Encontros do Dia, Afetos que Acordam

por Esdras Ananias Ferreira Santos

A Aula Inaugural do primeiro semestre de 2025, do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas, aconteceu em  uma quarta-feira de muito sol e calor, dia 12 de março. O evento recebeu o cineasta contagense André Novais Oliveira, atraindo discentes, docentes e admiradores do  diretor e roteirista, cujo trabalho é internacionalmente reconhecido. 

A aula iniciou-se com a exibição do mais recente longa-metragem escrito e dirigido por  Novais, “O Dia que te Conheci”. Filme que, lançado em 2023, expôs atuações cativantes de  Grace Passô, Renato Novais e do rapper FBC (Fabrício Teixeira). A exibição foi seguida de  um debate com quase vinte perguntas direcionadas ao diretor sobre seu filme e sua carreira. A partir daqui, avisamos que o texto contém spoilers.

O aluno Esdras Ananias e o cineasta André Novais.

O longa exibido, conta a história de Zeca, um bibliotecário com problemas para acordar no  horário certo e ir ao trabalho. Essa problemática é apresentada na sequência inicial do filme,  que apresenta o protagonista, a casa em que mora e Lucas, seu colega de moradia. De forma  sutil e cômica, os primeiros minutos do filme mostram Zeca pedindo ao amigo que o desperte,  de qualquer maneira, na manhã seguinte, pois não pode se atrasar. Pela manhã, Lucas tenta,  sem sucesso, acordar Zeca, que não consegue despertar no horário certo e se atrasa, mais uma vez, para o trabalho. Um dos auges burlescos dessa sequência inicial, é o rosto sorridente do Shrek,  esculpido em um vaso de flores na varanda da casa. 

  Após muita correria, um ônibus quebrado e dois pastéis gordurosos com provável cheiro de cigarro, Zeca  chega à escola em que trabalha, e, em pouco tempo, recebe a notícia de que está despedido. A  portadora da má mensagem é Luísa, que trabalha na secretaria da escola. Personagem que  surge na tela, de repente, e rouba a atenção. Uma blusa estampada de azul e um cabelo com  tranças amareladas compõe uma figura engraçada, curiosa e, inicialmente, misteriosa. Grace  Passô, encarnada de Luísa, mexe em suas tranças amarelas de forma despretensiosa, quando  informa Zeca de sua demissão, e esse gesto será reprisado e reinventado em todo o decorrer  do filme. Luísa anda, fala e flerta manuseando a ponta de suas tranças.

Na cena da demissão, ambientada na biblioteca, com Luísa de frente para Zeca, ambos  sentados e separados lateralmente pela tela de um computador, rodeados por estantes e livros,  informações, histórias e mapas, o dia de Zeca toma um novo rumo. Luísa oferece uma carona  para o recém despedido, que aceita sem questionar. Zeca troca algumas palavras com a mãe  de uma aluna da escola até embarcar no carro de Luísa.

No veículo, com Luísa ao volante e Zeca como passageiro, torna-se explícita a influência de  Abbas Kiarostami no trabalho de André Novais nesse longa-metragem. Precisamente a  influência do filme “Um Alguém Apaixonado” (“Like Someone In Love”), de 2012,  longa-metragem franco-japonês dirigido pelo cineasta iraniano. Tanto André quanto  Kiarostami registram em seus filmes diálogos de duas personagens enclausuradas dentro de  um carro. Diálogos que fervem e resfriam, borbulham e se acalmam na tela para os  espectadores ansiosos e vidrados, pois as falas trocadas dentro do veículo são reveladoras de  quem são e quem tentam ser, além de definidoras do próximo passo relacional das personagens envolvidas. Palavras ditas ali dentro, compreendidas ou despercebidas, ditarão como a história irá se desenrolar.

Enquanto Kiarostami filma a conversa de seus protagonistas de fora do carro, permitindo que  reflexos distorcidos de uma Tóquio sinuosa se misturem e até deformem seus personagens.  André Novais filma dentro do carro, uma câmera literal no banco de trás. O movimento de  seus protagonistas, são vistos por contornos em um contra luz belíssimo. O caminho à frente,  as ruas no entorno e os acidentes na lateral das vias, são nítidos ao espectador e influenciam  no rumo da conversa de Zeca e Luísa. André deu liberdade aos atores para que  improvisassem algumas falas, conforme o que viam na estrada, durante os cinco minutos ininterruptos da cena. 

Esta sequência atrai atenção também pela sua realização, já que o percurso visto neste  extenso momento fílmico foi realizado artificialmente em uma garagem escura. A  cena externa, das ruas em movimento, foram pré-gravadas e posteriormente projetadas em  uma tela rígida branca. O carro estático na garagem, com os dois atores dentro e com a tela branca na frente, produziram uma das mais marcantes cenas do filme. As personagens  conversam seguindo por caminhos e bifurcações, plasticamente artificiais e esteticamente aliciantes. 

Dois planos detalhes, o primeiro em um boneco e o segundo do rádio do carro, indicam uma elipse na temporalidade dos dois corpos no automóvel e do mundo em movimento fora dele.  O plano seguinte, que dura cerca de um minuto, mostra somente a estrada pelo qual eles  continuam percorrendo, porém já à noite. O plano simula o ponto de vista de quem se senta  na frente do carro, e observa várias traseiras de outros veículos, iluminadas pela luz forte de  faróis. Uma canção de Luedji Luna toca ao fundo, “Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água”,  composição que pinta melodicamente como é gostoso estar envolto em afetos românticos,  imerso em uma correnteza de desejo, querer tocar até tornar dois em um. A música afirma o  clima de um possível romance, junto ao diálogo entre as personagens, que perpetua, e indica  outro rumo que o dia irá tomar: a carona torna-se uma cerveja juntos, no centro da noite  metropolitana.

André já é reconhecido por seus planos sequência e planos longos, até em curtas-metragens, e  em “O Dia que te Conheci” não é diferente. Outra cena que salta aos olhos por sua realização  e simbologia, é o plano sequência em que as personagens descem alguns quarteirões da Rua  da Bahia, uma famosa e movimentada rua do centro de Belo Horizonte.

Nesta cena, composta por um plano sequência de aproximadamente dois minutos, o hábil  operador de câmera Bernard Machado acompanha frontalmente, e em movimento, os  protagonistas descendo a sutil ladeira da rua. Ambas personagens caminham em silêncio e a  trilha sonora orquestral dá o tom da cena, “  Symphony No. 2 in G Minor –  Songs of a new  race” de William Gran Still, uma sinfonia de anunciação. 

A Rua da Bahia, comumente abarrotada de pessoas e veículos, está quase vazia, ocupada  apenas por Zeca, Luísa e a luz de alguns postes. Essa quietude tem duas possibilidades: a evidência de um momento íntimo, só os dois importam naquela rua, naquela noite, nessa cena, nesse filme. E/ou um vestígio de uma produção audiovisual que fechou a rua  para gravar a cena no único horário possível, a madrugada. Ambas suposições são aprazíveis. 

Zeca e Luísa tornam-se íntimos nas cenas seguintes, unidos pelas cervejas na mão e pelos  medicamentos que conhecem e já tomaram. Dois indivíduos afetados pela ansiedade,  depressão, pensamentos intrusivos, se aproximam ao partilhar experiências tão hodiernas a  muitos espectadores. Quantos casais não partilham das mesmas cartelas prateadas e das  mesmas pílulas coloridas? 

A noite segue, Luísa toma as rédeas do momento e explicita,  para o lento e lerdo Zeca, o seu desejo, sua vontade de estar com ele. Ao perceber, Zeca se  entrega. O fogo que acende o cigarro de palha que Luísa fuma, na varanda de Zeca, vem  deles, dois corpos negros, juntos, se desejando, se provando. Os azulejos pintados da casa de  Zeca são testemunhas da bela vista da varanda e da bela faísca que surge entre os dois.  

Na manhã seguinte, Zeca acorda cedo, sem despertador e sai de casa. No caminho, arrebenta  o dedão do pé em uma cerâmica jogada ao chão. Dói, o sangue escorre, mas Zeca segue  mancando até a padaria do bairro. A tela se estreita para enquadrar a fachada da “Padaria Espiritual” de portas vermelhas. A câmera permanece do lado de fora, enquadrando o estabelecimento na esquina de uma bifurcação, mantendo-se à  distância do espectador, quando Zeca anuncia: “hoje vai ser diferente”. 

Afinal, no romance de André Novais Oliveira, afetos permitidos, trocados, fazem acordar  mais cedo, no horário certo. Fazem comprar presunto e mussarela para um café da manhã mais que especial. Assim como profetizado pela voz de Luedji Luna, na música que tocava no carro, afetos vivenciados mudam rumos e fazem sentir mais. Fazem sentir. 

O filme “O Dia que te Conheci” está disponível na Globoplay.

Diversos curtas-metragens de André Novais Oliveira estão disponíveis gratuitamente na Embaúba Play e no Canal do Youtube da Produtora Filmes de Plástico.

Eu Indico: La Dolce Vita

Por: Gabriel Werneck

Federico Fellini foi um gênio, seu trabalho até hoje inspira e emociona inúmeros escritores e diretores. Escolher apenas uma de suas obras para definir a amplitude da sua criação é um trabalho impossível de ser feito, tamanha a profundidade em cada um dos seus traços.

Escolho, porém, referenciar aquele que mais me marcou e, embora fique triste por não falar de 8 1⁄2, la estrada, Roma, le notti di cabiria, Amarcord ou Satyricon, me sinto lisonjeado por poder tangenciar La Dolce Vita.


O filme, escrito por Fellini, Pasolini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli e Brunello Rondi, conta a história de Marcello (Marcello Mastroianni), um jornalista que vive entre os fotógrafos e celebridades no início dos anos 60, rodeado pela extravagancia e vazio existencial.

O roteiro talvez seja o que mais se realce a princípio, devido a sua estrutura pouco convencional e reformulação da estrutura dos três atos, a história nos passa bem como é estar em um momento atemporal e vazio. A estrutura reflete os conflitos do protagonista e essa é uma das formas mais singelas de se construir um personagem que parece realmente respirar. Sentimos durante todo o longa como Marcello é um personagem vivo, sentimos sua existência
através do texto e da belíssima atuação de Mastroianni.


Como Scorsese disse uma vez em uma de suas entrevistas, La Dolce Vita tem uma das cenas de abertura mais chamativas da história do cinema. Helicópteros que carregam a estátua de Cristo fazem parte de todo o peso que a religiosidade e a Cidade de Roma (sempre muito cultuada nos filmes de Fellini e fotografada excepcionalmente por Otello Martelli) geram no expectador. Entendemos a grandiosidade da obra desde seu primeiro Frame.

Tentar dialogar com a profundidade dessa obra em poucas linhas é cruel, cada escolhado diretor é um toque de gênio a parte. Poucos na história tiveram a audácia de filmar uma cenade término de relacionamento, cena que por sinal é muito importante para a história, por um ângulo em que mal se vê a face dos protagonistas. O ser humano se torna pequeno, engolido por um mar de superficialidade e impotência, isso, porém, se torna também belo, parte do ser
em geral.

O fim se torna então apenas o fechamento de uma história contínua, podendo ser apagada apenas pelo tempo com o qual os homens sempre lutaram. Marcello se vê frente ao mar, frente a uma garota que pode ser vista como a representação da inocência e pureza e sua atitude perante isso é uma bela reflexão de tudo o que se é pela forma da arte. Recomendar o filme é o que me resta fazer, aconselhar se deixar levar por uma obra completa, a obra prima
de um gênio.

Eu Indico: A Mulher da Areia

Por: Alan Kazzaz

Dentre os cinemas de vanguarda que marcaram a década de 60, a Nova Onda japonesa é frequentemente colocada em segundo plano se comparada à Nouvelle Vague e a Nova Hollywood, porém, não foi menos revolucionária ao cinema de seu país de origem. Deste movimento, se destaca Hiroshi Teshigahara, a primeira pessoa de origem asiática nomeada ao Oscar de Melhor Diretor, com sua obra recomendada a seguir: “A Mulher da Areia”.


Lançado em 1964, “A Mulher da Areia” conseguiu merecido reconhecimento, sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e vencendo o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes. O filme retrata os sofrimentos de um professor que coletava insetos em uma aldeia isolada em lençóis de areia, que então é enganado pelos moradores locais a se hospedar na casa de uma mulher, localizada em um pedreira formada nas dunas, de onde retiram a única saída durante a noite e o mantém preso em cativeiro e realizando trabalhos forçados, tendo como única companhia a anfitriã que ajudou a enganá-lo.


A fotografia do filme merece atenção especial, belíssima, pode ser apreciada até de forma independente do contexto do filme. Filmada em preto e branco, apresenta um uso excepcional de uma luz vasta e intensa nas cenas externas e sombras fortes nas cenas internas, e também potencializa as diversas cenas que exibem o movimento das dunas pelo vento, tornando-as quase hipnotizantes. Frequentemente são usadas janelas e outras obstruções dentro dos enquadramentos e planos detalhe da areia na pele das personagens, demonstrando a relação árdua do professor e sua companhia com o ambiente restritivo, seco e áspero que os cerca.


Essa obra, que em sua natueza é um suspense, possui uma tensão quase tangível, amplificada pela trilha sonora orquestral de agudos estridentes como em “Psicose”, assim como os vastos planos abertos da areia, que parece nunca ter fim. As nuances das performances dos atores e atrizes exploram com maestria a fragilidade mental dos protagonistas em isolamento e a perversidade dos antagonistas que habitam aquele vilarejo.


Para criar uma experiência interessante com essa tensão citada acima, faz-se aqui uma recomendação adicional: a de assistir o filme sem conferir o seu tempo de duração, antes e durante sua reprodução. As constantes tentativas de fuga do protagonista terão um impacto especial caso o espectador não tenha perspectiva de qual delas será bem sucedida, assim como o personagem principal.

Eu Indico: Já Visto Jamais Visto de Andrea Tonacci

Por: Nicholas Correa

Já visto, jamais visto, o filme derradeiro de Andrea Tonacci, é uma antologia pessoal que reúne diversos materiais cuja maioria era inédita até então, incluindo segmentos de filmes não finalizados pelo diretor. Tonacci, que desde Blablablá se mostrava consciente de sua condição de artífice de imagens, dispõe esses arquivos à maneira de Jonas Mekas em que nenhuma instância (vídeo caseiro, ficção ou registro histórico) parece se sobressair em relação a outra, todas possuem uma mesma aproximação no fluxo imagético que compõe a unidade do filme. O ato de assimilação dessas imagens é guiado como uma experiência de constante descoberta e re-significação do passado pelo presente.

Seja nas cenas em que Tonacci e o filho viajam para locações medievais, quando um menino acha uma chave dentro de uma urna antiga enterrada no quintal, a ação do cineasta com suas imagens torna-se a de um necromante. Descobrimos um mundo que, se uma vez existiu, já se des-balizou, um mundo que não existe mais fora daquelas imagens granuladas e ruidosas. O crítico Serge Daney, em seu texto Sobre Salador (Cinema e publicidade), notava uma crença ingênua no real, de “uma confiança literalmente cega no visível”, sobre a qual boa parte do cinema é concebido e lançava a possibilidade de um cinema que trabalhasse a sua especificidade pictórica:

A menos que um cinema crítico – não se contentando mais com essa fuga antecipada, essa necessidade do jamais-visto que não pode se esgotar sem ser satisfeita – decida ver em cada significante pró-fílmico já um significado que ele vai tratar de descobrir, nomear, desnaturalizar. A relação desse cinema com a fotologia seria um modo na qual ele denunciaria (ou não) a falsa inocência do real, desse real que é para ele apenas o já filmado.

Tanto o filme quanto o texto de Daney culminam em O desprezo (Daney com o filme de Jean-Luc Godard, Tonacci com o romance de Alberto Moravia), uma das obras seminais sobre essa crise da organização material no exercício do cinema. O que testemunhamos em Já visto, jamais visto é essa relação crítica entre o mundo e os dispositivos fílmicos, importa ao filme justamente a fisicalidade do celulóide e o ruído da imagem digital. Quando Tonacci lê Alberto Moravia em um quarto mal iluminado, a cena não só aparenta como de fato emana de um outro mundo, o mundo delimitado da imagem e da palavra.

Seja criando um real fantástico ou dando uma sobrevida fílmica a um real passado a partir de sua demiurgia, Já visto, jamais visto é a obra de um legítimo necromante que, ao olhar para suas memórias, se deslumbra na descoberta de um novo mundo. O fato de que este tenha sido o último trabalho de Tonacci antes de sua morte confere à obra um contorno trágico. A cena em que ele cita o seu nome em uma conversa por telefone, de modo a afirmar sua própria existência dentro daquele mundo, é agora também a sua sobrevida nesta que é uma das obras mais importantes da década.

 

Eu Indico: The Square – A Arte da Discórdia

por Gabriel Matavel

O pós-modernismo nos deu alguns presentes interessantes, dentre eles está a indignação seletiva. Presos em nosso Mundo de obsolescência programada (tanto de aparelhos quanto de pessoas, diga-se de passagem), o ser humano se perdeu entre o natural e o digital e caminha para um deserto de egoísmo. The Square deixa claro que arte é importante e respira, está viva, assim como o individualismo daqueles ali presentes. Bastava a exposição de uma artista que não aparece em momento algum do filme tentar suscitar um tipo de contrato social de individuo para individuo, que tudo veio à baixo.

Mendigos povoam o cenário o tempo todo e estão largados ao léu, ; um curador de museu se sente no direito de ameaçar um prédio inteiro por não saber o apartamento do assaltante que levou seus pertences e está tudo bem, ; o protagonista perde suas filhas e pede um morador de rua para vigiar seus pertences de uma maneira bastante grossa e está tudo bem. Quando a história ameaça aqueles no poder tudo muda de figura. Uma representante de uma ONG vai às ruas e pergunta “Deseja salvar uma vida?” e é recusada o tempo todo, mas assim que um vídeo para a promoção da exposição do museu se utiliza de uma criança branca e loira como moradora de rua, todo o país se volta contra.

Anos atrás, a informação se mantinha em espaços únicos e fora do antro doméstico, ao a levarmos para casa mudávamos e redirecionávamos o que chamamos de “interessante”. O filme se aproveita bastante dessa retórica de consumidores atentos ao celular e não apreciadores de arte, não deixando a desejar ao provar como o protagonista é egoísta e somente percebe isso sendo confrontado diretamente tendo as consequências indo além de uma ressaca de sábado à noite.

Os celulares e a tecnologia móvel no geral fecharam o ciclo do individualismo para o contemporâneo, Christian o protagonista do filme, está em constante procura do moderno e atraente para seu museu. Passamos quase uma hora e dez minutos da história vendo como é “difícil” e complicado seu emprego e sua vida só que ao desenvolver da história o roteiro expõe bruscamente as ações do protagonista elucidando como tudo que todos fazem têm sim consequência e as pessoas ao nosso redor tem sentimentos como os nossos. Anne, é uma jornalista seduzida por Christian e logo entende o homem se sentindo inferiorizada a todo momento por ele, e no ponto de vista dele a situação é comum como qualquer outro dia. Ao decorrer da história vamos do céu ao inferno na vida daquelas pessoas e a arte sempre ali presente, a cena de um jantar com performance expôs em todos os atos os limites da humanidade em meio a uma mostra do primitivo na modernidade. Mulheres são abusadas, copos quebrados e um aviso ao início: ”Não demonstrem fraqueza, o animal sente cheiro”; O performer em todos seus movimentos extraiu daquele público rico e hipócrita o porquê deles se portarem daquela forma e o porquê da estrutura social ter evoluído como evoluiu, infelizmente deixando alguns de fora. Cinema de primeira “The Square” é obrigatório pra qualquer humano que entrou em contato com esse texto e qualquer um que pretende se tornar artista algum dia, vale a conferida.

Eu Indico: Glauber Rocha

Câncer: a experimentação esquecida de Glauber Rocha

Por Renan Eduardo

Quando fala-se em Glauber Rocha, vem à mente filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”(1964), “Terra em Transe”(1967) e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”(1969), deixando de lado a obra tão importante quanto que é “Câncer”(1972). Filmado em 1968 e finalizado, em Cuba, no ano de 1972, o longa mostra a história de dois marginais interpretados por: Antônio Pitanga e Hugo Carvana.

Glauber Rocha, neste filme, decide mudar sua linguagem tradicional e começa a mostrar os primeiros esboços do que tornaria a carreira do diretor daqui para frente: a mistura do transparente e do opaco, do que é e o que não é real. A improvisação dos atores, a ausência do roteiro, quebra da quarta parede para falar explicitamente ao espectador, Glauber dirigindo os atores por de trás da câmera, que seria consumado em “A Idade da Terra”(1980), começa a ser experimentado aqui.

Apesar de não ter uma história “tradicional” para contar, Glauber tem muito a nos mostrar neste longa. O arco dos dois personagens, principalmente o personagem de Antônio Pitanga, revela temas que são presentes até hoje. O racismo estrutural sofrido por Pitanga ao longo do filme mostra que, 50 anos depois, o negro ainda sofre do mesmo mal. Um indivíduo corrompido pelo meio e pela sociedade, busca, além de trabalho, a sobrevivência. Pitanga traz isso muito bem

para tela com seus olhos e sua fala carregada de alguém que está cansado de lutar. Já no lado de Hugo Carvana é apresentado a burguesia racista que explora minorias. Além da raiz do racismo estrutural, mostrando até instituições que compactuam com esta opressão.

Câncer” é a síntese das ideias de Glauber Rocha. Ideias que são mostradas em tela e outras que faladas pelo diretor em voice over. É o filme de Glauber que foge da “estética da fome” e se aproxima muito do cinema marginal. Trazendo críticas que são pertinentes até hoje: machismo, feminismo, moralidade, Estado laico, entre outras. Mais uma vez, assim como em “Terra em Transe”, o cineasta faz um filme atemporal que perpetua gerações e continuará perpetuando até que o Brasil vença o racismo e sua crueldade.

Eu Indico: Alejandro Jodorowsky

por Tobias Cazarini Trotta

Produtor, diretor, ator, poeta e “piscomago” como ele se autodenomina são termos que tentam explicar quem é o Alejandro Jodorowsky. Ignorado no meio acadêmico, ele é um dos nomes mais fortes do cinema latino, com seu surrealismo impar e referencias exotéricas o diretor é único em seu modo de fazer cinema. Por mais que se prepare a mente, Jodorowsky irá impactar o espectador pois o diretor usa a tela para falar o que se passa no interno do ser humano.

Em seus filmes, que são verdadeiras poesias áudio visuais, Jodorowsky explora as dicotomias na vida do ser humano: bem e mal, consciente e inconsciente. Utilizando dessas discussões o diretor constrói o filme na tela (externo), e desconstrói o espectador (interno), o cineasta faz isso de maneira nada sutil, porém sem perder a ternura de seus filmes. O diretor exotérico é crítico do modus operandi da sociedade, numa espécie de filosofia de Rousseau onde é a sociedade que corrompe o homem ele se mantém esperançoso na humanidade.

Em sua maior obra A Montanha Sagrada de 1973 Jodorowsky chega num ápice, nenhum setor da sociedade está livre da crítica do filme. Jodorowsky nos mostra que existe um controle por alienação quase que hipnótica de todos os cantos (mercados de armas, moda, arte, brinquedos, drogas e sexo), mas ao mesmo tempo o a mago nos mostra que existe um caminho para não sermos assimilados pelos grandes regentes da sociedade.

Com cenas extremamente fortes, em todos os sentidos da palavra, o filme impacta por seu gore ocultista e suas cenas cheia de simbolismo gerando uma experiência sensorial e semiótica única. Esse que vos fala se lembra de quando os créditos finais saltaram a tela e numa espécie de catatonia fiquei encarando a tela tenteando entender o que acontecera não na tela, mas dentro de mim. Surrealista como Dali, crítico como Bansky, ocultista como Aleister Crowley, tal qual uma poção mágica Jodorowsky junta elementos diversos e nos dá um elixir audiovisual e espera que nós espectadores sejamos o principio ativo desse elixir. Com um dos finais mais marcantes da história do cinema A Montanha Sagrada nos cobra uma posição ativa de espectador, no qual devemos questionar as perguntas que o filmes nos lança.

 

Abril 2019, por Tobias Cazarini Trotta.