada por essa mudança, está ligada a uma série de transformações no mercado de trabalho e é um reflexo das mutações do capitalismo pelo mundo, incluindo o Brasil.

O desenvolvimento do capitalismo

A professora de Sociologia e Política da PUC Minas, Antônia Montenegro, observa que a pejotização é uma consequência direta do processo que antecede a reforma trabalhista e está atrelada a um movimento maior, o capitalismo flexível. Esse modelo busca transformar o trabalhador em uma força de trabalho sem as garantias que antes eram consideradas essenciais para a proteção dele.

A professora explica que esse movimento estabelece a exigência de uma jornada de trabalho mais flexível, sem o custo do trabalhador protegido pelos direitos trabalhistas. Assim, as empresas passam a contratar trabalhadores, ao invés de CLT, como pessoa jurídica.

“O capitalismo flexível vem, exatamente pela necessidade de uma jornada flexível, mas não quer ter esse trabalhador como um custo. Então, quer ter um trabalhador que possa aproveitar só na hora que ele precisa”, afirma a professora.

Ela destaca que essa mudança retira do trabalhador uma série de direitos garantidos, como férias remuneradas, 13º salário, horas extras e até a proteção do INSS. Além disso, menciona que, quando o trabalhador deixa de ser considerado um empregado e passa a ser considerado uma pessoa jurídica, ele fica responsável por todas as questões que antes eram responsabilidade do empregador.

A precarização do trabalho no Brasil

Montenegro também destaca que o fenômeno da pejotização é um reflexo de uma realidade histórica no Brasil, ligada à sua herança escravagista. Ela lembra que o país carrega esse legado até hoje, evidenciado na forma como o trabalho é tratado, especialmente no caso dos trabalhadores mais vulneráveis.

A professora afirma que o desenvolvimento capitalista no Brasil foi forjado com base na exploração de trabalho barato e, muitas vezes, sem direitos. “O trabalho sempre foi muito mal remunerado e visto como algo que o trabalhador deveria fazer apenas para garantir a sua sobrevivência”, explica.

Essa realidade, aliada à falta de qualificação profissional e ao contexto de desigualdade social, torna os trabalhadores ainda mais vulneráveis à precarização imposta pela pejotização. “A flexibilização desregulamenta as relações de trabalho e deixa o trabalhador desprotegido. Mesmo que o número de empregos tenha crescido, eles são empregos precários com salários baixos”, acrescenta Montenegro.

O estado e a cultura do individualismo

Ilustração / Jpcom no Freepick

Montenegro aponta que o fenômeno da pejotização é alimentado por uma cultura de individualismo que existe no Brasil, onde muitos trabalhadores acreditam que podem alcançar o sucesso sem a necessidade de uma organização coletiva ou da ajuda do Estado. “As pessoas acreditam que, sozinhas, vão conseguir alcançar sucesso. Isso é uma ilusão, porque ninguém consegue competir com as grandes elites, com baixos salários e baixas condições de trabalho”, observa.

A falta de um Estado forte, capaz de intervir em favor dos trabalhadores e garantir direitos mínimos, também é um ponto crítico para ela, as políticas públicas de proteção ao trabalhador têm sido atacadas. “O Estado no Brasil não é um mediador entre o trabalhador e as elites. Ele atende aos interesses de grandes corporações, e as políticas públicas de proteção ao trabalhador são vistas como um custo”, explica.

Ela menciona ainda que a recente reforma tributária favorece grandes empresários com isenções fiscais, enquanto os trabalhadores acabam pagando mais impostos proporcionalmente. “Quem está gerando a riqueza é o trabalho, mas a riqueza está sendo transferida do pobre para o rico”, conclui.

A visão jurídica sobre a Pejotização

Mário Gomes de Sá (@mariot), advogado com especialização em Direito do Trabalho, acrescenta uma perspectiva sobre os aspectos legais da pejotização no Brasil. De acordo com ele, desde a reforma trabalhista de 2017, a contratação de trabalhadores como autônomos ou sob o modelo de pessoa jurídica (PJ) foi formalmente regulamentada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Mario Gomes / Imagem de arquivo pessoal

“Desde a reforma trabalhista, ficou autorizado formalmente na CLT a contratação do autônomo ou o modelo seletista propriamente dito, o empregado propriamente dito. O autônomo é autorizado a contratação desde que cumprido os requisitos legais, tal como a existência de um contrato, essa formalização”, explica Mário.

Ele destaca que, com a popularização da pejotização, as empresas têm optado por contratar trabalhadores via PJ ou como autônomos, estipulando regras por meio de contratos civis. No entanto, ele ressalta que a contratação dessa forma implica em uma relação diferente daquela caracterizada pela subordinação direta que ocorre em um vínculo empregatício. “A empresa que contrata um prestador de serviço como autônomo, ou como um PJ, ela tem que entender que está lidando com outra empresa. Então, não haveria ali o elemento central do vínculo, que seria a subordinação”, afirma Mário.

Apesar dessa flexibilização, Gomes de Sá alerta para os riscos envolvidos na contratação de trabalhadores como PJ, principalmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas. “Os principais riscos para o trabalhador que é contratado como PJ são ter mitigados os direitos trabalhistas, como o direito ao FGTS, as férias e o 13º, e não ter direito ao seguro-desemprego. No entanto, se o trabalhador for autônomo e estiver recolhendo os impostos corretamente, ele até tem direito ao auxílio-doença, e, se for mulher, ao auxílio-maternidade, pois a própria Previdência paga isso”.

Ele também esclarece que, mesmo quando contratado como PJ, o trabalhador pode, após o término do contrato, pleitear seus direitos na Justiça do Trabalho. “Um trabalhador que é contratado como PJ tem até dois anos após o fim do contrato de trabalho para pleitear seus direitos na justiça. A prescrição é bienal. Uma vez que ele protocola esse processo, o juiz vai analisar os últimos cinco anos da relação. Os efeitos financeiros decorrentes desse processo são dos últimos cinco anos”.

O reconhecimento do vínculo empregatício

Mário Gomes de Sá também observa que, se a empresa for condenada, ela será obrigada a pagar os encargos trabalhistas retroativamente, com base no salário do trabalhador. “O contrato de PJ é válido, mas se ele for reconhecido como vínculo de emprego pela Justiça, a base de cálculo não vai ser o valor que a empresa pagava como PJ, mas sim o valor do salário que o trabalhador receberia em um vínculo formal de emprego. A empresa vai ser condenada a recolher os encargos sobre esse valor”, diz.

Por fim, ele salienta que a jurisprudência tem reconhecido o vínculo de emprego nos casos de contratação fraudulenta para mascarar uma relação de trabalho. “A jurisprudência trabalhista tem reconhecido a existência desse vínculo com o PJ quando ele é feito para fraudar o vínculo de emprego. O Supremo, em alguns casos, tem desfeito esse vínculo, mas a Justiça do Trabalho ainda considera que a fraude precisa ser desfeita, pois todo contrato que tenta mascarar o vínculo é considerado nulo pela CLT”, conclui.


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