Atualmente, o mundo enfrenta uma grave crise ambiental. Um dos principais fatores relacionados à degradação ambiental se dá pela superprodução de lixo no mundo. De acordo com uma pesquisa produzida pelo Centro para a Integridade Climática (CCI), desde a década de 1980, as empresas de combustíveis fósseis e outras petroquímicas já tinham conhecimento que a reciclagem de plástico não tinha a possibilidade de tornar-se uma realidade devido a limitações técnicas e econômicas – ou seja, convenciam as populações, mas praticavam uma fraude da reciclagem. A CCI é uma organização sem fins lucrativos que tem como um dos objetivos educar a população e lideranças políticas sobre as mudanças climáticas e a importância da responsabilização de empresas petrolíferas.
A pesquisa, publicada em fevereiro de 2024 pelo CCI, analisou que, entre 1950 e 2015, cerca de 90% dos plásticos foram depositados em aterros, incinerados ou jogados ao meio ambiente. Os autores do estudo abordam que as maiores empresas de petróleo e gás – como a ExxonMobil – estão entre as empresas petroquímicas responsáveis por mais da metade de todos os plásticos de uso único gerados globalmente. Apenas 9% do plástico produzido no mundo é reciclado, e o cenário no Brasil é ainda pior, já que a porcentagem estimada é de 1,3%, de acordo com a pesquisa.
A partir de uma onda crescente de reação pública contra o lixo plástico e ameaças subsequentes para a criação de regulamentações, há mais de 50 anos tem sido aplicada uma cartilha para se livrar da responsabilização. De acordo com o relatório, as empresas petroquímicas – de forma independente e por meio de associações comerciais do setor e grupos de fachada – enganaram consumidores, formuladores de políticas e reguladores para acreditar que poderiam enfrentar a crise dos resíduos plásticos por meio de uma série de soluções falsas.
A ilusão da reciclagem do plástico
O relatório indica que mais de 99% dos plásticos são produzidos a partir de combustíveis fósseis, e grande parte desses plásticos não podem ser reciclados, ou seja, não podem ser coletados, processados e remanufaturados em novos produtos. O estudo explica que apesar de existirem mercados para reciclagem, como de garrafas de plástico de polietileno tereftalato (PET) e polietileno de alta densidade (PEAD), ainda existem tipos de plásticos que não têm um mercado final que compre e utilize materiais reciclados para fazer novos produtos, ou melhor, seria impossível reciclá-los. Isso porque há uma grande variedade de plásticos, com diferentes características e composição química, o que dificulta e encarece o processo.
Os autores do estudo explicam que devido aos diferentes tipos de polímeros na composição de produtos petroquímicos, a fusão dos materiais torna-se quase tecnicamente impossível. A separação eficiente para a reciclagem é um desafio, e também é alto o custo econômico. Outros pontos importantes levantados pelos pesquisadores é que a qualidade do plástico se deteriora com o tempo, limitando uma reciclabilidade contínua. Como os produtos químicos que formam a base do plástico são derivados de combustíveis fósseis são, por sua vez, vulneráveis ao calor e a outros processos usados na reciclagem, inviabilizando muito o processo.
Desde a década de 1950, as petroquímicas identificaram um modo para garantir que houvesse um aumento na demanda do uso de plástico, garantindo um contínuo crescimento da produção desse material. As empresas perceberam que se os produtos manufaturados fossem utilizados apenas uma vez, então, sempre precisariam ser comprados e produzidos, repetidamente, garantindo lucro a elas. Portanto, apesar da noção de que havia limitações técnicas e econômicas para a reciclagem, o setor industrial seguiu aumentando a produção de plástico, mas também realizavam campanhas para enganar os consumidores e formuladores de política sobre a reciclagem do plástico.
No relatório, os pesquisadores explicitam que o custo para reciclar o plástico seria muito mais alto para as empresas do que a produção de novos, por isso, existiria uma inviabilidade para o reprocessamento. A requalificação dos produtos exige mais tempo, mão de obra e equipamento para alcançar uma produção que além de ter menos qualidade é menos eficiente do que o processo de resina virgem a partir de combustíveis fósseis.
A movimentação das empresas
Uma das primeiras movimentações realizadas pelas empresas foi promover despejo de lixo em aterros e incineração para esconder da vista do público. O relatório expõe que, durante meio século, empresas como ExxonMobil, Shell, Chevron Phillips e Dow, tanto de modo individual quanto por meio de suas associações comerciais, participaram de uma cumplicidade para enganar o público, apesar das diversas evidências que sugerem que a reciclagem não seria uma solução eficaz para lidar com o problema dos resíduos plásticos.
Em pouco tempo, ficou nítido que os métodos de descarte, apresentados pelas empresas, não convenceram um público frustrado pelo acúmulo de plásticos descartáveis. As pessoas não queriam mais aterros, incineração e nem plásticos no meio ambiente. Para proteger o mercado, as empresas petroquímicas iniciaram um esforço ordenado para vender para o público a ideia de reciclagem do plástico – apesar de saberem que não era viável. Um funcionário da Exxon disse ao SPI em 1994: “estamos comprometidos com as atividades, mas não comprometidos com os resultados”.
Em 1956, durante a conferência nacional da Society of the Plastics Industry (SPI), os produtores expressaram que o objetivo principal deveria ser que os seus produtos acabassem “no vagão do lixo”, visando baixo custo, grande volume, praticidade e dispensabilidade, e quase que imediatamente a mudança para os descartáveis iniciou, mesmo para produtos que tinham sido vendidos aos clientes com base no fato de que poderiam ser reaproveitados. Em 1959, o setor industrial realizou uma campanha sobre a durabilidade e o reuso de sacolas plásticas, mas, em pouco tempo, mudou sua tática. Após 80 crianças terem se sufocado com sacolas, o SPI, buscando acalmar o público, lançou uma campanha alegando que as sacolas de plástico deveriam ser destruídas para serem descartadas, colocando de forma sutil a culpa nos pais.
O relatório, que analisa especialmente dados dos Estados Unidos, explica que a indústria obteve êxito em “vender” a descartabilidade e introduzir plástico de uso único, o que gerou consequências previsíveis. Já nos anos finais da década de 1960, os plásticos revelaram-se como uma peça chave na crise dos resíduos sólidos. Contudo, a indústria alegou estar sendo injustamente culpada, um argumento que ecoou ao longo das décadas subsequentes. Uma das primeiras respostas da indústria às preocupações levantadas foi a promoção do descarte em aterros sanitários. Durante os anos 1970, representantes do SPI argumentam que os plásticos eram ideais para aterros, pois, ao contrário de outros materiais, não se degradam, permanecendo intactos no local.
O cenário brasileiro
A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) divulgou dados que indicam que a produção do setor, em 2022, alcançou 6,7 milhões de toneladas e que a reciclagem foi de 25,6% naquele ano. Um outro relatório, Oceano Livre de Plástico, da organização ambientalista Oceana Brasil lançado em 2020, revela que 325 mil toneladas de materiais plásticos são lançados anualmente nas praias e no Oceano Atlântico, que pode prejudicar a saúde humana e a biodiversidade marinha.
Em uma reunião no final de abril de 2024, representações diplomáticas e outros atores sociais se juntaram para discutir as bases para o Tratado Global contra a Poluição Plástica no Brasil. Mais de 70 entidades e cientistas assinaram um manifesto, direcionado à Casa Civil da Presidência da República e ministérios, cobrando atitudes mais firmes do governo nas negociações que se desenrolaram entre os dias 23 a 29 de abril.
O PET, por exemplo, um dos tipos de plásticos mais consumidos e reciclados no Brasil, possui uma variação de inatividade entre 30% a 40% das empresas recicladoras. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de PET (Abipet), em 2021, o índice de reciclagem das embalagens pós-consumo teve um alcance de 56,4%, representando um crescimento de 15,4% se comparado a 2019.
Com os últimos acontecimentos no Rio Grande do Sul, após fortes chuvas atingirem a região, tem-se revelado, conforme a água escoa, uma nova enchente, agora de lixo. A água das chuvas que inundou cidades no sul do país, arrastou pelas ruas uma quantidade, ainda, incalculável de lixo, itens pessoais que, possivelmente, poderiam estar sob o uso de alguém, como chinelo, roupas, mochilas. Até então parece impossível, para as autoridades do Rio Grande do Sul, uma medição real da quantidade de lixo escoado junto com a água.
Este, assim como outros desastres ambientais, evidencia a importância de uma maior ação da sociedade civil, empresas, governos e organizações na prevenção e reparação dos danos já causados pelo lixo. O excesso de resíduo sólido presente hoje no meio ambiente, é um dos elementos que tem acarretado desastres, é preciso que isso conduza os diferentes grupos da sociedade na mudança de hábitos, ou então o mundo estará fadado a uma rotina de desastres.