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As casas de velhos

Colagem digital. Um idoso e uma idosa, brancos, de cabelos brancos, dão as mãos. Eles estão de costas. Detrás deles, aparecem flores, uma bússola e uma ampulheta. Há também a pergunta: terceira idade?

Colagem digital produzida por Helena Tomaz a partir de imagens obtidas via Unsplash.

De repente eles chegaram lá, diante do portão de ferro da casa de velhos. A vida inteira espremida numa mala de mão. Deixaram para trás a longa teia de delicadezas, as décadas todas de embate entre anseio e possibilidade. A família, os móveis, a vizinhança, as ranhuras das paredes, um copo na pia, o desenho do corpo no colchão.

Eliane Brum – A casa de velhos

Segundo a terapeuta ocupacional especialista em geriatria, Cecília Xavier, o envelhecimento é uma passagem do tempo inevitável, que deixa marcas e mudanças no corpo. Mas, segundo ela, é um  processo de grandes colheitas e plantios ao longo da vida. Ainda hoje, existe um estereótipo sobre as “casas de velhos”. Muitas pessoas têm medo de passar a velhice ali e pouco se fala sobre a possibilidade de ir para este lugar um dia. A profissional, no entanto, pontua que o mundo está evoluindo e as estruturas familiares também. Assim, todos devem trabalhar essa ideia de um dia precisar morar em um lar de idosos.

Em visita a um lar de idosos em Belo Horizonte, o geriatra Ramon Gual abordou a realidade da falta de direcionamentos pensadas, de fato, para o público idoso. Os mais simples detalhes, como a configuração dos banheiros, até a estruturação geral do ambiente, não favorecem o atendimento às suas necessidades. Isso porque a infraestrutura exigida para um asilo segue um padrão pensado para se adaptar às demandas de pessoas com deficiência física, que nem sempre são as mesmas de um idoso. Um exemplo que Gual menciona é o das roscas de torneiras das pias, que precisam ser de modelos de alavanca. Como muitos idosos tem o costume de utilizar aquelas mais tradicionais, geralmente arredondadas, há relatos de que eles têm dificuldades com o manuseio.

Acesso a asilos públicos

Para garantir que não haja idosos em situações precárias de moradia, ou quando já não há quem os abrigue, existem instituições municipais de longa permanência para esse público. Elas, no entanto, se restringem a receber pessoas “em situação de violação de direitos, que sejam independentes e/ou com diversos graus de dependência, após esgotadas todas as possibilidades de autossustento e convívio com os familiares”, conforme indica a Prefeitura de Belo Horizonte.

O acolhimento por essas instituições acontece de maneira espontânea. Isto é, quando a procura ocorre por alguém, voluntariamente ou a partir da demanda de terceiros. No caso de Belo Horizonte, para solicitar a estadia de um idoso em uma casa de permanência, é necessário fazer o pedido presencialmente em um dos CRAS’s distribuídos nas regionais da cidade. 

Parede do Lar de Idosas de Santa Tereza e Santa Terezinha, com fotos das residentes. Foto: Conselho Municipal de Belo Horizonte.

A solicitação do atendimento, no entanto, não indica que haverá, necessariamente, a vaga para que o idoso seja acolhido em uma instituição. Mesmo assim, ainda que haja disponibilidade, considera-se o acolhimento institucional como um último recurso. Primeiro, as equipes dos CRAS’s atendem ao pedido na tentativa de fazer com que o idoso permaneça com familiares. Caso não seja possível e haja vaga em uma instituição de longa permanência, ele, então, será encaminhado e acolhido. 

Último recurso

Em Belo Horizonte, há ainda a República para Idosos. Ela é um serviço municipal para pessoas idosas em situação de violação de direitos – como violência ou ameaças – necessitando afastamento temporário de suas famílias ou da comunidade em que vivem. Esse serviço, no entanto, depende que  se relate a situação para uma equipe de serviço social do CRAS, que, então, analisará a situação e fará o pedido. 

República de Idosas Nossa Senhora D’Abadia, no bairro Pompéia. Foto: Conselho Municipal de Belo Horizonte. 

Diferentes formas de viver

Assim como ao longo da vida diferentes pessoas estabelecem diferentes formas de viver, para os idosos não há um padrão. Há quem viva, por exemplo, com os filhos, com os irmãos ou sozinho (com ou sem o cuidado de profissionais), como é o caso da assistente social aposentada, Marina Rigotto. Ela comenta sobre a importância de se manter ativa e independente: “Nossa, isso é a minha vida, né? É a minha vida, é o que me mantém assim: ter sempre mil coisas pra fazer”.

Com as previsões para uma guinada do aumento da população idosa, novas formas de morar na velhice começam a se delinear.

Em Belo Horizonte, no ano de 2021, foi inaugurado, no bairro Santa Lúcia, o Aquarela Residencial, um condomínio voltado exclusivamente para a moradia de idosos. No prédio, cada morador tem sua suíte, que pode ser personalizada como um apartamento comum. O condomínio conta com refeitório, academia, solário, salas de convivência e equipe de especialistas para atendimento 24h por dia. Os valores para morar lá, no entanto, começam a partir dos R$ 10 mil. Modelos de moradia semelhantes vêm se expandindo em outras capitais do Brasil, como mostra a reportagem da Revista Sextante. 

Mudanças e possibilidades

As novas possibilidades de moradia, no entanto, não implicam, necessariamente, em restrições ou grandes mudanças no estilo de vida desenvolvido por cada pessoa ao longo dos anos.

O casal Adélia e Ari é natural de Vitória, no Espírito Santo, mas hoje reside na capital mineira. Juntos, fazem as compras para a casa no Mercado Central de BH. Foto: Júlia Costa.

Simone Maffra relata uma situação que presenciou em um dos lares de idosos que acompanhou durante a sua pesquisa. Uma das moradoras era sempre vista dançando nas atividades da instituição, o que gerava comentários como “a senhora dança bem para alguém da sua idade”. O que estes observadores não sabiam era que ela havia sido bailarina durante toda a vida. E seguia sendo.

Marina Rigotto conta que, há dezessete anos, deixou a casa em que viveu grande parte da sua vida para se mudar para um apartamento menor, na mesma região. A mudança não teve o propósito de gerar grandes transformações na vida dela e do marido, mas de possibilitar que os dois tivessem mais qualidade de vida e tempo para se dedicar às suas tarefas. Depois de empenhar-se no cuidados de familiares doentes por anos, como fazem tantas mulheres, Marina decidiu retornar à profissão de assistente social, mas, dessa vez, como voluntária. 

Na foto, Marina e Tupy.

Permanecer reinventando-se

Hoje, Marina desenvolve, paralelamente, dois trabalhos voltados para a comunidade de Sabará. Ela é tesoureira voluntária no Lar José Verçosa Júnior e, ao lado, do marido, Tupynambá Pedro (mais conhecido como Tupy), coordena um grupo do Conselho Municipal do idoso da cidade. Ela explica: “São 22 grupos de idosos em Sabará e cada grupo tem uma característica. Alguns levam mais para viagens, para passeios. Outros grupos formam coral, outros grupos bordam e vendem, sabe? Nós trabalhamos com um ‘aqui’ que se chama ‘Grupo da melhor idade: Alegria da Abranes – Projeto Solidariedade’”. 

Cada um dos 22 grupos tem o objetivo de acompanhar as pessoas envolvidas. O foco é realizar atividades e prestar assistência social: “Nós trabalhamos muito em termos de cuidar da qualidade de vida deles, sabe? De conhecer as famílias, de alertar as famílias para a necessidade que as que é que os idosos têm de ter uma boa assistência, de ser acarinhado, de ser assistido, de ser respeitado até nas suas manias e nos seus limites.”

O que aprendemos com este cenário?

Casos como este demonstram que delineia-se não apenas uma nova estrutura etária, mas, também, novas formas de viver e de envelhecer no país e na cidade. As mudanças, contudo, podem resultar em limitações ou em novas possibilidades.

Acesse o índice de capítulos da reportagem:

Capítulo I – Como nos preparamos (ou não) para o envelhecimento?

Capítulo II – O que fazemos pelos idosos?

Reportagem produzida por Anna Nunes, Helena Tomaz, Júlia Costa, Ketrey Aquino e Maria Eduarda Gonzaga, na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre de 2023/1, sob a supervisão da professora Verônica Soares da Costa.
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