Câncer: a experimentação esquecida de Glauber Rocha
Por Renan Eduardo
Quando fala-se em Glauber Rocha, vem à mente filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”(1964), “Terra em Transe”(1967) e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”(1969), deixando de lado a obra tão importante quanto que é “Câncer”(1972). Filmado em 1968 e finalizado, em Cuba, no ano de 1972, o longa mostra a história de dois marginais interpretados por: Antônio Pitanga e Hugo Carvana.
Glauber Rocha, neste filme, decide mudar sua linguagem tradicional e começa a mostrar os primeiros esboços do que tornaria a carreira do diretor daqui para frente: a mistura do transparente e do opaco, do que é e o que não é real. A improvisação dos atores, a ausência do roteiro, quebra da quarta parede para falar explicitamente ao espectador, Glauber dirigindo os atores por de trás da câmera, que seria consumado em “A Idade da Terra”(1980), começa a ser experimentado aqui.
Apesar de não ter uma história “tradicional” para contar, Glauber tem muito a nos mostrar neste longa. O arco dos dois personagens, principalmente o personagem de Antônio Pitanga, revela temas que são presentes até hoje. O racismo estrutural sofrido por Pitanga ao longo do filme mostra que, 50 anos depois, o negro ainda sofre do mesmo mal. Um indivíduo corrompido pelo meio e pela sociedade, busca, além de trabalho, a sobrevivência. Pitanga traz isso muito bem
para tela com seus olhos e sua fala carregada de alguém que está cansado de lutar. Já no lado de Hugo Carvana é apresentado a burguesia racista que explora minorias. Além da raiz do racismo estrutural, mostrando até instituições que compactuam com esta opressão.
“Câncer” é a síntese das ideias de Glauber Rocha. Ideias que são mostradas em tela e outras que faladas pelo diretor em voice over. É o filme de Glauber que foge da “estética da fome” e se aproxima muito do cinema marginal. Trazendo críticas que são pertinentes até hoje: machismo, feminismo, moralidade, Estado laico, entre outras. Mais uma vez, assim como em “Terra em Transe”, o cineasta faz um filme atemporal que perpetua gerações e continuará perpetuando até que o Brasil vença o racismo e sua crueldade.