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Viração: direitos trabalhistas em xeque

Viração” é um termo que pode ser definido como uma maneira de caracterizar trabalhos que não requerem muita qualificação do trabalhador e que não se enquadram em nenhum estatuto profissional. Com o surgimento dos aplicativos de transporte de pessoas e mercadorias, surgiu a crença de que esses apps revolucionaram o mercado, lançando algo que nunca tinha sido observado previamente. Contudo, conforme aponta o pesquisador Abel Guerra, doutorando na London School of Economis and Political Science (LSE), o modelo de informalidade já era uma realidade no Brasil: 

“A Uber vem formalizar, dentro da governança da plataforma – que não é o Estado, é outro tipo de regulação -, mas formaliza dentro de um modelo de informalidade que a gente [brasileiros] já tinha há muito tempo”.

Abel Guerra, doutorando na London School of Economics and Political Science.

A percepção é corroborada pela especialista em trabalho digital, e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ludmila Abílio, em sua publicação feita no blog da Editora Boitempo sobre “Uberização do trabalho: subsunção real da viração”. No artigo, ela apresenta uma linha do tempo da viração, que pode ser observada desde antes da internet. Ludmila Abílio aponta que “a indistinção entre o que é e o que não é tempo de trabalho, a fusão entre esfera profissional e esfera privada e a impossibilidade de mediações publicamente instituídas na regulação do trabalho”, já são características observadas no trabalho tipicamente feminino, como o de revendedora de produtos de beleza – exemplo mais explorado em seu texto:

O motorista Uber tem com seu trabalho uma relação muito parecida com a da revendedora Natura: um complemento de renda advindo de uma atividade que não confere um estatuto profissional, um bico, um trabalho amador, que utiliza o próprio carro, a destreza do motorista, suas estratégias pessoais e sua disponibilidade para o trabalho.

Ludmila Abílio em texto publicado no Blog da Boitempo

A viração observada na Uber, assim como em outros aplicativos da mesma categoria, foi facilmente aceita quando esses apps começaram a se instalar no país. Muitas vezes, a falácia de um modo de trabalho revolucionário que estimula pessoas a serem “seu próprio chefe” é exatamente a ideia que as empresas que adotam uma prática predatória com seus empregados, querem que eles acreditem. Assim, evitam reconhecer que os trabalhadores são como todos os outros e que merecem ter seus direitos garantidos. Sem essa identificação, as empresas conseguem burlar a Constituição ao afirmar que os empregados são na verdade “colaboradores”, gerando a impressão de que eles não dependem desses “bicos” para sobreviver.

O ex-motorista de Uber Danilo Pássaro explica sua vivência após quatro anos trabalhando pelo aplicativo:

Além dos aplicativos terem horários muito específicos, as contas chegam e você acaba entrando numa lógica que, se não trabalhar, não consegue ficar um momento em paz (…) porque você não é remunerado o suficiente para ter uma vida tranquila e, por conta disso, acha que tem que trabalhar o tempo todo para ganhar um pouco mais.

Danilo Pássaro, ex-uberista.

Abel Guerra explica esse fenômeno ao afirmar que os aplicativos “condicionam a rotina de trabalho a uma temporalidade do algoritmo”. Isso significa que, para ganharem mais dinheiro por corrida, os motoristas de aplicativo acabam ficando reféns do preço dinâmico. Esse termo é referente ao momento, escolhido pelo algoritmo das plataformas de transporte de pessoas, em que o app avisa ao trabalhador que, dentro de um horário específico, as corridas em determinado local acabam valendo mais. Se eles negam corridas nesse período, os aplicativos dificultam para os motoristas conseguirem outras oportunidades boas. Contudo, apesar de o preço dinâmico ser uma exclusividade de plataformas de transporte de pessoas, o boicote é observado também por motoristas de aplicativos de entrega.

Entregadores aguardam pedidos de apps em São Paulo. Foto gentilmente cedida por Lincon Zarbietti.

Outro fato importante ocorre quando as empresas utilizam desse mecanismo do modo que seja mais benéfico para elas mesmas. Muitos motoristas e entregadores relatam situações em que estavam em mobilizações a favor de melhores condições de trabalho que são esvaziadas em função da oferta de promoções e preços dinâmicos: “As empresas conseguem exercer um grande domínio sobre os trabalhadores, que acabam por não comparecer em manifestações, já que não podem se dar ao luxo de recusar oportunidades de garantir sua renda, correndo o risco até de sofrer uma espécie de boicote da própria plataforma”, conta Danilo Pássaro.

Este texto é um dos cinco capítulos da série especial de reportagens do dossiê "Fronteiras", realizado por alunos do 5° período do curso de Jornalismo da PUC Minas para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital. Para acompanhar toda a reportagem, passe o mouse nos títulos abaixo e clique no capítulo de sua preferência:

Capítulo 1: A realidade do trabalho plataformizado 
Capítulo 2: À espera do trabalho
Capítulo 3: Viração: direitos trabalhistas em xeque (Você está aqui)
Capítulo 4: Condições do trabalho na era digital
Capítulo 5: Gig economy e trabalho on-demand: direitos em falta
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