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A luta fora do octógono: como realidades socioeconômicas desafiam o legado no UFC

A história dos brasileiros no Ultimate Fighting Championship (UFC) é uma narrativa repleta de glórias, talento e superação. Ela se mistura com a herança do jiu-jitsu e da família Gracie no surgimento do evento quando, no primeiro torneio, em 1993, Royce Gracie (vencedor de três torneios que, à época, eram considerados cinturões), mostrou ao mundo a eficiência do Jiu-Jitsu.

Até os dias atuais, o jiu-jitsu é uma arte marcial que brasileiros utilizam com frequência para continuar disputando o topo de suas categorias no UFC. Dentre os campeões, temos figuras como Anderson Silva, que dominou a categoria peso-médio por anos (conquistando e defendendo o cinturão 10 vezes) e que é considerado, por muitos, um dos maiores da história do esporte;  José Aldo,com sua sequência impressionante de sete defesas de cinturão consecutivas na categoria peso-pena; Rodrigo Minotauro; Maurício “Shogun”; Fabrício Werdum; Vitor Belfort e Amanda Nunes, a maior da história do UFC. Todos contribuíram para  solidificar o Brasil como potência no esporte, e criaram um contexto para que a luta brasileira se tornasse uma marca reconhecida e respeitada em todo o mundo.

Contudo, por trás dos nocautes e das finalizações espetaculares, uma dura realidade socioeconômica cria um obstáculo: a luta pela sobrevivência financeira fora do octógono se tornou um empecilho que hoje ameaça a hegemonia e tradição brasileira no MMA mundial.

Novos lutadores brasileiros precisam se adaptar a um cenário global dominado por escolas estrangeiras de alto investimento, a exemplo da escola do Daguestão e da Rússia, que é mais focada em wrestling e sambo, um estilo de luta mais “agarrada” e que foca muito em quedas e imobilizações, sem golpes. Ao mesmo tempo, potenciais talentos nacionais esbarram na barreira da falta de estrutura e apoio.

A jornada exaustiva, talento vs. sobrevivência

A exigência do MMA moderno é clara: o atleta precisa de dedicação total e exclusiva para evoluir. No entanto, muitos lutadores brasileiros, especialmente os que vêm de origens mais humildes, não conseguem viver somente do esporte. O lutador do UFC Lucas Almeida, que esteve recentemente no card do UFC Rio em 11 de outubro de 2025, vivenciou essa dura realidade. Sua trajetória, marcada pelo trabalho em um lava-rápido da família em Sorocaba (SP), reflete a de muitos jovens que veem na luta a única ponte para uma vida melhor.

Ao comentar sobre as dificuldades, Almeida expôs a dura verdade sobre a remuneração:

“Pô, a gente tá toda hora doente, toda hora machucado, na verdade, sempre tem alguma coisa machucada. Então, pela remuneração a que a maioria tem acesso, eu acho pouco. Porque o que eles pagam, não paga nem a nossa dieta, imagina o resto…”

Arquivo pessoal

Essa rotina desgastante de treino em alto nível, somada a uma jornada de trabalho que os futuros lutadores têm que manter para garantir a sobrevivência e o sustento familiar, frequentemente se torna uma equação impossível de sustentar, minando o potencial do atleta.

Desperdício de talentos

A dificuldade de conciliar o alto nível de treinamento com a subsistência é um problema crônico no Brasil. A lutadora do UFC Virna Jandiroba, que disputou , no dia 25 de outubro o cinturão da categoria peso-palha feminino, mas acabou perdendo, lamenta que o Brasil esteja perdendo talentos por falta de apoio:

“A gente precisa de mais investimentos. O atleta precisa de uma dedicação exclusiva, eu passei muitos anos da minha vida sem conseguir viver exclusivamente do esporte. Meus colegas continuam vivendo o mesmo cenário”.

Arquivo pessoal

Para Jandiroba, a falta de patrocínios e investimento adequado é um grande desperdício. Essa realidade impede que talentos brutos, que poderiam seguir os passos de campeões, como José Aldo e Anderson Silva, alcancem seu potencial máximo e se dediquem a tempo integral para aprimorar técnicas essenciais, e no alto nível que os esportes marciais exigem atualmente.

A luta e as oportunidades

Apesar dos desafios estruturais, a luta também surge como uma ferramenta de transformação social, que pode se tornar fonte de oportunidade para milhares de pessoas. Lucas Almeida é um exemplo que demonstrou que a superação está no DNA do atleta brasileiro. Ele e seu irmão mantêm um projeto social no bairro em que cresceram, dando aulas de luta para crianças no mesmo lava-jato que antes era seu sustento. Essa iniciativa representa a esperança de quebrar o ciclo, oferecendo oportunidades a outras pessoas que, como ele, vêm “do pouco”, como ele mesmo definiu: Para ele, é uma “vitória tão grande quanto a conquista de um cinturão”.

Representatividade feminina

As mulheres, principalmente no Brasil, acabam enfrentando ainda mais dificuldade em alcançar esses locais de destaque, e até mesmo a ter oportunidades de mostrarem seu trabalho e sua luta. No dia 27 de julho de 2013, Jessica Andrade pisou pela primeira vez no Octógono do UFC para enfrentar Liz Carmouche, em Washington (EUA). Ela se tornou a primeira mulher brasileira a lutar no UFC e uma das primeiras mulheres a lutar na organização. A primeira luta feminina da história do UFC havia sido em fevereiro do mesmo ano, quando Carmouche enfrentou Ronda Rousey na Califórnia (EUA). 

Doze anos depois, Jessica “Bate Estaca” continua ativa no elenco do UFC. Ela é a atual número nove do peso-mosca feminino da organização. Nesses 12 anos, consagrou-se campeã peso-palha do UFC (a primeira brasileira) e acumula recordes entre as mulheres: ela é a atleta com mais lutas (28), vitórias (17) e bônus de performance (11) no UFC, sendo cinco deles de “Luta da Noite”, também um recorde entre as mulheres. 

Menos de dois meses depois da estreia de Jessica, outra brasileira chegou: Amanda Nunes. Em seus 10 anos na organização, Nunes fez história e é considerada por muitos a melhor atleta feminina a passar pelo Octógono. A “Leoa” foi a primeira lutadora brasileira a conquistar um cinturão no UFC, foi também a primeira mulher a conquistar cinturões de duas divisões diferentes na organização e a primeira, entre homens e mulheres, a defender os dois cinturões simultaneamente. Apesar de aposentada desde 2023, seus recordes no peso-galo (número de vitórias, vitórias pela via rápida e nocautes) seguem imbatíveis e nenhuma mulher conseguiu repetir seu feito de ser campeã em duas divisões diferentes.

Virna Jandiroba, considera que sua presença no UFC só foi possível porque pioneiras, como Amanda Nunes, abriram portas, e acredita que seu papel é continuar esse legado, inspirando a nova geração de brasileiras:

“As mulheres que vieram antes pavimentaram a minha entrada. Foi graças à representatividade de Amanda que eu vi que é possível chegar no UFC, e o que eu tô fazendo é dando continuidade a essa pavimentação”.

Segundo dados da própria organização, o número de atletas femininas tem aumentado constantemente desde 2013:

Assim como o número de mulheres que lideraram os eventos:

Futuro do Brasil

As expectativas para o Brasil no UFC são as melhores, com destaques como Alex “Poatan”, detentor do cinturão do peso-meio-pesado, uma lenda da modalidade que ainda se mantem em alto nível. Alexandre Pantoja, atual campeão peso-mosca, também faz parte da recente “soberania” brasileira, com inúmeras defesas de cinturão. Já Charles “Do Bronx”, maior finalizador da história do UFC, é um ex-campeão que segue em alto nível, sendo um dos maiores nomes do peso-leve.

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