Mesmo derrotados, Atlético e Cruzeiro orgulham o futebol mineiro, tendo chegado às finais das competições mais importantes do continente. Com papeis invertidos, os rivais voltam a disputar os títulos da Libertadores e da Sul-americana simultaneamente pela primeira vez desde 1997. Ao contrário de como foi a dobradinha na primeira vez, agora amargaram derrotas e ficaram a um passo da conquista.
Em 13 de agosto de 1997, diante de cem mil torcedores no Mineirão, o Cruzeiro coloria a América de azul e branco após conquistar o bicampeonato da Libertadores com 1×0 contra o Sporting Cristal. Quatro meses depois, o Atlético se sagrou campeão da Copa Conmebol – atual Copa Sul-americana– após vencer o Lanús por 4×1 no jogo de ida na Argentina e empatar com 1×1 no jogo de volta no Mineirão.
Outro cenário
Em 2024, o cenário se inverteu. Após retornar à elite do futebol nacional depois de três anos na Série B do Campeonato Brasileiro, o Cruzeiro se classificou para a Sul-americana no ano de 2023 e passou por um caminho difícil, superando adversários tradicionais como o Boca Juniors, Libertad e Lanús para chegar à final da competição. Em jogo duro, foi derrotado por 3 a 1 pelo Racing na final no dia 23 de novembro.
O Atlético, que em 1997 havia disputado a final menos importante entre as duas, chegou em 2024 à decisão da competição mais importante do continente. Liderado por Hulk, Deyverson e Everson, o Galo teve uma campanha irretocável e chegou à final com apenas duas derrotas no campeonato, mostrando-se um time maduro após eliminar gigantes como o atual campeão Fluminense e o River Plate.
Mesmo após a expulsão de Gregore, do Botafogo, no primeiro minuto da partida, o time mineiro perdeu a decisão pelo mesmo placar de 3 a 1. Apesar das derrotas, a chegada dos dois times às finais mais importantes do continente mostra o investimento e a qualidade do futebol mineiro não só no cenário nacional, mas também no futebol sul-americano.
Após anos difíceis, Cruzeiro volta a disputar uma final continental
O grande dia finalmente chegou. Milhares de cruzeirenses atravessaram fronteiras para acompanhar o retorno de um gigante ao cenário continental e, apesar da derrota, o Cruzeiro viveu uma noite inesquecível. Para a torcida, vestir o manto azul naquela final significou reafirmar o apoio por uma instituição que já foi envolvida em escândalos e rebaixada, mas que segue viva.
Mesmo com a derrota, foi muito bom ver o Cruzeiro voltando a uma final internacional depois de tudo o que passamos na Série B. Foram anos de muita luta, mas a torcida nunca desistiu.”
Samuel Brasil, torcedor e influenciador do Cruzeiro
Para o Cruzeiro, que entre 2019 e 2022 enfrentou o risco de falência e tempos difíceis como a queda para a Série B e os desafios da pandemia, chegar a essa final representava muito mais do que a disputa de um título: é o renascimento de um gigante. Torcedor fanático do time, André Luiz, gestor comercial, de 46 anos, fala sobre esse renascimento: “Somente quem viveu e é apaixonado pelo Cruzeiro sabe o que se passou de 2019 até o ano do acesso. Acordávamos sem saber se o clube iria existir no dia seguinte”. Falando sobre a torcida, refletiu: “Ninguém merece mais que nós ter o momento de ser campeão”.
Dentro de campo, no entanto, o time celeste pareceu não entender a grandeza do momento. A postura apática e desorganizada desde os primeiros minutos contrastava com a energia das arquibancadas. O tradicional Racing não perdoou: marcou um gol logo no início, que estava impedido por milímetros. Mesmo após o gol anulado, o Cruzeiro não acordou no jogo e com apenas 20 minutos do primeiro tempo, a equipe argentina marcou duas vezes, abalando a confiança do Cruzeiro e da torcida.
Mesmo atrás no placar, os torcedores mineiros continuavam apoiando e, no início do segundo tempo, o artilheiro Kaio Jorge aproveitou o rebote do goleiro para diminuir a desvantagem. O gol reacendeu as esperanças do Cruzeiro que, apesar da derrota, pressionou o time argentino durante o segundo tempo da partida.
O roteiro dessa final trouxe inevitáveis comparações com o título da Libertadores de 1997. A mística camisa 10 do Cruzeiro, que brilhou com Palhinha no comando do meio-campo em 1997, hoje está estampada nas costas de Matheus Pereira, grande destaque do time, mas que não conseguiu fazer uma boa partida na final.
O volante argentino Lucas Romero é sinônimo de raça e identificação com o Cruzeiro, assim como Ricardinho, como lembra André Luiz. “Os times são semelhantes, nosso motorzinho de 1997 era o Ricardinho e hoje em 2024 o Romero, ambos com identificação e entrega para a torcida”. O torcedor ainda destaca coincidências entre as campanhas. “O Cruzeiro de 97 quase não se classificou para passar da 1° fase da competição, assim como em 2024. Tivemos 3 empates no início da competição e depois teve que se superar para passar de fase”, conclui.
Na época do bi da Libertadores, o gol do Cruzeiro era defendido por Dida, goleiro que personificava confiança e segurança, peça-chave na conquista. Em 2024, Cássio ocupou o gol celeste mas, apesar de sua experiência e trajetória vitoriosa, não conseguiu repetir o brilho de Dida em noites decisivas. No ataque, Marcelo Ramos fez história como artilheiro em 1997; já nesta final, o camisa 9 Kaio Jorge fez o que pôde para manter a equipe viva, mas não foi suficiente para evitar a derrota.
Quando o árbitro indicou apenas cinco minutos de acréscimos, o Cruzeiro estava perdendo por 2 a 1 e a sensação era clara: o título seria, merecidamente, dos argentinos. No fim do jogo, com o Cruzeiro lançado ao ataque, o Racing teve a chance de matar o jogo e, dos pés do camisa 10, Roger Martinez, veio o terceiro gol. O apito final confirmou o time de Avellaneda como campeão da Copa Sul-Americana 2024.
Atlético é derrotado, adia o sonho do bi e se vê fora da Libertadores 2025
Pelo lado do Atlético, a final da Libertadores representava muito mais do que qualquer outro título. A competição mais importante do continente é e segue sendo para todo atleticano uma verdadeira obsessão, e isso pôde ser notado não só entre os torcedores, mas também entre os jogadores. Em um ano de instabilidade e também de menor investimento em comparação aos anos anteriores, o clube treinado pelo argentino Gabriel Milito deixou o campeonato nacional de lado e se dedicou exclusivamente à Copa do Brasil, na qual foi derrotado pelo Flamengo na final, e à Libertadores, na qual perdeu para o Botafogo.
Apesar das recentes conquistas do Brasileirão e da Copa do Brasil, em 2021, e do penta campeonato mineiro (entre 2020 e 2024), a Libertadores significaria uma mudança de patamar para o Atlético. Campeão em 2013, o clube mineiro buscava o bicampeonato para se firmar de vez entre os grandes clubes do futebol brasileiro no cenário atual. Além de toda a grandeza que naturalmente envolve a conquista da Libertadores, o campeão ainda arrecadaria aproximadamente 500 milhões de reais a mais que o vice, se classificaria para o Mundial de Clubes de 2024, que ocorrerá no Qatar, e para o Mundial de Clubes FIFA, que ocorrerá pela primeira vez em 2025 nos Estados Unidos e reunirá 32 times, em formato cheio de novidades.
As recentes eliminações do Atlético na Libertadores ainda mexiam com a torcida. O Palmeiras, campeão em 2020 e 2021, foi o carrasco do clube mineiro nos últimos três anos. Na primeira delas, em 2021, o Galo era favorito. Semifinalista da Copa do Brasil e líder do Campeonato Brasileiro na ocasião, o clube havia passado pelos gigantes argentinos Boca Juniors e River Plate nas fases anteriores, e foi eliminado pelo critério de gol fora de casa após empate em 1 a 1 no Mineirão. Nos anos seguintes, o favorito era o Palmeiras, e em jogos cheios de emoção, o atleticano viu o sonho da Glória Eterna escapar por detalhes.
Jogadores do Atlético festejam classificação para a final no Monumental del Nuñez. (Foto: Yuri Laurindo)
Em 2024 foi diferente. Absoluto na fase de grupos, o Galo venceu cinco dos seis jogos e teve a segunda melhor campanha, atrás apenas do River Plate. Nas oitavas, passou pelo San Lorenzo após vencer por 2 a 1 no agregado, e contra o Fluminense nas quartas perdeu o jogo de ida por 1 a 0, e virou o jogo na Arena MRV com dois gols de Deyverson. A semifinal contra o River Plate mostrou muita força, e após vencer por 3 a 0 em casa, os comandados de Milito confirmaram classificação para a final após empate sem gols no Monumental del Nuñez. Na final, o Atlético foi derrotado por 3 a 1 pelo Botafogo.
Entre o elenco campeão em 1997 e o atual, é possível notar algumas coincidências. No gol, Taffarel e Everson chegaram ao Atlético vindos de lugares diferentes, mas chegaram na final em situações semelhantes, buscando seus lugares entre os grandes jogadores da história do clube. Heroi do tetra, o ex-goleiro chegou no Galo em 1995, um ano após conquistar a Copa do Mundo nos Estados Unidos. Já consagrado, ele foi muito bem recebido pela torcida, mas sofreu com salários atrasados e momentos difíceis como capitão do clube, como ele mesmo conta.
Chegada do Taffarel ao Atlético em 1995
Na época do título, Taffarel foi um dos pilares do time, assim como Everson é no elenco atual. Melhor jogador do Atlético na temporada, o camisa 22 sonhava com a Libertadores para se consagrar como o maior goleiro da história do time: “Com certeza é o jogo mais importante da minha carreira”, disse em entrevista para a rádio Itatiaia.
Considerado por muitos como o maior jogador da história do Atlético, o atacante Hulk se emocionou no final do jogo e, em nome de todo o elenco, pediu desculpas para a torcida por ter deixado escapar a oportunidade do título. O camisa 7 foi o melhor jogador atleticano na final, e um dos poucos que foram poupados de críticas pela torcida. Outros jogadores importantes ao longo da temporada, como Guilherme Arana e Gustavo Scarpa, deixaram a desejar na final e foram criticados após o fim do jogo, juntamente com Eduardo Vargas e Alan Kardec, que já vinham recebendo críticas e que foram intensificadas após a partida.
Com o fim da temporada, o Atlético está fora da Libertadores 2025, e encerra o ano de forma apática e distante de sua torcida. A diretoria foi alvo de cobranças intensas nas redes sociais, assim como a maioria dos jogadores e o técnico Gabriel Milito, demitido alguns dias depois da final. O clube vai iniciar nos próximos dias o planejamento para a próxima temporada, e ainda não se sabe se o investimento será grande.
Torcedor do Galo e jornalista, Rafael Araújo, que foi à Argentina acompanhar a final do time, se diz pessimista para o 2025 do Atlético: “Não tenho boas perspectivas. A próxima temporada estava totalmente ligada à presença na Libertadores e também no Mundial”. Antes da final, Ricardo Guimarães – um dos donos do time – havia prometido um investimento maior em caso de título, mas com o objetivo não tendo sido alcançado, o investimento será menor. Ainda não se sabe qual será a postura do clube no mercado.
Torcidas foram um show à parte
Apesar dos resultados negativos, é importante ressaltar a importância dos torcedores nas campanhas de Atlético e Cruzeiro ao longo de todo o ano. Levando mais de 33 mil torcedores por jogo nas partidas do Campeonato Brasileiro, Cruzeiro e Atlético são, respectivamente, os times com a quinta e a sexta maior média de público do campeonato nacional.
Nas Copas, esse número é ainda maior. Como mandante, o Cruzeiro levou mais de 43 mil torcedores ao estádio por jogo, o equivalente a mais de dois terços da capacidade total do Mineirão, consagrando como a maior média da história da competição. O Atlético, por sua vez, levou quase 38 mil torcedores por jogo para a Arena MRV. Na primeira Libertadores da história do estádio, que pode receber até 45 mil torcedores, a média de ocupação ficou na casa dos 84%, uma das maiores da competição.
Na final da Sul-americana, em minoria, a torcida do Cruzeiro fez barulho no Paraguai e tentou bater de frente com a numerosa torcida do Racing. Segundo dados divulgados pelo governo paraguaio, aproximadamente 40 mil estrangeiros entraram no país para assistir o jogo, sendo seis mil brasileiros e 33 mil argentinos, o que é um mistério, já que o setor destinado à torcida do Cruzeiro, com capacidade para 12 mil torcedores, estava lotado.
Torcedores relataram muito cansaço e dificuldade no trajeto, já que são mais de 35 horas de estrada, mas apesar disso os cruzeirenses destacaram a receptividade do povo paraguaio, que acolheu os brasileiros de forma muito solícita. Torcedor e influenciador do Cruzeiro, Samuel Brasil é dono do perfil Cabulozeiro no Instagram, esteve no Paraguai para acompanhar o jogo e falou sobre a viagem. “Asunción é uma cidade simples, não tem muito atrativo visual, mas a experiência foi incrível, apesar de não ter conquistado o título”.
Durante a semana, vários cruzeirenses relataram que tiveram seus ingressos cancelados pela Conmebol, que alegou motivos de segurança. “Infelizmente a organização deixou a desejar. Entrar e sair do estádio foi um caos. Para piorar, estavam liberando a entrada de torcedores até sem ingresso, o que gerou ainda mais confusão”, reclama Samuel sobre a estrutura da final.
Por outro lado, a torcida do Atlético levou para a final da Libertadores quase 30 mil pessoas. Com capacidade para 84 mil torcedores, o Monumental del Nuñez é o maior estádio da América Latina, mas as torcidas de Galo e Botafogo mostraram grandeza e estabeleceram o recorde de público das finais de Libertadores com jogo único: segundo dados oficiais da Conmebol, mais de 72 mil pessoas estiveram presentes na decisão.
Com maioria botafoguense e cerca de 8 a 10 mil convidados, estima-se que estavam no estádio cerca de 25 a 30 mil atleticanos. Não se sabe ao certo, já que a Conmebol não divulgou o número exato de torcedores de cada time que estavam no setor misto do estádio. O setor específico para cada clube cabia cerca de 22 mil pessoas, e foi esgotado por ambas as torcidas.
Quase três mil quilômetros separam Belo Horizonte de Buenos Aires e, divididos em carros, ônibus e aviões, os torcedores do Galo enfrentaram uma logística complicada para chegar na Argentina. Em mais de 40 ônibus, as caravanas saíram de Belo Horizonte na madrugada de quarta-feira (27) e sofreram com quase três dias de viagem, chegando na capital da Argentina algumas horas antes do jogo. Torcedor e influenciador atleticano, Arthur Lucas estava em um dos ônibus e relatou dificuldades na chegada ao país vizinho. O jovem denunciou o tratamento “desumano” da polícia argentina, que atrasou a locomoção e impediu que os torcedores descessem por horas, até mesmo para ir ao banheiro. “Depois que a gente atravessou a fronteira, a gente não podia descer do ônibus”, relata.
Foi cansativo e, apesar da derrota na final, foi uma experiência muito boa. Tudo que passei ali vou lembrar pra sempre.
Rafael Araújo, torcedor do Atlético e jornalista
Apesar das dificuldades, os torcedores de Atlético e Cruzeiro fizeram de tudo para acompanhar seus clubes nas finais, e mesmo com o resultado negativo, a maioria dos relatos são de gratidão por ter vivido a experiência: Mesmo sem o título, os atleticanos e cruzeirenses que viajaram para ver o jogo concordaram no que diz respeito aos momentos vividos na viagem. “É muito perrengue, muito cansativo, mas é uma experiência legal demais que todo torcedor tem que viver uma vez na vida”, diz Felipe Pardini, estudante, que enfrentou quase seis mil quilômetros de ônibus no percurso que separa Belo Horizonte de Buenos Aires.
Ao contrário de como foi em 1997, os clubes mineiros saem de suas respectivas finais sem vitória, mas o sentimento é completamente diferente para cada um deles. Para o Atlético, fica a frustração de uma temporada ruim, instável e que terminou de forma traumática com derrotas em duas finais.
Para os próximos anos, o investimento é uma incógnita, e os torcedores do Galo começam a se preocupar com as consequências da derrota. O Cruzeiro, por outro lado, renasceu depois de três anos na série B. Com a chegada de Pedro Lourenço como dono do clube, o cruzeirense se vê otimista com o futuro, que promete ser de mais investimento e de colher frutos da gestão de Ronaldo. O clube celeste se prepara para voltar de vez a brigar por títulos, e chegar à final da Sulamericana foi apenas o primeiro passo nessa direção.
Conteúdo produzido por Arthur Tadeu, Arthur de Pinho, Davi Luiz, Ian Lima, João Paulo Profeta, Murilo Gomes e Vinícius Bussolotti, sob a supervisão da jornalista e professora Fernanda Sanglard na disciplina de Apuração, Redação e Entrevista. A monitora Danielly Camargos e o professor Getúlio Neuremberg colaboraram com a edição digital.